spoiler visualizarH3len4 26/03/2024
Um vômito de pensamentos (o_O) !
Meu segundo livro da Clarice e, surpreendendo zero pessoas, adorei. Apesar dele ser bem confuso em algumas partes, porque ele é basicamente um fluxo de palavras e ideias excepcionais e inconcebíveis que somente essa mulher pode nos proporcionar.
Ela traz uma narradora escrevendo uma carta a um homem, ambos sem nome, onde discorre sobre vários temas, sendo o principal o ?instante-já? e como este, agora, já é passado e como podemos viver verdadeiramente o ?eu presente?. Além de falar também sobre a existência, a liberdade, a solidão, o divino? e outras coisas aleatórias que são demais ? descrições de diferentes flores e o parto de uma gata ???
O desordenado aqui nos ordena um pouco mais.
Alguns dos mil trechos que eu mais gostei:
?Tenho um pouco de medo: medo de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido.?
?Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa.
[?]
o presente me foge, a atualidade me escapa.?
?Procuro estar a par dele [meu tema de vida], divido-me milhares de vezes em tantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos.?
?e tu que tens o hábito de querer saber por que ? e porque não me interessa, a coisa é matéria de passado.?
?A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo do meu silêncio. [?] escrevo por profundamente querer falar.?
?Vou crescendo com o dia que ao crescer me mata certa vaga esperança e me obriga a olhar cara a cara o duro sol.?
?Gruta sempre sonhadora com suas névoas, lembrança ou saudade??
?Embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.?
?Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.?
?Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além da minha história humana.?
?Minha pequena cabeça tão limitada estala ao pensar em alguma coisa que não começa e não termina ? porque assim é o eterno.?
?Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos da vida são o limão na ostra??
?O que não vejo não existe? O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe. [?] A verdade está em alguma parte: mas inútil pensar. Não descobrirei e no entanto vivo dela.?
?Na minha noite idolatro o sentido secreto do mundo.?
?Estou me criando. E andar na escuridão completa à procura de nós mesmos é o que fazemos. Dói.?
?Estou melancólica. É de manhã.?
?Oh vento siroco, eu não te perdoo a morte, tu que me trazes uma lembrança machucada de coisas vividas que, ai de mim, sempre se repetem, mesmo sob formas outras e diferentes. A coisa vivida me espanta assim como me espanta o futuro. Este, como o já passado, é intangível, mera suposição.?
?Só que não sei usar amor. Às vezes me
arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha.?
?Oh, como tudo é incerto. E no entanto dentro da Ordem.?
?Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas ? nunca o ato de entrega se fará.?
?Alimento-me delicadamente do cotidiano trivial e tomo café no terraço, no limiar deste crepúsculo que parece doentio apenas porque é doce e sensível.?
?há desencontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras que quase não dizem mais nada.?
?E eu vivo de lado ? lugar onde a luz central não me cresta.?
?Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má. É apenas por pura bondade que sou boa.?
?E nas cores mais densas há uma lividez daquilo que mesmo torto está de pé.?
?E então fico triste só para descansar. Chego a chorar manso de tristeza. Depois levanto e de novo recomeço.?
?Estou triste. Um mal-estar que vem do êxtase não caber na vida dos dias.?
?Eu estou ? apesar de tudo oh apesar de tudo ? estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas tem que ser. Viver é isto: a alegria do it.?
?Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo exige, o espírito não para, viver parece ter sono e não poder dormir ? viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de corpo nem de espírito.?