Vera Sabino 07/11/2015Uma história que fere o coração do leitor.
"Corações Feridos" é um relato chocante sobre fanatismo religioso, alcoolismo e violência doméstica.
A história é narrada pelas irmãs Hephzibah e Rebecca em capítulos alternados e em períodos de tempo diferentes (antes e depois da morte de Hephzibah). A morte de Hephzi é mencionada por Rebecca logo nas primeiras páginas do livro.
As meninas são gêmeas, mas completamente diferentes uma da outra, tanto na aparência quanto no temperamento. Hephzibah é linda e voluntariosa, enquanto Rebecca, por ter seu rosto enormemente deformado pela "Síndrome de Treacher Collins", é tímida e mais cautelosa.
As irmãs viviam enclausuradas, portanto não conviviam com outras crianças e não tinham amigos. Não tinham permissão para ir à escola e estudavam em casa com a mãe. Tudo lhes era proibido e não tinham direito sequer a uma aspirina quando sentiam dor ou a um banho quente; sua higiene era feita numa bacia com água fria. Não tinham roupas novas, as roupas que usavam eram resgatadas das doações para caridade na igreja onde o pai era pastor.
Por essa razão, as visitas à casa da avó materna, a única a lhes dar amor e carinho, era uma alegria para as meninas. Lá elas podiam rir alto, comer chocolates, assistir TV, ler livros até depois da hora de dormir e ir ao cinema. Mas até isso lhes foi tirado pelos pais quando elas completaram 10 anos.
O pai, pastor da igreja do bairro, era visto como um homem de Deus, um modelo de virtude, muito gentil e sempre com um sorriso no rosto. Mas na casa paroquial onde a família vivia, ele não escondia o monstro que realmente era: fanático religioso, alcoólatra violento e pedófilo. Quando bebia e se irritava, gritava, derrubava mesas, atirava garrafas nas paredes e surrava as meninas de maneira tão brutal que algumas vezes, depois de uma surra, elas não conseguiam se levantar no dia seguinte. A mãe, totalmente conivente com as atrocidades cometidas pelo marido, parecia odiar as filhas tanto quanto ele.
Qual seria a razão de tamanho ódio contra as gêmeas?
Rebecca certa ocasião foi hospitalizada com uma fratura séria e embora os médicos e enfermeiras insistissem, querendo saber dela o que tinha acontecido, ela não abriu a boca com medo, um medo enorme de contar para as pessoas o que realmente tinha acontecido com ela na casa paroquial. O pastor, que ficou ao lado da cama dela no hospital se fazendo passar por bom pai, a ameaçou dizendo que ninguém jamais acreditaria no que ela dissesse contra ele. Diriam, isso sim, que ela deveria estar dominada por forças maléficas.
A pobre Rebecca era quem mais sofria as agressões porque o pai via sua deformação como uma "marca do mal".
Aos 16 anos, Hephzibah e Rebecca conseguiram, finalmente, sair de casa para cursar o segundo grau numa escola normal. Isso aconteceu porque Hephzi ameaçou fazer da vida da mãe um inferno se ela não convencesse o marido a deixá-las ir estudar numa escola normal. Ao chegar à escola, Hephzi se sentiu livre, finalmente, e se encantou com todos aqueles jovens de sua idade rindo e conversando naturalmente. Logo fez amizade com duas meninas que a convidaram para ir à casa delas e também para ir a um "pub" no final de semana.
Ao contrário da irmã, Rebecca não se socializou com os outros alunos, complexada por causa de sua deformidade. Se refugiava na biblioteca do colégio na hora do almoço e em seus horários livres de aula, aproveitando para ler tudo que podia, já que não lhes era permitido ter livros em casa.
Hephzibah, depois de ir à casa das amigas e ver que elas tinham seu próprio quarto, sua própria TV e computador, que podiam ouvir música, pintar as unhas, usar maquiagem e ter roupas novas e bonitas, decidiu que viver em uma casa normal e ter toda essa liberdade era tudo o que ela queria para si.
Não demorou muito para que Hephzi arranjasse um namorado, Craig, e para se encontrar com ele ou ir a alguma festinha, ela pulava a janela do quarto que dividia com a irmã e descia por uma árvore próxima à janela. Rebecca, embora morrendo de medo pelo que poderia acontecer com a irmã caso ela fosse descoberta, sempre a acobertava nessas suas escapadas.
Hephzibah conheceu a mãe de seu namorado, de quem gostou muito, e passou a frequentar a casa deles. No entanto, como ela nunca lhes contou sobre o horror que era sua vida na casa paroquial, Craig não entendia porque ela não queria que ele a acompanhasse até a porta de casa e não o apresentava a seus pais. Vivia ameaçando aparecer a qualquer hora na igreja, o que deixava Hephzi apavorada.
Ela via nesse relacionamento a oportunidade de finalmente se libertar da prisão em que vivia, pois acreditava que Craig a amava. Era uma questão de tempo até ele se declarar e a pedir em casamento.
Hephzibah sonhou em escapar de uma vida de tanta privação e sofrimento. E sua ousadia causou seu trágico fim. Só Rebecca conhecia a verdadeira causa da morte de sua irmã e sofria muito se culpando por não tê-la socorrido a tempo e, com isto, salvado sua vida.
Mas a morte da irmã também a fez ver com bastante clareza que, se ela não tentasse escapar, seria a próxima vítima de um pai sádico e cruel.
Conseguirá Rebecca a tão sonhada liberdade que sua irmã não conseguiu? Será que para Rebecca haverá um final feliz?
Gostei muito do livro!!
A história, embora chocante e tristérrima, é muito boa. E a autora a escreveu de uma maneira que torna a leitura bastante agradável e fluida, com seus capítulos curtos e alternados. Eu, particularmente, gosto muito dessa maneira de se narrar uma história.
A diagramação do livro também está muito boa, com uma fonte de tamanho ideal, bom espaçamento e sem nenhum erro gritante de português.
Achei muito bacana o detalhe dos galhos no canto superior direito de cada capítulo, remetendo à árvore próxima à janela do quarto das irmãs (e que teve sua importância na história).
Estão de parabéns autora e editora!