Paulo Silas 18/10/2021Em "A Paisagem Moral", Sam Harris defende a ideia de que, tal como consta no subtítulo da obra, a ciência poderia (e deveria) determinar os valores humanos, possibilidade essa que se daria a partir do momento em que a melhor definição de bem-estar para a humanidade (constatada a partir da leitura do cérebro humano) pudesse ser bem definida, de modo que, a partir de uma constatação em parte apriorística e em parte empírica, a moralidade seria algo dito e determinado pela ciência. Com uma escrita convidativa e bastante lúcida, sem deixar de lado o tom de críticas ácidas e a constante reflexão que são características típicas do autor, Sam Harris propõe algo que contribui para o debate sobre a verdade moral.
Para o autor, da mesma forma que é possível constatar e estabelecer fatos, também assim é (ou deveria ser) o estabelecer de valores. O ponto do qual parte é o da sua área principal de pesquisa - a neurociência. Para o cérebro, não há diferença quando se pensa em um fato de quando se pensa em algo que se acredita (crença - a partir do que se situam os valores), inexistindo assim razão para alguma espécie de ordem metafísica (como a religião) definir os valores a serem observados pela humanidade. A proposta consiste justamente em romper com a divisão entre valores humanos e fatos científicos, tendo como guia a própria ciência - que no caso serviria como bússola a partir de uma noção geral de melhor bem estar possível para todas as pessoas (definindo e levantando essa noção a partir da leitura dos estados do cérebro). Assim, nos cinco capítulos que compõem a obra, Sam Harris trabalha com questões como a verdade moral, a distinção entre bem e mal, crença, religião e o futuro da felicidade, fornecendo a base para a sua proposta filosófica/científica.
As ideias do autor são bastante instigantes, possibilitando uma ampla reflexão sobre a moral em diferentes perspectivas. Sendo um defensor ferrenho de suas ideias propostas (o que justifica no posfácio como sendo algo inerente de quando se propõe algo nesse sentido), o autor oferece diversos exemplos práticos e concretos, além das bases filosóficas de seu pensamento, que ensejam justamente no intentado autoquestionamento pelo leitor. Há uma forte crítica contra o relativismo moral, pois o autor não vê como sendo uma postura possível a defesa de uma cultura que, por exemplo, acredita que infligir danos cruéis contra crianças em razão de qualquer crença aparente seja possível somente pelo fato de se tratar de um contexto diferente daquele que está a observar. Daí a ideia de bem estar para regular e dosar o melhor e o pior que se poderia ter sobre a definição de moral e valores. É um livro bastante crítico que desafia constantemente o leitor a se questionar sobre questões diversas sobre ciência, crença, valores e moral. Uma excelente obra para se estudar o tema a partir de uma proposta própria que, concorde ou não o leitor, em parte ou no todo, notoriamente contribui para os necessários debates a respeito dessas questões tantas.