Leticia 10/10/2021
Quem é o povinho?
Ohh livrinho que meu deu um trabalho da peste!
Esse livro me foi muito bem recomendado, o que se torna deveras complicado, quanto maior a expectativa, maior o tombo. Só que é com alegria que informo que isso não se realizou, essa leitura se tornou uma das melhores do ano.
Comecei essa leitura me sentindo a criatura mais burra da face da terra, não entendia bulhufas do que estava acontecendo, cheguei a pensar que não conseguiria ler esse livro, que era muito difícil.
É uma leitura que exige perseverança, e como eu perseverei nas primeiras cem páginas. Com o passar das páginas, comecei a pegar o fio da meada, e a entender como a linguagem que o autor colocou aqui é estruturada. A linguagem respeita os personagens, ela é fiel ao que ele propôs escrever, as palavras, o vocabulário são leais às histórias aqui contadas, do falso intelectual ao trabalhador braçal, ao escravizado, ao revolucionário, ao povo com suas faces distintas e suas particularidades.
É um livro que fala do Brasil, da formação do povo brasileiro, do período da colonização à ditadura militar, um punhado de tempo que retrata o falso moralismo, o complexo vira-lata, os falsos heróis nacionais, a corrupção, a politicagem, o patriarcado, a escravidão, as religiões de matriz africana, a luta contra a opressão, a resistência. Um livro genuinamente brasileiro, com o que há de bom e ruim, com o que há de dor e alegria, com o que há de lutas, e elas são muitas, e a esperança. Se na Colômbia há cem anos de solidão, aqui temos quase quinhentos anos de brasilidades em 'Viva o Povo Brasileiro".
Ao terminar essa leitura me vêm a cabeça uma fala muito recorrente no Brasil de hoje, de abandonar essa terra, que aqui não tem mais conserto. Como se abandona a Pátria? Como se abandona o cachorro caramelo, o acarajé, o pão de queijo, o arroz com pequi, o cuscuz, o samba, o axé, o funk, o povo brasileiro? anos de histórias, de lutas...
" A que diabos de povinho você se refere? Para você todo mundo é povinho, com exceção de quatro ou cinco gatos pintados que você julga estar a sua altura. Que povinho? Todos? Porque são todos, realmente todos os brasileiros, a que você se refere com esse desprezo." Pg. 555.
Eu acho interessante que quando nós vamos nos referir ao povo, o povo sempre é o outro, nunca eu, e eu não me eximo disso, "O povo é massa de manobra, o povo não saber votar, o povo isso e aquilo, etc". Quem é o povo? Só pode ser a gente mesmo, a gente mesmo que faz essas "cagadas".
Foi uma leitura que me trouxe dor, você vê a história do Brasil se repetir.
"[...] comida tem, tem até demais. Tem um pessoal louro misturando leite em pó no macadame da avenida, para ficar mais macio. Tem gente tacando fogo em pinto e afogando pinto que faz gosto, tem gente matando ganso só para tirar o figo, tem gente pagando para o homem não plantar que é para não ter comida demais e o preço não descer, tem gente querendo capar os outros para os outros não fazer filhos que possam comer a comida que se joga fora, tem coisa que Deus duvida aqui! Tem subola e alho jogado no rio, veja você, subola e alho! Depois que eles joga no rio, eles compra outra vez, só que no estrangeiro, que é para o estrangeiro respeitar ele". Pg. 637.