Paulo Sousa 28/07/2018
Sargento Getúlio
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Livro lido 3°/Jul//36°/2018
Título: Sargento Getúlio
Autor: João Ubaldo Ribeiro (BRA)
Editora: @edifora_alfaguara
Ano de lançamento: 1971
Ano desta edição: 2015
Páginas: 163
Classificação: ??????
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"Eu ia ser o maior cangaceiro do Brasil, o maior piloto de jagunço do Brasil e ia ter a maior tropa. E não me chamasse de sargento, me chamasse de capitão. Ou me chamasse de major" (Pág. 126).
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A tarefa era simples: levar um cruel e influente prisioneiro político udenista de Paulo Afonso até Barra dos Coqueiros, município conurbado com Aracaju. Mas, no meio do caminho, uma reconfiguração nas alianças de poder leva o mandante da prisão a ordenar ao sargento Getúlio Santos Bezerra abandonar a empreitada e liberar o prisioneiro.
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Homem bruto do sertão, talhado nas mortes e experiente em tirar sangue, Getúlio se recusa a obedecer as ordens -- carregadas por terceiros -- e, desconfiando dos mensageiros armados, reitera que levará o prisioneiro até o Coronel Acrísio. "[...] vou levar esse traste arrastado ou espetado, naquele hudso até Aracaju, e chegando lá apresento ele". Seus únicos companheiros de viagem são o motorista Amaro e um velho Hudson.
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É claro que a empáfia do sargento não sai barato: à medida em que avança em direção à capital e a vegetação seca dá lugar aos mangezais, mais se envolve em brigas e conflitos armados. Com uma noção de honra própria de um vassalo e a valentia de um guerreiro, não aceita desaforo nem afrouxa seu sistema de valores particular. A preparação psicológica e a experiência em combate, por outro lado, fazem do sargento um homem que vale por vinte!
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João Ubaldo Ribeiro se inspirou nas histórias reais narradas por seu pai, Manoel Ribeiro, que fora chefe da Polícia Militar de Sergipe, para escrever Sargento Getúlio, publicado em 1971. A narrativa se passa em torno da segunda metade do século 20, quando metralhadoras eram uma raridade no arsenal da Polícia Militar -- principalmente no interior nordestino. A primeira ideia que vem à mente quando o leitor se depara com o título e a capa da nova edição -- um muro velho crivado de balas -- é violência. Mas o autor trata de mostrar a humanidade que existe debaixo de toda a camada de brutalidade e revela sentimentos ainda menos compreensíveis: rancor e medo.
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O livro é narrado em primeira pessoa -- na verdade é um monólogo -- e o discurso é sempre indireto, embora entrecortado com alguns poucos diálogos. O domínio do tempo na narrativa é extremamente complexo -- não é à toa que rendeu um Prêmio Jabuti ao autor na categoria "Revelação. Em alguns momentos, o personagem descreve eventos que se passaram muitos anos antes que tiveram muito ou pouco impacto em seu caráter. Em outros, narra um tiroteio no qual se envolveu há poucos dias com riqueza e precisão de detalhes.
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O monólogo é calcado no linguajar típico do interior nordestino, coloquial, quase um dialeto. Ubaldo resgata e ressignifica termos que jamais seriam ouvidos em uma conversa de esquina atualmente. Tudo na linguagem remete à cultura popular que, como o leitor haverá de descobrir, é riquíssima e complexa. Esse aspecto mostra um lado do coronelismo que ninguém se importa muito de conhecer: o dos matadores, jagunços, dos cabras simples e ignorantes que, a mando do político ou coronel, agem sem piedade. Numa tremenda inversão, o autor traz o desumano violento para a ribalta e coloca os graúdos mandatários na periferia, criando uma denúncia contundente contra uma estrutura de poder que desafia leis e estabelece seu próprio comando. De repente os bandidos não são tão simplórios, eles têm uma história, têm desejos, cultura, alegrias e gostam de viver. Alguém tirou isso deles.
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A trajetória é concluída quando Getúlio se vê diante da 'força', um destacamento de soldados. "Aquele homem que o senhor mandou nessa condição, no hudso preto com Amaro, que nem estava lá na hora e estava dormindo na Chefatura ou olhando os crentes na Rua Duque de Caxia, que ele apreciava os cantos dos crentes, eu acho, pois então, aquele homem que o senhor mandou não é mais aquele. Eu era ele, agora eu sou eu". A viagem transforma o sargento, muda seu pensamento, dá uma nova perspectiva. Vale, e muito!