spoiler visualizarRonaldo Thomé 18/10/2019
Anarquismo na Prática
O livro é um denso, porém intenso e honesto relato a respeito dos movimentos anarquistas, ao redor do mundo. Pena não ter lido a parte 1, pois não consegui achar disponível a não ser em PDF (já há algum tempo). George Woodcock, historiador do anarquismo, faz aqui um estudo bem interessante, equilibrado, acerca do que foi a Anarquia ao redor do mundo, suas influências e aquilo que deixou como legado ? entre eles, a inspiração para os movimentos libertários e dos direitos civis dos anos 60, bem como a contracultura daquela época.
O autor inicia demonstrando os grandes fracassos que o anarquismo teve como força internacional; ao longo das ondas libertárias do século XIX, diversos teóricos buscaram, em vão, obter espaço para uma coligação anarquista, o que encontrou forte oposição dentro do próprio movimento, explicando que já naquela época, havia grandes contradições e falta de união nos propósitos dos anarquistas. Inclusive, o autor se mostra bastante honesto ao assumir, de forma sincera, a violência terrorista que caracterizou os anarquistas nas décadas de 1880 e 1890.
Nos principais capítulos, destrincha-se a maneira como estes movimentos realmente funcionaram: como fenômenos locais, geralmente vinculados a populações agrícolas e comunidades isoladas, pelo menos até o início do século XX, quando o anarcossindicalismo tomou a dianteira do movimento, trazendo a causa libertária para outro enfoque.
Woodcock destaca que o anarquismo adquiriu contornos distintos em cada país, de acordo com as características nacionais, sociais e o momento histórico. Assim, entende-se que, na França, por exemplo, tenha assumido uma face mais urbana, enquanto na Espanha e Ucrânia, obteve um caráter mais agrícola. Em relação à Itália, a tradição libertária não tomou a mesma força, mas inspirou um movimento proselitista que se expandiu por todo mundo, principalmente no Brasil.
O movimento de maior sucesso, dentro da causa libertária, foi mesmo na Espanha, em especial em Barcelona; a cidade chegou a ser ocupada pelos anarquistas e os serviços públicos permaneceram ativos sem qualquer problema por quatro meses. É difícil dizer por quanto tempo a experiência poderia ter dado certo; o fato é que o historiador cita diversas fontes onde há grande divergência sobre o que haveria ocorrido, caso a ocupação continuasse.
Foram analisadas as trajetórias libertárias de diversas outras nações, como Holanda; Alemanha, Inglaterra (onde a inspiração libertária ressurgiu neste século XX com força), e nos Estados Unidos. Neste último, é importante destacar que há uma forte tradição libertária que exerceu influência, bem como se influenciou, pelas ideias anarquistas, embora George deixe claro que são movimentos distintos.
A obra se encerra de forma melancólica, citando a forma como o Anarquismo como movimento sucumbiu após 1936, após a Guerra Civil Espanhola; a partir dessa data, não se tem mais o movimento anarquista como uma força real, ao contrário do Comunismo e a Social-Democracia. No entanto, é inegável que, como inspiração ? principalmente na arte e literatura ? os ideais anarquistas sobreviveram, sendo reciclados por diversas comunidades, bem como analisados por inúmeros acadêmicos mundo afora. A Anarquia assume-se, portanto, como utopia, e, mesmo quando se assume inalcançável, produz questionamentos que são válidos até os dias de hoje. É, sim, uma leitura de fôlego, por vezes um pouco cansativa para quem não está acostumado; porém, é um esforço sincero e honesto, que vale muito a pena.
Recomendado para: quem quer entender o Anarquismo na prática; apesar de ser e se assumir, talvez, como uma utopia impossível, em muitas experiências, ele se revelou uma fonte de questionamentos a respeito das grandes forças que polarizaram o século XX (e até hoje).
Nota: 9,5 de 10,0.