Leonardo 26/09/2013
Livro ideal para amantes do futebol e da matemática
Você gosta de futebol? Se não gosta, dificilmente vai se interessar por um livro cujo subtítulo é “Por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado”. Você gosta de matemática? E estatística? Fica interessado quando lê em algum lugar que XX% do grupo YY costuma ler livros ZZ? Se não gosta de matemática, também é pouco provável que você goste deste livro. Agora, se você gosta de futebol e gosta de números... O problema é que você não vai conseguir parar de ler este livro.
Sério.
Foi difícil fechar o livro antes de acabar, e olhem que tive que fazer isso várias vezes por conta de outras ocupações.
Chris Andersen foi, quando mais jovem, goleiro de um time da quarta divisão na Alemanha. Hoje é professor de estatística da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. David Sally é ex-jogador de beisebol e professor na Tuck School of Business na Faculdade Dartmouth, também nos Estados Unidos. Ambos são apaixonados pelos números, por dados e pela análise que é possível ser feita a partir destes dados. Um ama o beisebol. O outro, futebol. Segundo eles mesmos explicam, o livro nasceu de uma discussão sobre Rory Delap, o lateral de braços biônicos do Stoke City. Se você respondeu à primeira pergunta com um sonoro “sim”, é provável que ao menos você já tenha ouvido os comentaristas da ESPN falando dele, o jogador que começou a moda de cobrar arremessos laterais para dentro da área adversária. A diferença fundamental entre ele e os outros? A capacidade que ele tem de fazer isso de muito, muito longe. Muitos dos gols do Stoke City, famoso por apresentar o futebol mais feio da Premier League, nascem desta jogada, a ponto de a torcida comemorar quando o time consegue arremessos laterais próximos à área.
Se eles conseguem tantos gols, perguntava David, por que os outros também não fazem isso?
Chris respondia que o Stoke tinha Rory Delap e todo o time bastante alto, o que aumentava muito o aproveitamento daquele tipo de jogada. E por que os outros times não contratam jogadores altos e um jogador com a capacidade similar à de Rory Delap, retrucava David. As perguntas eram sempre sucedidas de respostas insatisfatórias, que significavam mais o menos “porque sempre foi assim”. Se todos fizessem como o Stoke, o jogo seria feio. Mas Chris ficou intrigado: realmente, se dava tão certo para o Stoke, por que os outros times não faziam aquilo? Por que o futebol era jogado do jeito que era jogado?
O livro é a tentativa de resposta a estas perguntas. E ele traz dados, muitos dados. Se você joga o Cartola, já está habituado a estatísticas no futebol: sabe muito bem que Williams é disparado o maior ladrão de bola do campeonato brasileiro, seguido por Egídio. Sabe que Walter é um dos maiores finalizadores do campeonato e sabe também que Marcelo Lomba, apesar de estar num clube que leva muitos gols, costuma fazer muitas defesas difíceis e pontuar relativamente bem (é provável que faça tantas defesas difíceis pelo mesmo motivo de o clube levar muitos gols: ter zagueiros ruins). Há mais números, entretanto. Muitos mais. Hoje há muitas empresas que medem tudo dentro do campo. Já nos acostumamos a ver, ao final do jogo, quando um jogador é substituído, quantos quilômetros ele percorreu, quantos passes acertou, quantas faltas sofreu. O futebol, dizem-nos os autores, é particularmente diferente dos outros esportes coletivos similares por dois motivos:
1) Há um imenso número de eventos ao longo do jogo além do gol, que é o principal – dribles, carrinhos, passes errados, passes certos, cruzamentos, impedimentos, cabeçadas, pênaltis etc.
2) O principal evento, a meta do jogo – o gol – é extremamente raro, especialmente quando comparado a outros esportes, tais como handebol, basquete, futebol americano ou beisebol.
Para ilustrar estes dois motivos, eles citam como exemplo a final da Copa dos Campeões da UEFA da temporada 2009-2010, entre a Internazionale de Milão e o Bayern de Munique. Foram registrados, neste jogo, mais de quatro mil eventos, sendo que dois deles foram os dois gols de Diego Milito que decidiram o jogo.
Sim, o gol é raro, raríssimo, é a “donzela difícil do futebol”. Eles mostram, com números, que não existem as escolas italiana, alemã, espanhola ou inglesa. Ou melhor, elas podem até existir, mas não fazem diferença para o futebol. A mera observação nos diz, por exemplo, que no futebol italiano se privilegia muito mais a defesa que o ataque, e que o jogo é travado por conta da marcação pesadíssima. E que no futebol espanhol prevalece o toque de bola, o drible, a classe. O futebol inglês é assim, o alemão é assado, o argentino, o brasileiro...
Os números, nos mostram os autores, dizem o contrário, como mostram as figuras a seguir, com os placares mais frequentes das quatro principais ligas da Europa:
Por conta da raridade do gol, o futebol se torna também o mais imprevisível dos esportes (aqui estou falando dos esportes coletivos similares já citados aqui). Como eles sabem disso? Compararam os números das principais casas de apostas do mundo. Quantas vezes o time cotado como favorito no basquete vence? E no beisebol?
O índice do handebol foi superior a 70%, os do basquete e do futebol americano, um pouco abaixo dos 70%, o do beisebol, próximo a 60%, e os do futebol, apenas um pouco acima de 50%. O futebol, eles concluem, é um jogo decidido metade das vezes pela sorte. E não, eles não pegaram um ou dois jogos para tirar esse índice. Para se ter uma ideia, só um dos dados que eles usaram para confrontar as estatísticas obtidas por eles, reunia mais de 43 mil partidas de futebol.
Uma das primeiras grandes surpresas que eles nos apresentam é justamente essa. Seu time vai se matar em campo, o técnico treina jogadas ensaiadas, o clube contrata reforços, mas, no final das contas, metade das partidas do campeonato vai ser decidida na sorte. Simples assim. Isso não é desesperador, nos garantem os dois. Sobram outros cinquenta por cento, e dá pra fazer muita coisa com isso.
Não vou abordar, naturalmente, tudo que eles falam no livro. Estragaria a surpresa e o prazer da leitura. Mas devo adiantar que são muitos, muitos números, que são transmitidos por meio de uma linguagem incrivelmente fluída para dois estatísticos. Cada capítulo é introduzido por uma história pitoresca sobre o futebol. Assim, quando vai falar da raridade dos gols, eles criam uma narrativa sobre um jogo no final do século XIX, disputado entre uma equipe experiente e outra que nem jogava futebol, e que terminou com o raríssimo placar de 38 a 0. Quando vai falar do futebol que não vemos – daquele tipo de estatística difícil de medir, especialmente quando se relaciona com a zaga – ele fala dos cães que não ladram e conta como Alex Ferguson dispensou, em 2001, Jaap Stam, grande zagueiro dos tempos do Winning Eleven, por conta de uma interpretação errônea de dados estatísticos: o velho técnico percebeu que o zagueiro estava dando menos carrinhos naquele ano que nos anos anteriores, e julgou que o holandês estava caindo de produção. Ainda não é possível medir tudo no futebol, dizem os autores. Provavelmente se Stam não estava dando muitos carrinhos, é porque havia se tornado um zagueiro melhor, como Maldini, lendário zagueiro do Milan, que quase não dava carrinhos, porque sabia como poucos se colocar em campo e interceptar uma bola sem recorrer àquele expediente. Da mesma forma, é difícil medir o quanto um jogador cobre bem as subidas de um lateral, ou o quanto ele se coloca bem para impedir o avanço dos atacantes. Anos mais tarde, Alex Ferguson disse que vender Stam foi o maior erro da sua carreira.
Dentre aquelas verdades do senso comum que eles destroem está a questão dos escanteios: eles deveriam ser cobrados da forma tradicional, lançando a bola na área para o cabeceio dos zagueiros que subiram ao ataque, ou curtinhos, como o Barcelona cansa de fazer?
Creio que você já deve saber qual a resposta que eles dão. É melhor cobrar curtinho. O raciocínio utilizado por eles é o seguinte: escanteio leva a finalização e finalização leva a gol.
Usando dados da Premier League das temporadas 2001-02 a 2010-11, eles perceberam que apenas um em cada cinco escanteios levava a uma finalização ao gol, ou seja, quatro escanteios sequer geravam uma finalização. O pior ainda estava por vir: apenas uma em cada nove finalizações oriundas de escanteios levaram a gol, o que significa que um escanteio vale aproximadamente 0,022 gol, ou, simplificando, um time da Premier League faz um gol de escanteio a cada dez jogos.
Parece absurdo? Não é previsão. São números. Foi isso que aconteceu e, como explicam muito bem eles, mesmo eventos aleatórios constantemente repetidos tendem a encontrar um padrão de repetição.
Assim, eu, que muitas vezes me enfurecia quando meu time cobrava o escanteio curtinho, hoje vou é achar bom.
Um grande capítulo é dedicado à posse de bola, que, segundo se acredita, principalmente depois do êxito do jeito Barcelona/Seleção Espanhola de jogar, determina a vitória de um time. Não se trata de posse de bola, dizem eles, mas de quão bem você recupera a bola e o quanto você a perde.
Mas certamente um dos pontos mais polêmicos do livro é a tese que eles defendem de que o futebol seria regido por uma teoria do erro aplicada à economia, intitulada “Teoria do desenvolvimento econômico dos anéis O-ring”, de autoria de Michael Kremer, da Universidade de Harvard. O nome da teoria é oriundo do desastre ocorrido com o ônibus espacial Challenger, em 1986, quando um dos itens mais simples daquela maravilha da ciência, uns anéis de borracha projetados para selar minúsculas frestas nos foguetes propulsores que levariam ao espaço o Challenger. Os anéis, contudo, congelaram por conta das frias temperaturas antes da decolagem, permitindo que gases quentes vazassem e atingissem o tanque de combustível externo, causando uma imensa explosão que não só destruiu o ônibus inteiro, como matou toda a tripulação a bordo.
O futebol, garantem eles, é um jogo do elo mais fraco. Não adianta nada ter um time repleto de estrelas se você tem um perna de pau no time. Ao final do campeonato, aquele perna de pau terá sido muito mais decisivo em relação às derrotas do time – gols sofridos e gols que não foram marcados – que os craques em relação às vitórias. Eles chegaram a essa conclusão apenas estudando o time dos Galáticos do Real Madrid , quando Florentino Pérez juntou Zidane, Figo, Roberto Carlos, Raúl, Beckham e Ronaldo, ao mesmo tempo em que deixou gente como Pavón completando o time? Não, claro que não, mas eles partem justamente deste time. A ideia de Perez, dizem eles, é que se você tinha seis ou sete jogadores “funcionando” a 100%, quatro a 80% e um a 60%, era só somar tudo e ver que a média daria bem alta. O problema é que num jogo do elo mais fraco não se soma os erros, mas se multiplica.
Para provar esta teoria, eles compararam a diferença entre o elo forte e o elo fraco de cada time das principais ligas. Para padronizar os valores, tomaram como referência o melhor jogador de cada posição segundo o ranking da Castrol, elaborado ano a ano, e que leva em consideração diversas ponderações, de maneira a poder colocar numa mesma tabela zagueiros, meias e atacantes, com pontuações equivalentes. O primeiro jogador se tornou o 100% e todos os outros representavam um percentual dele.
Aí aconteceu um dos momentos mais interessantes do livro: eles explicaram como tiveram que excluir Messi deste cálculo, porque ele destoa completamente de TODOS os outros jogadores. Nas palavras dos autores:
“Os atacantes são necessariamente diferentes, por causa dos números do único gênio de verdade no atual universo do futebol, Lionel Messi. Messi está para os demais atacantes como Mozart está para Salieri, como Rembrandt está para um pintor de salão, como Muhammad Ali para Sonny Liston. [...] Nesse caso, a pontuação de Messi é tão extraordinária que tivemos de fazer o que tantos marcadores gostariam de ter feito e o tiramos do jogo. Como ele faz todos parecerem pernas de pau, tivemos de usar Karim Benzema, do Real Madrid, como base para todos os outros atacantes”.
Vejam a tabela e percebam a diferença percentual entre o melhor jogador e o segundo jogador e como Messi “destoa”:
Tendo obtido os valores de cada jogador e comparado os elos fracos e fortes de cada time, eles fizeram a análise regressiva e chegaram ao valor de cada ponto percentual em relação aos números do jogo, especialmente quanto aos gols. Assim, verificaram que cada ponto percentual a mais no melhor jogador faz com que o time marque 0,27 gols a mais por jogo. Se você vende seu atacante 82% e contrata um matador 92%, ao final da temporada seu time terá marcado dez gols a mais ou, em média, cinco pontos a mais no campeonato. Se, pelo contrário, você troca um elo mais fraco, um lateral direito 38% por um 48%, os mesmos dez pontos percentuais, seu time obterá 13 gols a mais ao final da temporada ou nove pontos.
Há muito, muito mais que eu poderia comentar sobre este delicioso livro, mas já escrevi demais. Se você gosta de futebol, não perca tempo: compre este livro imediatamente. Garanto que você não vai se arrepender.
Uma das observações que eles repetem bastante ao longo do livro é que apesar de a indústria do big data, das estatísticas, estar apenas dando seus primeiros passos, os grandes times da Europa já têm pessoal responsável apenas por analisar os dados disponíveis. Alex Ferguson levava em conta os números, Rafa Benítez, Mourinho, David Moyes, enfim, nenhum dos grandes ignora a importância de se conhecer mais a fundo o que acontece além das quatro linhas. Enquanto lia, eu imaginava Joel Santana na frente de um notebook vendo planilhas, gráficos e perguntando ao analista:
Tu tá de brinquêichon wif mi?
Fiquei realmente curioso a respeito do uso dos dados no futebol brasileiro. Os clubes já acordaram para esta realidade? Ou só os cartoleiros de plantão prestam a devida atenção ao número de impedimentos de Rafael Marques e ao número de Faltas Sofridas de Emerson?
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