Amanda3913 02/07/2017
Tradição africana, modernidade e problemas sociais.
Por meio da sensibilidade e delicadeza das palavras de Mia Couto, em sua obra A menina sem palavras, podemos entender os problemas enfrentados por Moçambique. Ao longo dos dezessete contos que compõe o livro, o autor descreve a vida de seus personagens, suas crenças, suas tradições, as lendas africanas e as desigualdades sociais, através de uma visão fantástica, onde a tradição africana está associada a modernidade.
A complexidade das adversidades de Moçambique é trabalhada de uma forma impactante, onde o leitor certamente ficará comovido e envolvido com cada personagem apresentado nos contos. Mia Couto consegue discutir os problemas de Moçambique de uma forma mais poética o que torna seu livro uma fonte de reflexão, pois os problemas apresentados em seus contos estão presentes em todas as sociedades.
O primeiro conto do livro “O dia em que explodiu Mabata-bata” exibe um contexto pós-guerra, com a presença de minas, trabalho infantil e desestruturação familiar. O conto trata de um menino, com o nome de Azarias, que vive com seu tio e sua avó. O menino trabalha todos os dias cuidando dos bois de seu tio. A relação familiar descrita neste conto é bem complicada, uma vez que, o menino quer ir para escola, mas a família o proíbe, pois ele tem que trabalhar. Até que um dia, uma mina explode e mata um boi, desse modo, Azarias resolve fugir de casa, com medo da punição de seu tio.
Como já mencionado anteriormente, tradicionalismo e a modernidade são recorrentes na obra. Particularmente nesse conto, a visão tradicionalista pode ser associada com a ave do relâmpago, o ndlati. E a modernidade, também vista como uma visão da realidade, é apresentada quando o policial vai até a casa dos tios de Azarias e conta que houve uma explosão de uma mina, demonstrando a realidade dos fatos em contraste com a visão imaginativa do menino.
Muitos contos retratam também problemas deixados à margem das sociedades, como por exemplo, a gravidez na adolescência. No conto, “O não desaparecimento de Maria Sombrinha” o autor utiliza de um exagero praticamente fantástico para mostrar que esse problema, por mais recorrente que seja, não pode ser deixado de lado. De uma forma impactante o autor choca seus leitores, pois a menina que engravida é apenas uma criança e posteriormente o filho dessa criança também engravida ainda bebê. Através desse choque, podemos pensar que muitas adolescentes são apenas mais uma criança cuidando de outra. Também pode-se refletir que esse problema é passado de geração para geração.
Outro conto, que podemos ilustrar aqui é o “O apocalipse privado de tio Geguê”, neste o autor apresenta como uma sociedade pode corromper seus habitantes, muitas vezes sem outro caminho, sem escolhas, sem a presença de uma família de verdade muitos garotos e garotas seguem o caminho errado, pois precisam sobreviver
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Outro aspecto interessante nos contos de Mia Couto é a presença da visão infantil para com a realidade, através dessa visão o autor consegue fazer com que o leitor embarque nessa ingenuidade de como ver a vida. No conto, “Sapatos de tacão auto” temos um olhar de menino, que ao escutar os passos vindo da casa de seu vizinho, Zé Paulão, fica imaginando como seria a nova namorada do vizinho. Até que um dia, quando o menino estava brincando, descobre que a namorada que ele tanto imaginava era o próprio Paulão.
Desse modo, conclui-se que o leitor da obra irá embarcar em uma realidade cruel e realista, porém permeada do fantástico, eis que Couto utiliza-se de um estilo narrativo que preenche e ilustra, de forma lúdica, os problemas tão recorrentes no meio em que vive, proporcionando assim, ao leitor, conhecer um pouco sobre a tradição africana, uma vez que esta não é tão conhecida.