Oliveira 01/01/2015
Blog | Literatura: Um Mundo Para Poucos - Laryssa
Como todos sabem, é sempre difícil escrever uma resenha para um livro que se ama, ao menos, de forma objetivo, sem deixar que os sentimentos atrapalhem. Por conta disso, me permite ser demorada e detalhista, espero que gostem.
Quando comecei “Coração Artificial”, a impressão que tive foi de que seria só mais um romance, com um toque de drama e uma mensagem de amor ao fim. Hoje, é até engraçado lembrar que pensei assim. O conjunto de acontecimentos é tão diferente, real e completo, que acabei por ter um pequeno bloqueio, por uma tarde inteira, apenas pensando no que eu estava fazendo com minha vida.
Creio que não há forma melhor de começar, do que tentando descrever nosso protagonista e narrador. E digo tentar, por ser impossível caracterizar alguém tão singular, e contraditoriamente, insensível em sua profundidade.
Gabriel possui um jeito direto e seco, sem qualquer ânimo, de narrar seus pensamentos e a passagem de sua vida. Não demostra sentimentos e nem os percebe nas outras pessoas, caracterizando de maneira primorosa, a aura que o cerca. Mas por conta dessa insensibilidade, há quem critique-o e o caracterize como arrogante ou grosseiro e fora da história, talvez algumas ignorem diversos sinais e não entendam o propósito desse tom, vendo-o como incapacidade da autora – o que com toda certeza, não é.
O mais triste sobre tal aspecto é que não posso lhes contar a verdade por trás dele, mencionada apenas uma vez, de forma vaga, sugerindo um falso descaso, já na metade do livro e que unida a todos os traumas sofridos pelo personagem (abandonado pela mãe ainda pequeno, alvo da ambição e personalidade controladora de um pai nada amoroso), caracterizam uma pessoa magoada, descrente em qualquer tipo de amor, que tanto já viu de falso, que simplesmente deixa-se tomar pelo medo e não luta por nada que possa lhe fazer feliz. Na verdade, não reage as decisões tomadas em seu lugar, admitindo a nós que vê a facilidade de sua existência, já que assim como não decide coisa alguma, não se preocupa e não se decepciona, permitindo que a vida siga seu curso e as pessoas ao seu redor se satisfaçam com suas ações.
Mas, por mais diferente que Gabriel seja, ele ainda, se mais que todos nós, necessita de válvulas de escape. Sua condição traz algumas características, como por exemplo, seu talento para música, que graças à falta de apoio de todos ao seu redor, ele mesmo aprendeu a reprimir e dessa forma, buscou por uma distração mais rebelde e perigosa, que o faz se sentir de maneira solitária, dono de si. Outro fato é a impulsividade, que contrasta com sua essência submissa, criando rompantes, dos quais por vezes se arrepende.
Em um desses, nosso protagonista, no pátio da universidade, ajuda Alícia, nova aluna extremamente tímida e desastrada, que na verdade, virá a revelar que sua verdadeira personalidade a faz uma forte, que busca enfrentar todas as dificuldades que a vida insiste em lhe impor, e percebemos, junto a Gabriel, já em meados do fim da obra, que seu ar distraído, não é uma opção, e sim, a consequência de mais um desafio.
Obviamente, não existem apenas dois personagens, diversos secundários e outros meramente mencionados são usados para demonstrar as diversas realidades e faces humanas existentes. O fato notável sobre isso, é que além dos protagonistas, eles também apresentam um desenvolvimento e um amadurecimento, mesmo que algumas vezes não seja para o bem.
Quanto ao enredo, posso afirmar que além de original (para mim), é muito mais do que está na sinopse, tanto em relação a acontecimentos quanto em sentimento, pois trabalha não só preconceitos, como também relações familiares e afetivas, além de trazer diversas visões sobre os dramas que uma pessoa pode passar.
O amor dos personagens, por eles mesmos e um pelo outra, é posto a prova diversas vezes, e em cada uma delas, podemos receber um aprendizado, por mais que os personagens, tristemente, não o percebam - ou não queiram perceber. E isso fica claro, na forma repentinamente delicada e cautelosa, com que tudo passa ser narrado e percebido.
O ponto exato onde a mensagem do livro começa, não pode ser percebido. Talvez seja na primeira linha, talvez somente na última frase. O caso é que não é possível lhes contar o que aconteceu, mas me sinto no dever, de falar sobre o final e o verdadeiro sentido de toda a reflexão que de fato, um coração artificial traz.
Normalmente, sinto-me incomodada com finais que fujam completamente do esperado, porém, com esse livro que vou levar para a vida, eu simplesmente compreendo e vejo que se fosse diferente, tudo o que supero em suas páginas não teria o sentido e valor.
A maneira de fazer o leitor perceber o acontecido devagar, ao contrário do que se possa pensar, condiz com o personagem e sua falta de sensibilidade anterior e mostra que então, ele já podia pensar e nos provar que não é apenas sofrendo que honramos alguém, mas sim, fazendo com que tudo que a envolve não seja em vão.
Enfim, o que posso acrescentar é que não há o que eu possa escrever que vá verdadeiramente representar tudo o que esse livro traz, todos os conceitos e os valores que ele questiona. Indico a qualquer pessoa, até mesmo aqueles que não gostam de uma história com teor romântico, pois “Coração Artificial”, com todas as suas diferenças e surpresas, vai muito além.
Beijos e boas leituras!
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