Natan.Bruno 23/04/2024
Um mar de palavras que te entregam a um nada
A princípio meu título pode ser tendencioso por ter uma leve inclinação a uma crítica negativa, porém é exatamente o que o livro te entrega e é exatamente o que a escritora te propõe.
É um livro magnífico, experimental, único, li outras obras de Clarice e esse livro é bem diferente.
A autora que é misturada com a narradora do livro quer propor a pintura na escrita (posso dizer que é um livro pintado numa arte abstrata e cubista ao mesmo tempo), você descobre com ela o nosso agora o ?instante-já? da vida, a plenitude da liberdade e do improviso, o pensamento antes do ato de pensar, do vazio e o silêncio, a citações que ela faz de ?Deus?
É um livro extremamente filosófico que te desafia a pensar com ela (muitas vezes senti que ela estava ao meu lado escrevendo e lendo isto para mim)
Como por fim desta resenha quero colocar um trecho do livro que mexeu comigo:
[?] Fiquei de repente tão aflita que sou capaz de dizer agora fim e acabar o que te escrevo, é mais na base de palavras cegas. Mesmo para os descrentes há o instante do desespero que é divino: a ausência do Deus é um ato de religião. Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive. E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas sei que terei paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei - assim como se come e se vive o gosto da comida. Minha voz cai no abismo de teu silêncio. Tu me lês em silêncio. Mas nesse ilimitado campo mudo desdobro as asas, livre para viver. Então aceito o pior e entro no âmago da morte e para isto estou viva. O âmago sensível. E vibra-me esse it. [?]