Paulo 22/10/2020
O que falar dessa série? Fiquei com sentimentos um pouco divididos em relação a ela. Por um lado, a história é sensacional. Quem vai pegar achando que se trata de um cyberpunk comum, vai cair do cavalo. A Lídia tem uma escrita bastante precisa e sabia o que queria desde o primeiro volume. Apesar da ambientação trazer aquele toque meio Blade Runner, meio Neuromancer, analisando os três como um conjunto é possível dizer que Requiem é uma narrativa da Lidia Zuin. Ela pegou referências de vários lugares, mas o mundo e as ideias que ela criou são inteiramente dela. A gente pode argumentar (como eu vou fazer) sobre algumas escolhas não terem sido tão legais quanto outras. Mas, que diacho de mulher criativa!! Devorei a trilogia dela. Algo que eu não costumo fazer; prefiro esperar um tempo antes de continuar uma série. Mas, com essa aqui não deu.
Nossa protagonista Lynx continua de onde ela parou no volume anterior. Moha foi morto e não lhe deu respostas sobre que implante é esse que ele colocou em sua cabeça. Para piorar, ela começa a ter alguns apagões súbitos e duvida de sua capacidade de compreender o mundo ao seu redor. A incapacidade de saber se o que ela está vendo e vivenciando é uma simulação ou é a realidade abala as suas certezas. Com toda essa dúvida, ela retorna ao hospital onde ela passou pela operação e encontra Raga. Raga e suas irmãs, Arati e Pali foram enviadas por alguém para atender a todos os desejos de Lynx. O que no começo parece ser algo incrível, logo se torna uma inércia enorme que ela não consegue suportar. Essa instabilidade da personagem a colocará de novo em um caminho estranho e perigoso que envolvem preceitos budistas como o abandono do mundo material. E agora? Por onde seguir? O que se esconde atrás de um véu de mentiras e falsidades?
Essa é uma narrativa profunda que envolve nossa própria capacidade de entender o mundo que nos rodeia. Lidia mescla a percepção da protagonista com a do próprio leitor. Afinal de contas, esse mundo é apenas uma mera ilusão criada pelo nosso olhar. Cada existência é uma individualidade por si só. Ao nos apegarmos à materialidade do mundo, somos incapazes de perceber o quanto tudo é efêmero e fugaz. Os preceitos que levam ao nirvana nos são mostrados aos poucos pela jornada vivida pela própria heroína. E se pararmos para pensar um pouco, por que Lidia dividiu sua série em três partes? A própria divisão representa a mensagem que ela quer nos passar. Enquanto a personagem permaneceu passiva diante do que lhe acontecia, ela sentia que algo estava faltando. Por isso a inquietude. E isso se espelha em muitos de nós. Quando nos queixamos de que falta algo em nossas vidas, passamos por esse mesmo processo de questionamento. Claro que vai caber a cada um de nós nos libertarmos de nossas amarras e buscarmos algo que transcende a nossa compreensão.
A escrita da Lidia continua muito boa, apesar de que eu achei este terceiro volume muito carregado de informações. A autora podia ter diluído melhor essa carga entre o segundo e o terceiro volumes. De vez em quando eu precisei voltar para entender melhor algum conceito ou ideia que ela colocava. Até mesmo pegar o primeiro ou o segundo volume para conferir informações. Isso prejudica a leitura mais fluida do material. Entendo que ao chegar neste último volume a autora não se preocupou muito em tirar o pé do acelerador, mas em determinados momentos ela poderia ter pego mais leve. Ou até aumentar um pouco a quantidade de páginas de forma a tornar a compreensão mais amigável. Senti também alguns buracos de informação, principalmente no que diz respeito à relação da Lynx com os rivetheads. Não sei se essa é uma narrativa que a autora vai retomar em algum momento, mas essa parte da vida da Lynx está repleta de lacunas. No mais, é uma trilogia que eu só tenho a recomendar. Gosto da forma como a autora ambientou sua série, as ideias propostas e até a personagem é interessante. Faltou alguma coisa aqui ou ali, mas é normal.
site: www.ficcoeshumanas.com.br