Ju 06/10/2013Corações FeridosHephzi e Rebecca são gêmeas, mas nem um pouco parecidas. Rebecca tem a Síndrome de Treacher Collins, que é uma doença genética marcada pela má formação óssea da face. Nasceu sem orelhas e seu rosto parece deformado. Evita sorrir, pois acredita que seus dentes assustam as pessoas. A síndrome não a afeta de nenhuma outra forma, e ela poderia ter uma vida melhor se não tivesse os pais que tem. É possível fazer cirurgias corretivas, mas na casa em que nasceu isso nunca foi cogitado. Ela, na verdade, nem sabe que existe essa possibilidade.
"Ninguém quer olhar para uma garota como eu a não ser que seja para encarar e rir. Meus olhos tortos. Quando como ou durmo é difícil respirar."
O pai das garotas é um fanático religioso e um alcoólatra, que definitivamente tem como objetivo fazer da vida da família um inferno. Ele é o pastor e, quando está em sua igreja, mantém uma postura de ser humano generoso e guia espiritual mas, em casa, as coisas são bem diferentes.
"Eu queria ser uma versão melhor de mim, uma com todas as feridas cicatrizadas. Mas isso não acontece na vida real. Na vida real não há ressurreição, ainda que você a deseje todas as noites."
Ele acredita que a esposa e as filhas precisam de provações o tempo todo. Elas só usam roupas que tenham vindo da caridade, comem só o necessário para sobreviver (e a comida nunca tem um gosto bom). Não podem nem mesmo tomar banho em água corrente, ele acredita que uma vasilha com água gelada seja mais que suficiente para que elas se limpem. Mas o pior mesmo é que ele é extremamente violento, e não perde uma oportunidade de dar uma surra nas meninas. Principalmente em Rebecca, que ele considera ser marcada pelo mal.
"Meus pais tinham sua definição particular do que era o bem e o mal. Na Igreja, nosso Pai é um homem de Deus; na cidade, ele é um modelo de virtude; e, na casa paroquial, eu era o mal, porque fora marcada. Foi o que me disseram assim que tive idade suficiente para entender."
Hephzi e Rebecca foram educadas em casa, pela mãe. Aos 16 anos, Hephzi consegue convencer os pais de que elas precisam frequentar a escola. A garota se agarra nisso como a única chance de deixar sua vida para trás. Torna-se popular no colégio. É linda, meiga e aparentemente alegre. Só que ela também é extremamente ingênua e sonhadora, e não sabe muito bem como lidar com a liberdade. Isso acaba selando seu destino.
"Finalmente entendi a intoxicação de Hephzi com a liberdade e eu desejava outro gole, queria sentir aquela onda de felicidade em minhas veias até que explodisse como pequenos fogos de artifício em meu cérebro."
O livro começa com Rebecca nos comunicando a morte da irmã. Os capítulos intercalam-se entre o que aconteceu antes disso (com a narrativa de Hephzi) e o que está acontecendo depois (com a narrativa de Rebecca). Os segredos dessa família são apresentados aos poucos. A cada página eu me revoltava mais com os pais doentes das garotas. A mãe é completamente omissa, e o pai desumano. E elas têm medo, um medo infinito de contar a alguém a que são submetidas. Têm certeza de que ninguém acreditaria, pois o pai nunca perde a pose na frente das outras pessoas. Pelo menos elas têm uma à outra, se amam e fazem o possível para se proteger.
"Vovó me disse para nunca odiar. Se você odeia, você perde quem você é. (...) Agora já não sabia se conseguiria me controlar. Eu queria tanto odiá-los que isso machucava mais que qualquer outra coisa."
Corações Feridos é um livro infinitamente triste. É de partir o coração pensar que as pessoas realmente passam por coisas assim. Que a casa em que moram, o lugar em que mais deveriam se sentir seguras, seja o lugar mais temido e odiado do mundo para elas.
"As pessoas não se preocupam, eles querem uma vida sossegada."
Não houve final feliz para Hephzi. Mas Rebecca acaba descobrindo que não são todas as pessoas do mundo que não se importam com ela. Eu amei essa leitura, apesar do estado em que fiquei quando a terminei. A história é muito emocionante e chocante, mas mostra que sempre é possível ter esperança.
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