O frio aqui fora

O frio aqui fora Flavio Cafiero




Resenhas - O frio aqui fora


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 16/12/2013

Flavio Cafiero - O frio aqui fora
Editora Cosac Naify - 254 páginas - Lançamento Outubro 2013.

Flavio Cafiero soube utilizar com segurança e coragem a matéria autobiográfica em seu ótimo romance de estreia. Por sinal, coragem é uma palavra, apropriada ou não, que ele tem escutado bastante nos últimos tempos e que define bem a sua opção de vida ao abandonar o cargo executivo e uma carreira de 15 anos em uma grande empresa, tudo em busca do antigo sonho de escrever. Depois de seis anos afastado dos processos corporativos, reuniões, planilhas e crachás, Cafiero descobriu que rotinas e cronogramas não funcionam no imprevisível mundo da criação literária, mas, ainda assim, ele parece estar indo muito bem em sua nova carreira de escritor.

A estrutura narrativa de O frio aqui fora é fragmentada e não linear, passado e presente se alternam enquanto ficamos conhecendo as opções do protagonista Gustavo Luna, muito parecidas com as do próprio autor, apesar de não termos certeza da extensão das vivências de Flavio Cafiero colocadas no romance e, de qualquer forma, sabermos que isto não é mesmo muito importante na literatura contemporânea. A decepção por uma esperada promoção que não foi concedida, um novo chefe não muito sensível e uma esquecida avaliação psicológica que revelava sua inadaptação ao mundo corporativo, todas são possíveis causas para a decisão do personagem de abandonar a empresa e arriscar a sobrevivência na "savana" do mundo real, longe das certezas dos organogramas.

"(Você deve sofrer, Luna), foi o diagnóstico da psicóloga dos recursos humanos. A psicóloga dos recursos humanos foi uma das pessoas mais abertas que conheceu na trajetória de vida na empresa, e a simpatia foi mútua: a inconfidente falou mais do que deveria. (Dos perfis possíveis de serem traçados com esse teste, você tem o mais incompatível com um ambiente corporativo), quase uma sentença: incompatível com ambientes corporativos. (Seu modelo mental flui para outras áreas, como religião, psicologia, educação, artes), um desvelamento, uma irresponsabilidade dizer aquilo, e sentiu-se uma farsa, viu a máscara caída e despedaçada. Religião? Artes: um perfil pouco encontrado entre gerentes. E o que isso queria dizer? (Não quer dizer que seja impossível estar aqui, mas aconselho que fique atento e administre seu sofrimento), e Luna descobriu que sofrimento se administra."

Outras mudanças na sua vida pessoal coincidem com este momento no qual as palavras como crachá, cancela, segurança, título, paixão, apreço, sofrimento e muitas outras começam a ganhar sentidos diferentes; o final de um longo relacionamento e a necessidade de retomar o seu cotidiano na empresa, absurdas reuniões de "coaching" para processar a frustração pela perda da promoção, todos os acontecimentos parecem fragilizar ainda mais Gustavo Luna e aumentar o seu estado de solidão que acaba precipitando uma escolha que tinha ficado esquecida há muito tempo na sua adolescência.

"Tem a impressão de que está num livro, não é a primeira vez, mas não sabe decidir se a sensação agora é boa ou ruim: apenas está ali, e uma picada de aranha adicionou lentes de aumento a suas capacidades perceptivas, e agora poderia ler gestos, reações, intenções, quem sabe até descubra que, em breve, haverá um fim. É, talvez use essas coisas no livro, pode ser. O livro de Luna já tem título, é inevitável que tenha um depois de tantos anos. Vem reformulando o 'título' desde os dezoito anos, quando se permitia sonhar com uma carreira artística. Com artigo definido ou sem? E se usar o pretérito em vez do presente? E se pusesse o 'título' no fim, e não no começo? O livro de Luna pode ter uma capa, e até um fim, inspirado em um desses filmes franceses que adora assistir. Tudo bem, meio óbvio. Começo e fim, muito bem. Mas, Luna, veja bem: você precisa escrever o meio."

Flavio Cafiero criou um personagem sensível e convincente, pelo qual é muito difícil não simpatizar e se identificar, Luna sabe que precisa mudar, mesmo que, em sua inadaptação e isolamento, não tenha todos os porquês à disposição, ainda assim busca explicações que justifiquem poder ter o direito de exclamar: Hoje acordei!
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Flavio 08/04/2014

Sob o signo da lua (por Antonio Carlos Viana)
SOB O SIGNO DA LUA
Resenha de Antonio Carlos Viana
Há livros que nos pegam logo na primeira página, outros demoram a captar nossa atenção. Dificilmente abandono um livro assim que o começo, nem que para isso tenha de fazer um cronograma de leitura. Há autores assim. Thomas Bernhard, António Lobo Antunes, Herman Broch, por exemplo, exigem leitura lenta, superatenta, porque de outro modo os largaremos mal lidas as cinco primeiras páginas (se conseguirmos). Geralmente, quando o livro exige muito de mim, me obrigo a ler dez páginas por dia e vou aumentando o número à medida que a leitura ganha ritmo e interesse. Geralmente, quando o autor é bom, o esforço compensa. Por isso, leitores impacientes, não abandonem um livro assim que se depararem com o primeiro obstáculo.
Essa sensação de dificuldade me tomou quando comecei a ler O frio aqui fora, do estreante Flavio Cafiero. Ele faz parte da estante dos livros que o leitor pouco insistente abandonaria logo nas dez primeiras páginas. São realmente páginas árduas, duras, áridas mesmo, que nos fazem querer fazer qualquer outra coisa, menos continuar sua leitura. Confesso que só fui gostar do livro depois de entender que o importante para Cafiero não é a história em si, mas a forma como a conta, como se detém em cada sensação, em cada sentimento, tão difíceis de serem descritos. E nisso ele logo se revela um mestre. Há nele uma grande intimidade com as sensações experimentadas diante do vazio da vida, dos fatos mais banais, tirando deles certa claridade que ilumina a história. Poderíamos dizer que O frio aqui fora trabalha menos com a ação do que com a inatividade, a espera, as expectativas de uma personagem que parece em certo momento paralisada pela própria existência.
A trajetória de vida da personagem central, Gustavo Luna, não tem nada de empolgante. Estou falando da personagem. O andamento de sua história lembra mais um daqueles filmes da nouvelle vague como Trinta anos esta noite, do que os robocops que de tempos em tempos chegam a nossas telas.
Luna é funcionário de uma grande firma de importação de roupas, com mais de uma década de serviços prestados, uma carreira em ascensão, já é gerente nível 2, com possibilidade de ascender ao nível 3. Seu desconforto no trabalho é grande, mas não é só com o trabalho, é com a vida em si. Ele não consegue se encaixar nas engrenagens da empresa nem nas de uma vida sem nenhum sabor como a que leva, pois seu sonho é largar tudo e se dedicar à literatura.
O romance tem um pé na realidade, na história do próprio autor, que largou um emprego de mais de uma década para se dedicar à literatura. Mas o que interessa não é a relação vida/obra, pois se Cafiero ficasse só nisso dificilmente teríamos literatura. Seu trabalho com a linguagem apaga todo resquício biográfico. Ele constrói um livro a partir de sua própria vida, mas o salto para a ficção está na forma com que vai arquitetando a narrativa, no cuidado com a linguagem, que hora nenhuma decepciona.
Sem dúvida estamos diante de mais uma autoficção, gênero que vem proliferando em nossa literatura, ora para o bem, ora para o mal. Cafiero está no lado “bem”, pois não é nada fácil transformar em ficção uma vida vivida entre o tédio e o sonho. O leitor, se tiver a paciência de ir lentamente rompendo aquelas páginas que exigem tanta atenção tomará conhecimento de um novo autor, que mais do que se basear em sua a própria história, mostra-se comprometido com aquilo que é a base de toda literatura: o trato com a palavra.
Cada livro que lemos traz implícita a forma de lê-lo. Este pede que esqueçamos a história e atentemos para a forma como seu autor enuncia as coisas mais triviais, numa linguagem que parece simples à primeira vista mas que exige todo um trabalho literário. Mas não é só a linguagem que nos chama atenção em O frio aqui fora. É também a forma como Cafiero joga com o tempo. Ora estamos no passado, de repente passamos para o presente e também para o futuro, tudo isso feito com a segurança de um autor experimentado. O narrador também se mostra bem maleável, ora em primeira, ora em terceira pessoa, indo e vindo no tempo com uma aisance fora do comum. A instabilidade emocional da personagem se transfigura nessa forma narrativa também instável no tempo.
A história de Luna se entrega, assim, pouco a pouco, no movimento da própria linguagem e não dos fatos em si. O mal-estar existencial que o acomete vem da incompatibilidade de seus anseios de escritor e um emprego que nada lhe diz. Muito menos os colegas, as brincadeirinhas idiotas nos intervalos, os encontros rápidos de corredores, vazios de calor humano. Até a namorada com quem conviveu por cinco anos o abandona. Esse fato agrava mais a decisão de ele largar tudo e começar outra vida. A perspectiva de um filho também não o entusiasma. Seu sobrenome, Luna, é bem sintomático. Todo o livro é perpassado por uma melancolia que só faz crescer a cada página.
“Esperanças encalhadas num rio sem correnteza” são palavras de Luna a certa altura da narrativa que poderiam muito apropriadamente ser o título deste romance de clima tão soturno. Flavio Cafiero exige muito do leitor e, se este não o abandonar logo no começo, se sentirá recompensado ao chegar a última página deste seu romance de estreia.


site: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/sob-o-signo-da-lua/
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Gui 19/11/2021

Um livro que esfria
O livro conta a história de Gustavo Luna, um publicitário de formação, que trabalhava como gerente em uma multinacional, na área de importação, mas cujo sonho de adolescência era ser escritor. Lutava por uma promoção na empresa, já estando cada vez mais insatisfeito com a sua vida. Quando perde o cargo para alguém externo e, ao mesmo tempo, perde a namorada, Luna entra em crise e começa a repensar sua vida, de fato.
Em meio a muitas angústias, tristezas e incertezas decide abandonar tudo e começar do zero, seguindo o sonho de viver como escritor. Além de tudo isso, Luna descobre que será pai fora do casamento, sendo a paternidade outra grande questão sua.
O livro, quase autobiográfico, é uma crítica a vida capitalista contemporânea. Fala sobre as escolhas que fazemos e como conduzimos nossa vida de modo a nos encaixar no que se espera de nós e na visão comum sobre sucesso. Por ser um dilema na vida de muitos de nós, fica fácil se identificar com o personagem, inicialmente e em várias passagens.
Apesar disso, achei o livro monótono e, de certo modo, repetitivo, como se parecesse ?grande demais?. Entendo que essa monotonia e as questões se repetindo possam ser propositais, posto que a crise pela qual passa o personagem é uma crise de identidade, quase um colapso pessoal, do qual, se tudo der certo, sairá um Gustavo que o próprio Gustavo espera, mas desconhece com precisão. A busca pelo sucesso material, quando dissociado da vocação ou de se levar a vida desejada, acaba sendo um ?fardo?, angustiante e enfadonho, como a história do protagonista.
Não desisti por pouco, várias vezes, ainda assim, exceto pelo começo, que adorei, não me cativou, embora não signifique que o livro seja ruim.
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Drik's Pessoa 27/07/2018

As 250 páginas mais enfadonhas que já li
Nunca torci tanto para um livro terminar como torci para esse. Em vários momentos tive vontade de largar, mas aquela famosa "chance" que a gente sempre dá acabava ganhando.
Nada acontece nesse livro. O autor tentou algo de filosófico que achei bem raso. E principalmente: personagens mais rasos ainda. Mal formados e não gerou empatia nenhuma. Não torci por nada nesta história.

Não gosto de dar opiniões assim pois sabemos que existe um livro para cada tipo de leitor; sei que muitos gostaram. Mas pra mim, infelizmente não rolou.
Yara 30/09/2019minha estante
Eu comprei faz tempo, ia começar a ler mas desanimei.... acabei de ler Peixe Cego que achei bem chato também ?


Drik's Pessoa 10/10/2019minha estante
Talvez você goste, rs. Tente começar. :)


Yara 08/11/2019minha estante
Obrigada! Vou tentar :)




Gustavo Simas 16/10/2022

Muda de vida, Gustavo
Esse livro é 70% eu. Os outros 30% são, provavelmente, uma previsão do meu futuro.

Gustavo que é chamado de Luna no trabalho, de Gunga pela namorada, de Guga pela família, é um profissional do mundo corporativo. Ele escreve em horas vagas, com textos guardados desde a adolescência. Quando passa por um fim de relação, começa a questionar as coisas e encuca em largar o emprego para virar escritor.

A premissa é simples, só que a forma é complexa. O autor experimenta a narração em primeira, segunda e terceira pessoa, brinca com as referências circulares no texto, migra de assuntos com uma fluidez que trazem à tona o pensamento e avançam a história em uma estrada não-linear.

Conheci o livro porque o autor, Flávio Cafiero, é mediador de um Clube de Leitura que participo (A Escrevedeira). E seu romance de estreia é uma autoficção que reverberou em mim. E que, certamente, pode reverberar em muita gente também.
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C Henrique 05/11/2016

É possível sentir um amadorismo na obra, de alguém tentando dar os primeiros passos como escritor (como o próprio personagem da história, que acredito ter um viés autobiográfico), mas ao mesmo tempo nos mostra um autor comprometido com uma literatura séria e adulta, nada que lembre um livro escrito apenas com intuito de vender. Isso me fez ter um respeito por ele, embora não o tenha achado uma grande obra.

Tem um estilo interessante e criativo, a técnica narrativa usa um narrador em terceira pessoa íntimo do protagonista, às vezes nos confundindo com primeira pessoa, utilizando de metaliguagem ao narrar a história como se a estivesse escrevendo (o próprio livro) para uma das personagens, num fluxo de consciência continuo (às vezes se tornando cansativo pela falta de diálogos), mergulhando no psicológico do protagonista/autor, e que me lembrou o estilo de alguns autores contemporâneos como os portugueses Antonio Lobo Antunes e Valter Hugo Mãe...

Contudo, o enredo e personagens não são cativantes, não me conquistaram nem me marcaram (um livro tão curto e demorei mais de uma semana pra terminar ), mas se fosse avaliá-lo como um exercício criativo e de trabalho literário, receberia 5 estrelas e mereceria indicações a prêmios, porque é muito bem escrito, com alguns pontos altos e interessantes. Bom ter conhecido mais um novo autor brasileiro.
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David Atenas 17/11/2023

Fraco, afogado no "indie"
Me habituei a ler livros com temática mais "hipster", sejam vindos de escritores brasileiros mais consagrados, não querendo dizer que sejam bons (Daniel Galera, Mário Bortolotto) ou menos conhecidos (Botika), e até mesmo rejeitados pela patota (Marcelo Mirisola), mas este não havia me pegado: tem um modo de escrita não-convencional, lembrando algum texto daquele Marcelino Freire, e apesar de abordar um tipo de narrativa que gosto ("semi-autobiográfica", com o pé na realidade), o desenvolvimento foi muito fraco, e foi prejudicado pela mesma escrita, que soou muito enfadonha. Fiz muito esforço pra conseguir ler, e ainda assim, não rolou de ultrapassar a página 50.
O autor deixa claro não se importar com ganhar dinheiro com seus livros, o que não seria problema algum, mas ele só pretende falar para o seu nicho, que provavelmente seria ainda menor que o os "indies" que acompanham um trabalho de um escritor mais autoral.
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Ju 21/09/2017

Um livro pequeno mas com alto grau de complexidade. Comprei pois estava na promoção e não sabia nada da história, resolvi lê-lo este mês por ser pequeno mas para minha surpresa demorei mais de duas semana para terminar o livro. No começo achei bastante difícil e não conseguia seguir a diante, aos poucos fui me acostumando com a forma de escrita, fluxo de consciência misturada com narrador, misturado com primeira pessoa, misturado com terceira pessoa. O livro narra a história de vida de Luna que no momento esta passando por várias crises. Me identifiquei com o livro e achei a escrita primorosa. O livro tem pontos altos e sacadas geniais, um dos poucos livros que li que conseguem descrever tão bem e nada clichê sentimentos e sensações relacionadas a crises e ansiedade. O sentimento que eu tive é que era um livro extremamente autibiográfico.
MF (Blog Terminei de Ler) 16/11/2017minha estante
Quase comprei esse livro no "esquenta da Black Friday" da Amazon... Fiquei interessado.




Maiara 16/12/2020

"Aconteceu. Calhou. Quando vi, já estava. Pronto: estou vivo. E, veja bem, não preciso provar que estou vivo."
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Leonardo1263 30/07/2023

Envolvente
O romance apresenta muitas experiências vividas pelo autor, não que possamos considerar uma NÃO FICÇÃO, mas pela precisão nos detalhes, sentimentos e interpretações de vários momentos, acredito que tenha sido um expurgo de seus muitos demônios e problemáticas. Luna claramente era um objeto desajustado em um lugar que requer muito ajuste. Ajustes metódicos, regras, burocracias, etiquetas, sistemas, processos, e como diz a psicóloga da empresa: "Você deve sofrer demais aqui, por não ter o padrão para esse tipo de serviço". Claro que na vida não podemos trabalhar somente com nossas aptidões, precisamos pagar os implacáveis boletos, sendo assim nos sujeitamos grande parte da vida a fazer o que precisa ser feito em detrimento de fazer o que se quer fazer ou o que poderia fazer com a excelência da alma.

Partindo desse pressuposto, a vida de nosso personagem principal vira de cabeça para baixo, podemos dizer que ganhou um momento de clareza sobre seu real propósito de vida, ou simplesmente desmotivou geral (ficando simplesmente brocoxô). Por desanimar profissionalmente, desanimou também na vida amorosa, o que trouxe uma grande problemática, fazendo valer a máxima de que o que está ruim, sempre pode piorar. Luna com 40 anos parece a deriva, planos frouxos, para uma rotina frouxa, esmagadoramente angustiante. Tudo se torna um grande castigo.

Me identifiquei muito com o personagem, já tive experiências semelhantes, infelizmente semelhantes. Um escritório sem ambiente é uma prisão, um castigo diário, a sintonia não afina, os processos perdem propósito e tudo que se deseja é a mudança. O confinamento em situações como essa é uma bomba relógio, um grande celeiro de pensamentos negativos que deixam o clima cada vez mais pesado. Pensar positivo, buscar superação vai muito além da razão.
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Flavio 15/01/2014

Autoficção e sobrevivência (por Renato Tardivo)
Flavio Cafiero, publicitário de formação e ex-gerente de produto, abandonou a vida de executivo para se dedicar à criação literária, e em O frio aqui fora, seu romance de estreia, ele mostra a que veio. Sua escrita é sólida e madura: o leitor não parece estar diante de uma estreia.

A narrativa não é linear. As sequências, que se estendem por algumas páginas, são separadas por um recuo de linha e reticências entre colchetes: [...]. Fica sugerido, portanto, que 1) as palavras do livro irrompem das entrelinhas, armadura invisível, talvez o avesso do título do romance, o “ali dentro”, e 2) ainda que descontínuas (ou porque descontínuas) as sequências estabelecem alguma conexão, uma vez que partem de uma mesma origem.

O romance pode ser classificado em um gênero que anda em voga: a autoficção. Nela, autor e narrador, se não coincidem (como na autobiografia), aproximam-se – às vezes mais, às vezes menos. O exemplo recente mais célebre aqui no Brasil provavelmente seja O filho eterno, de Cristovão Tezza. Mas autores já estabelecidos da nova safra também têm tomado esse caminho: Michel Laub, Ricardo Lísias, Paloma Vidal, entre outros.

Como Cafiero, Luna, o narrador-protagonista de O frio aqui fora, é um gerente de produto bem sucedido que resolve se aventurar nas letras. A redescoberta da identidade profissional, contudo, extrapola para os demais aspectos de sua existência. Temas como casamento, paternidade e sexualidade são abordados. Mas, até aqui, talvez não houvesse nada de muito novo. A própria metalinguagem relacionada à autoficção (o protagonista é/quer ser escritor) por si só não garantiria o êxito do livro.

O frio aqui fora funciona muito bem pela habilidade com a qual o autor trabalha a – e pela – linguagem. O estranhamento que algumas palavras provocam no narrador – e por extensão no leitor –, a explicitação demorada dos nomes próprios (o de Luna inclusive), o fato de as poucas falas das outras personagens virem entre parênteses (não se descolando do fluxo de consciência do narrador, mas diferenciando-se em alguma medida dele) fazem com que o livro suba de escala.

Chama a atenção, também, a presença de aspectos do mundo animal, que facilmente soariam em desarmonia com a trama principal, mas que, bem costurados pelo autor, situam a existência humana à evolução das espécies, perspectiva na qual o que conta mesmo é sobreviver. (Parêntese: nesse sentido, o romance dialoga com A árvore da vida, filme de Terrence Malick, vencedor em 2011 da Palma de Ouro em Cannes.)

A luta de Luna com a palavra, “luta mais vã”, diria Drummond, se dá a fim de sobreviver, de continuar. E aqui voltamos à forma mesma do romance: os signos que irrompem das entrelinhas, do invisível, e que enfrentam, corajosos, o frio aqui fora, lutam eles mesmo para continuar. No fim, o livro sobrevive: “E então? O que viria depois?”.
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Pedro Daldegan 23/01/2015

O frio aqui fora
[ A mãe levanta, troca de roupa e ajeita o cabelo em frente ao espelho para encontrar a vó na cozinha e dizer: hoje acordei. Diz assim, como se tivesse ganhado uma medalha. Na origem, era hábito do vô. ]

O trecho acima é do livro "O frio aqui fora" [ 2013, Cosac Naify ], de Flavio Cafiero. O livro nos presenteia a história de Luna, um homem que trabalha em uma empresa há treze anos e não recebe a tão esperada promoção. Para piorar, Luna é abandonado pela namorada. A partir daí o simples ato de acordar é difícil, e as palavras soam estranhas quando pronunciadas. Enquanto isto, uma vontade se torna imperativa, Luna quer se tornar escritor. Em meio à desordem que se instaura, Luna passa a experimentar as coisas, e sente estranheza, e sente insegurança, e tudo soa primitivo. Afinal, somos animais, não somos? Este é o primeiro livro de Cafiero, e ele transcreve os pensamentos de Luna com a confusão e honestidade inerente às ideias, e o simples ato de descobrir um nome é revelador, e delicioso.
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Leituras do Sam 14/12/2016

O FRIO AQUI FORA
Em cada parte da sua vida o protagonista deste livro tem um nome, uma designação que lhe possibilita saber quem ele é.
Luna, Gunga, Guga, Gustavo, Gustavo Luna, um cara que tem a vida toda bem organizada, centrada, planejada e segura, até o momento que a promoção de cargo na empresa que trabalha à treze anos não acontece e ao mesmo tempo o relacionamento sólido de 5 anos termina. Começam as dúvidas, ataques de pânico, momentos de depressão, os questionamentos sobre o que fez e o que fazer da vida agora que o calor das coisas certas, os planos acalentados sofreram o ataque do acaso, do não planejado.
Acompanhamos o sofrimento a adaptação, evolução, e o refazer-se de um homo sapiens na selva da vida consciente, racional ou nem tanto.
Neste romance de estreia, Cafiero aproveita da sua experiência pessoal para construir uma história com linguagem elegante, mas acessível, com o mundo corporativo como pano de fundo e também com doses de "ensaios" sobre a evolução, seleção natural".
Muito me identifiquei com Luna e acredito que todo trabalhador se identificaria também.
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