Rafael 24/01/2022
Colônia: desventuras e superação
Na rica análise que faz sobre o contexto colonial em "Os condenados da terra" (1961), Frantz Fanon sustenta que a história de uma nação (ou de sua descolonização) somente surge através do enfrentamento, sendo inútil e subserviente qualquer expectativa de integração ou coexistência entre o colono e o colonizado (p. 65).
O caminho rumo à independência é tortuoso. Como uma guerra pode durar anos, o êxito da luta demandará da força revolucionária clareza de objetivos e limpidez da metodologia, de modo que cada participante mantenha o ânimo e cumpra adequadamente seu papel, não se deixando levar pelos eventuais "gestos espetaculares de boa-vontade" (concessões estratégicas) dos colonos (p. 111).
Nesse processo, segundo o autor, é indispensável que a burguesia coloque à disposição do povo o capital intelectual e técnico obtido quando de sua passagem pelas universidades coloniais. Assim se viabiliza a politização de todos, sem a qual não é possível a formação de uma consciência nacional (p. 162).
Dentre os diversos males que a guerra colonial promove, Fanon dedica um capítulo da obra às perturbações mentais. A partir das observações que fizera enquanto psiquiatra, durante a Guerra da Argélia, ele verificou que o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: "Quem sou eu na realidade?". O colonizado era levado a crer que era um criminoso nato (p. 256) e que deveria estar em constante guerra com seu semelhante ("lei da faca"; p. 265).
Embora as experiências pós-coloniais revelem a substituição das políticas de terra arrasada pelas de sujeição econômica, num verdadeiro "combate sem fim", acredita-se que só a independência pode definir um novo humanismo (p. 205) e a cultura nacional (p. 198).
Fanon faleceu em 1961, mesmo ano de publicação desse trabalho. No ano seguinte, a Argélia, onde desejou ser enterrado, para desgosto dos franceses, tornaria-se independente.
Essa bela edição de 1968 conta com prefácio escrito por Jean-Paul Sartre, para quem "nossa bela alma racista" só tem a lucrar com a leitura de Fanon, pois ela nos proporciona o "strip-tease de nosso humanismo" e gera vergonha, um sentimento revolucionário (p. 8).