Eduardo 17/06/2014"Mal se acomodara na estalagem, ouvira um som vindo da rua. Parecia música, mas era diferente de tudo que escutara até então. Lembrava vagamente sons com que tivera contato na Amazônia. Pensou que seria semelhante àquilo um jazz tocado pelos Waimiri Atroari. Selvagem, violento e, ao mesmo tempo, sedutor. Bopp desceu, claro. Só pensava em ir atrás do som. Na porta da estalagem, parou, fechou os olhos e apurou os ouvidos para identificar de onde provinha a música que, ali fora, se misturava ao rumor da cidade. Deu uma volta no prédio e seguiu pela ruela que ficava diante da janela de seu quarto. Ali, a música estava mais alta, mas ainda distante. Seguiu célere em sua direção. No final da ruela, a música soava mais baixa. Bopp não sabia para onde ir. Buscou se concentrar para reconhecer o lugar do qual ela vinha. Depois de um instante, não tinha mais dúvida. A música saía da rua à esquerda. Tão logo dobrou, já a ouvia mais alta, porém ainda afastada. A rua era longa e Bopp se apressou. Precisava alcançar o som. Mas este escapava. Primeiro ficava fraco, depois sumia. Bopp acelerava e voltava a escutá-lo. Urros agora acompanhavam a música. Bopp queria ouvir mais. Mas a música continuava a se deslocar pela rua. Bopp então correu. Julgou ver, ao longe, cinco rapazes cabeludos carregando instrumentos musicais. Vestiam calças e camisas pretas com paletós lilases por cima de tudo. No escuro, a cor berrante do paletó sobre a roupa negra fazia com que eles se assemelhassem a flores gigantes que, libertas do buquê, pairassem soltas no ar. Os rapazes se saracoteavam enquanto tocavam, numa dança ainda mais insana que a música. Rebolavam a cintura e jogavam as pernas para a frente. Levantavam os instrumentos para o alto e davam saltinhos. Por vezes, se jogavam no chão e deslizavam sobre os paralelepípedos, e essa dança, tivesse um nome, pensou, poderia ser kinkiliba. (Não sabia de onde lhe chegaram tal pensamento e tal nome.) Bopp continuou a correr. Os rapazes sumiram por uma rua transversal. Bopp foi atrás. Assim que virou a rua, já não viu ou ouviu o que quer que fosse. O repentino silêncio o deixou preocupado. Olhou para os lados e nada. Continuou a andar. Caminhou uns duzentos metros à frente antes de voltar a escutar aquela estranha música. Acelerou o passo. Lá no fim estavam os rapazes. Os cinco, que depois viraram quatro, percorriam as ruelas sujas do bairro. Andavam por tudo, cantando e dançando. Bopp os seguiu noite adentro, sem nunca conseguir chegar perto deles, o que o angustiava. Queria poder dançar também, rebolar e jogar as pernas para a frente, mas se parasse para fazê-lo os perderia de vista. Resignou-se a acompanhá-los de longe. Acompanhou-os até o infinito, até as prostitutas se recolherem e as lojinhas começarem a abrir, até o sol se pôr e voltar a ser noite e as lojas fecharem e as prostitutas saírem às ruas, até o sol nascer de novo, as prostitutas voltarem para suas casas e as lojas levantarem outra vez suas portas e não ser mais possível ouvir a música. Eles pareciam fantasmas, me disse Bopp. Mas não fantasmas do passado, acrescentou depois de uma pausa, e, sim, fantasmas que tivessem vindo do futuro." (pp. 60-62)