Federico em sua sacada

Federico em sua sacada Carlos Fuentes




Resenhas - Federico em sua sacada


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Aline T.K.M. | @aline_tkm 03/04/2014

Interessante e desafiador
Gosto – e por vezes preciso – de leituras que me desafiem. Lanço-me, aqui, à peripécia de expor minhas impressões a respeito de um livro que, me arrisco a dizer, com certeza terá sido o mais peculiar que li este ano. Falo de Federico em sua sacada, livro concluído pouco antes da morte do autor, o mexicano Carlos Fuentes.

Eis que surge Federico Nietzsche, em dias contemporâneos, na sacada vizinha à sua no Hotel Metropol. Com suas “grossas sobrancelhas” e “uns bigodes longos e bastos”. Os dois homens – o narrador e Federico – engatam uma conversa que toma rumos filosóficos; a partir de então uma trama é criada, personagens entram e saem dentro do contexto de uma revolução. Em paralelo, as ideias nietzschianas vão sendo reveladas e geram reflexão quando os dois senhores interrogam-se um ao outro do alto de suas sacadas.

A prosa deliciosa de Fuentes traz conteúdo repleto de sutilezas, diálogos ardilosos e questões às quais nós, leitores, muitas vezes não saberíamos responder. Tudo aqui é adubo para reflexões e a subjetividade está presente aos montes; a releitura imediata de alguns trechos provavelmente se fará necessária – e, acreditem, não deve deixar de ser feita.

Um narrador – o próprio Carlos Fuentes? – e Federico (Nietzsche). E mais o quê? Aí entram em cena personagens muito alegóricos, que protagonizam fatos contados pelos dois homens, “ilustrando” reflexões a respeito de conceitos como: a justiça, a autoridade, a liberdade, o poder (e a vontade de poder), o eterno retorno de tudo... O pano de fundo: uma revolução do povo que segue por rumos atrozes e autoritários.

Dois irmãos de família aristocrata, muito diferentes entre si, cujo único elo parece ser uma mulher (filha de uma famosa atriz já falecida) que almeja uma vida a três com os irmãos – mas livre do carnal e centrada no racional e no diálogo entre os três. Saúl Mendés-Renania, um revolucionário que apresenta estigmas como feridas abertas pelo corpo, que tem uma ex-freira como companheira. Uma menina violentada pela família; um advogado que se junta aos revolucionários; um criminoso acusado de estuprar meninas; um velho doente no sótão; uma prostituta hermafrodita. Uma assembleia que pode ser um tanto traiçoeira. A cabeça do presidente cravada numa lança passeando pelas ruas.

Todos os personagens têm suas vidas interligadas e se afetam entre si. Já na sacada, o narrador se mescla ao seu interlocutor: muitas vezes não se pode distinguir o autor de cada fala. Pouco importa, pois a discussão das ideias é o que possui verdadeira dimensão no jogo complexo que é a leitura desse livro.

Federico em sua sacada é daqueles livros que fazem coçar os neurônios. Mas cuja leitura requer calma e um local livre de interrupções para que seja devidamente aproveitada.

LEIA PORQUE...
Interessante e desafiador, cheio de trechos dignos de serem anotados. Melhor ainda (embora não restritivo) para os que já leram ou conhecem algo das ideias de Nietzsche.

DA EXPERIÊNCIA...
Não é um livro de digestão automática, e por isso mesmo me agradou. Apesar de nunca (ainda) ter lido Nietzsche, ouvi bastante sobre ele nos anos de faculdade e o livro fez com que me interessasse novamente em buscar alguns de seus textos para uma possível futura leitura.

FEZ PENSAR EM...
Filosofia é um troço complicado, mas muito interessante. Vira e mexe dou uma espiada rápida naquele livro chamado O Livro da Filosofia, sabe aquele de capa amarela?! Algum dia ainda pretendo lê-lo...

site: http://livrolab.blogspot.com
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Val Alves 13/05/2020

Poder e caos além da sacada
Este é um livro complicado, com várias partes que parecem ter sido escritas para confundir o leitor. Inúmeras referências e símbolos são colocados para exprimir ideias não muito óbvias. Os próprios nomes dos personagens são referências a personalidades importantes, como Nietzsche e Dorian Gray, por exemplo.
A estória começa no diálogo entre dois homens separados por uma sacada. Estão a descrever uma revolução (fictícia) ocorrida no México. No centro dessa revolução estão os três amigos Saul, Aaron e Dante.
O governo autoritário é derrubado, os revolucionários assumem e o que vem em seguida é um terrível caos, onde os amigos revolucionários são capazes de tirarem a vida um do outro pelo bem da revolução, sem saber que por trás dela existe um sistema que os usa como parasita. O cenário é de violência e perplexidade. O poder demonstra sua capacidade de embotar as mentes mais bem intencionadas.

Trechos:

"Tudo se perde, tudo se fraciona, ninguém entende que uma bela casa particular também é de todos precisamente por ser bela. Logo não haverá quem defenda sequer os bosques e os parques, um dia se perderá todo o senso de comunidade - curiosamente em nome da comunidade. A beleza é obra de indivíduos e a desfrutam todos; não é,como acabaram por fazermos crer, obra de todos para desfrute individual."


"Escute-me. Minha família data de mais de cinco séculos. Quisera contar o número de mortos que demos a nossas respectivas pátrias. Não importa. Tal como eu o vejo, a guerra foi uma só. Desde antes de nós. O senhor tem razão. Morreram trabalhadores nos fronts. Também gente de minha classe. Só que os trabalhadores se renovam. Por mais operários que morram numa guerra, atrás deles viram outros que o substituam... Em contrapartida, minha classe vai sendo ceifada, General, já não nos renovamos. Há os que perderam a todos os seus filhos na guerra. A interminável guerra."
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Carlozandre 20/01/2014

Carlos Fuentes e o Eterno Retorno
Da sacada de um hotel em um país que poderia ser tanto o México quanto qualquer outro, dois homens discutem ideias enquanto observam a sangrenta marcha de uma revolução – que também poderia ser qualquer uma. Em torno desse tênue fio condutor que se tece Federico em Sua Sacada, romance que o escritor mexicano Carlos Fuentes concluiu pouco antes de sua morte inesperada, em maio do ano passado.

Federico em Sua Sacada ( Tradução de Carlos Nougué. Rocco, 316 páginas, R$ 39) é um livro de estrutura complexa. A narrativa se divide em quatro seções, cada uma delas com uma citação irônica do hino nacional mexicano. Essas partes se subdividem em capítulos curtos, que se alternam entre o diálogo de dois homens que conversam de uma sacada para outra em um hotel e os pontos de vista de uma dezena de personagens cujas ações formam a história de uma revolução popular deteriorada em ditadura e terror. O “Federico” do título é o redivivo Friedrich Nietzsche, que discute com o narrador temas centrais de sua filosofia ilustrados pela ação dos homens e das mulheres que amam e se matam lá embaixo: o eterno retorno, a vontade de poder e a legitimação da violência.

Enquanto Federico dialoga com um narrador que muda constantemente de identidade (às vezes é outro Federico, à vezes é um duplo de Fuentes, em outro momento é Dante, uma das figuras centrais do livro), desfilam diante de seus olhos os principais personagens da narrativa, figuras que cumprem uma função alegórica no grande teatro histórico – posição que é marcada mesmo pela escolha dos nomes dos personagens. Dante e Leonardo são irmãos aristocratas em lados opostos. Leonardo é conselheiro do poder constituído, Dante é um dos ideólogos do movimento, ao lado de Aarón Azar, advogado de austeridade sombria, e de Saúl Mendés-Renania, revolucionário que tem abertos na carne estigmas que sangram continuamente. Não demora para que o movimento triunfe, e cada um deles, além de outros personagens que gravitam na história,assumam papéis que resumem o declínio histórico de qualquer revolução real, da francesa à soviética, passando pela mexicana: o traído, o traidor,o mártir,o herói,o tirano

As interrelações entre o trio de líderes reproduzirão, aos poucos, tensões históricas que ora remetem à ruptura de Stalin com Trotsky (quando Aarón vota pela desgraça de seu amigo Dante), ora o conflito entre Danton e Robespierre (Aaron é austero e seco como o “incorruptível” da Revolução Francesa, e o próprio Dante é chamado, às, vezes, de Dantón, um apelido no aumentativo que reproduz no espanhol o nome da “voz da Revolução”). O arco de personagens, contudo, não é muito desenvolvido, talvez pela própria função alegórica de cada um. A maior exceção talvez seja o sapateiro Basilicato, homem do povo entusiasmado pelo fervor da revolução que vai gradativamente galgando postos na hierarquia do movimento.

Em um romance assumidamente dedicado a transformar o “eterno retorno” de Nietzsche em alegoria, não é de surpreender que temas e inquietações característicos de Fuentes reapareçam neste livro derradeiro. Estão lá acontecimentos suprarreais usados como metáfora para a realidade política latino-americana e a história turbulenta do continente descrita com fartas doses de farsa e sangue – temas comuns ao boom do qual Fuentes foi um dos maiores expoentes e aos quais permaneceu fiel até o fim. Não é um livro fácil,devido à radicalidade de sua experimentação. Também não é um romance coeso,pois,em determinadas passagens, a confusão instaurada pela narrativa parece menos tributária da vontade do autor do que de uma artesania deficiente ou apressada – talvez Fuentes ainda pretendesse trabalhar mais no texto após concluí-lo. Mas serve como um memorável súmula do trabalho de um dos mais combativos autores latino-americanos.

site: http://wp.clicrbs.com.br/mundolivro
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