Mestres da verdade na Grécia arcaica

Mestres da verdade na Grécia arcaica Marcel Detienne




Resenhas - Os mestres da verdade na Grécia arcaica


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Allan Regis 25/08/2020

Historicidade da verdade
Marcel Detienne é um historiador belga de estilo literário bastante carregado. Sim. Esta é a primeira coisa que deve ser mencionada em qualquer resenha de um livro seu! O autor segue a tradição intelectual francesa - o grosso de sua formação foi na École Pratique de Hautes Études - de fazer-se entender pelos rodopios e floreios linguísticos que o leitor pode recordar de um Levinas ou um Foucault. Vale mencionar, duas de suas maiores influências são Jean-Pierre Vernant e Claude Levi-Strauss, este último, bastante conhecido pelo hermetismo teórico de sua antropologia estrutural, quer dizer, seus esforços, conscientes ou não, de escrever para 'iniciados'. Pelo menos seus críticos assim o dizem.

A razão pela qual destaco o aspecto da forma logo de princípio não é para desanimar o leitor, mas, ao contrário, para estimulá-lo. O primeiro livro que li do autor foi o célebre "A invenção da mitologia", a minha muitas coisas foram incompreensíveis justamente por uma lacuna de conhecimentos minha com Levi-Strauss e sua influência na tradição de antropologia histórica da Grécia Antiga, que foi importantíssima.

Embora o autor tenha efetivamente criado um distanciamento crítico, com o tempo, de seus modelos maiores - e aí remeto o leitor ao estimulante "Comparar o Incomparável" -, neste livro, publicado pela primeira vez em 1965 e resultado de um PhD na Universidade de Liège, a influência straussiana e vernantiana são marcantes. Mas elas não são dogmáticas.

Nos anos 50/60, Levi-Strauss travou um debate fervoroso com um importante nome da historiografia francesa, Fernand Braudel. O antropólogo insistiu na perenidade das estruturas mentais inconscientes que seu método prometia explicar, e na sua importância capital para as ciências sociais da decodificação dessas estruturas atemporais. A história e sua ciência do contingente, temporal e mutável, via-se em cheque. Para não me estender: Braudel contrapôs à estrutura social imutável de seu colega uma dialética das durações, trocou a imutabilidade pela 'longa duração', e em uma estratégia comum à história na França desde os anos 1920, combateu seu inimigo incorporando-o ao campo. Dito isso, voltemos à antropologia histórica de Detienne.

É exatamente isso que Detienne faz com o conceito de Aletheia (verdade) na Grécia Arcaica. Ele não só circunscreve a semântica da verdade no contexto sócio-religioso arcaico nas figuras do rei, do adivinho e do poeta, mas, como bom historiador, explica a mudança do paradigma mental que permitiu, no período clássico, a mudança da lógica da contradição, da complementaridade dos opostos, à lógica do nascimento da filosofia e sofística, do princípio da não-contradição.

De novo, alérgico à intemporalidade ôntica da antropologia, as mudanças mentais não são autotélicas para Detienne: são resultado de uma mudança social, política e jurídica que teve origem, nesse caso, na lógica igualitária das assembleias guerreiras e na sua posterior extensão aos cidadãos da pólis. Assim, caros amigos, eis um estruturalismo histórico de 'ponta' de lança.

Embora na época A. W. H. Adkins tenha considerado em resenha a leitura "confusa", inclusive sugerindo que Detienne não havia equalizado bem a contribuição de Levi-Strauss e Vernant - que tinha herança marxista e experimentava-se na chamada psico-história -, a recepção do livro foi em geral positiva, e não vejo razão na crítica de Adkins: o estilo de Detienne pode ser um tanto esotérico, mas o "ensinamento oculto" para os que fazem o esforço de ir adiante são mais que satisfatórios, são a prova cabal que os humilhados serão exaltados - pelo menos em conhecimento.
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