z..... 08/07/2019
Romance caracterizado por simplicidade narrativa e reflexão sobre determinada realidade social. Não poderia ser outra se não a de vivência da autora, a favela. Carolina transforma suas experiências e observações numa história em que o leitor adentra esse contexto, envolto por sensações, impactos e percepções que talvez sejam descobertas, em um meio ainda muito ignorado de suas verdades atrozes na época.
Em sua simplicidade, o texto apresenta certa ingenuidade nas personagens, marcadas por visão de mundo centrada apenas em seu meio, com ações desencontradas fora dele, como se as coisas se resumissem apenas no que conheciam, ignorando-se e não dando importância ao que vá além desses limites.
Dois contextos são apresentados. Inicialmente o da vida privilegiada por quem tem dinheiro, representada pela família do coronel Fagundes, que tem certa notoriedade em sua região, num canto do país pouco detalhado pela autora. Depois a pobreza, que se torna crescente em perdas, dificuldades, decepções e experiências cruelmente desumanas, sendo ápice a mudança para a favela, onde Carolina, tal qual em "Quarto de Despejo", apresenta as mazelas e facetas rotineiras através do protagonismo de Maria Clara, uma Fagundes que acaba vivendo história de Cinderela às avessas.
A obra pode parecer clichê, em seus desdobramentos ingênuos para justificar a história, mas acredito que o termo mais acertado é uma visão empírica. É observação da autora no que o mundo cotidiano lhe revelava. Coisas como: rico explorando o pobre nas oportunidades surgidas; preconceito contra aquilo que é desconhecido; o pobre se colocando numa posição derrotada ante situações de desesperança quando não tem ideal; e, logicamente, retrato cotidiano da favela nas faces de fome, abandono, tristeza, sofrimento...
A autora sutilmente instiga que existem conceitos além da realidade vivenciada. No mundo dos ricos, por exemplo, há acusação aos desfavorecidos, como se fossem culpados. "Vivem nesse meio e mesmo assim tem muitos filhos!", é uma delas, quando "do outro lado" não existe nem o que comer dignamente no dia, quanto mais o mínimo de educação (como planejamento familiar).
Da mesma forma no contexto da pobreza, imperam seduções recorrentes para práticas de vida direcionadas para coisas como: entrega à bebida, suicídio, violência, como se fossem inevitáveis. É aí que entra uma das abordagens corriqueiras de Carolina, que traz admiração como pessoa: é alguém que fala sempre de ideal - uma postura a buscar e cultivar, um caminho que vê ante as barreiras - é sua busca e valorização para a educação. "Quarto de despejo" traz essa proposta; em "Casa de Alvenaria" a parte mais interessante é a que fala que o homem tem que vestir ideal como roupa; seu livro "Provérbios" é uma ode a isso também; e agora nessa obra a mesma observância, como em sua postura ante o casal protagonista, quando diz que é um casal sem ideal.
História muito simples, imperativa para mensagem ideológica, sobretudo no pensamento do coronel quando reencontra a filha na favela, em que tece considerações similares a de políticos, mas nas proposições necessárias, não na descarada hipocrisia e inoperância. Certamente... Falou através dele Carolina, nas considerações e devaneios.
Não é uma história essencialmente romântica, é de aprendizagem (a duras penas) de uma realidade ignorada, através da vivência, quando Maria Clara, iludida por sua visão de mundo, faz uma transição mais que sofrida de seu castelo de sonhos para uma vida que a leva para a favela. Importante ressaltar que a favela retratada no livro tem as marcas de seu contexto de época.
Obra com muita ingenuidade no desenrolar, sem capítulos definidos (algo que não curti, entendendo na espontaneidade da autora), mas com certa beleza e força que seduzem, principalmente quando percebemos: vontade de revelar e trazer transformações.