Água viva

Água viva Clarice Lispector




Resenhas - Água Viva


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Alane.Sthefany 24/07/2022

Água Viva - Clarice Lispector
Devo admitir que fiquei bastante confusa lendo esse livro (muito natural, ao ler Clarice ?), mas esse foi em um nível inimaginável, fiquei com a sobrancelha franzida por tanto tempo, que ao finalizar a leitura, minha cabeça estava doendo. Pretendo reler o livro e ver se a experiência de leitura mude com o passar do tempo, mas o que eu tenho a dizer por enquanto é: Confusão.

Eu gostei bastante da ideia da Clarice querer escrever tudo o que se passa no "instante-já", no momento em que ele ocorre, mas que já não o é mais, quando tenta descrevê-lo:

"Estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais."

Li uma resenha, em que uma menina dizia que o livro incomodaria pessoas organizadas, por não possuir uma ordem, muito menos uma lógica racional.

Pelo fato do livro ser escrito através da narrativa de uma pintora, e que iremos nos perder em meio às palavras, pensamentos e devaneios dela.

É um livro que tenta expor e explicitar o que se passa dentro da mente no instante-já.

Em busca de algo inalcançável. Pois como a própria Clarice diz: que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais.


Trechos Preferidos ?????

Tinha que existir uma pintura totalmente livre da dependência da figura ? o objeto (...)

Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido.

Estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais.

O instante-já é um pirilampo que acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará em um imediato que absorve o instante presente e torna-o passado.

Mesmo que eu diga ?vivi? ou ?viverei? é presente porque eu os digo já.

Não sei captar o que existe senão vivendo aqui cada coisa que surgir (...)

Quero é uma verdade inventada.

Não sei sobre o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma.

Eternidade: pois tudo que é nunca começou. Minha pequena cabeça tão limitada estala ao pensar em alguma coisa que não começa e não termina ? porque assim é o eterno.

Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas.

Para onde vou? e a resposta é: vou.
Quando eu morrer então nunca terei nascido e vivido: a morte apaga os traços de espuma do mar na praia.
Agora é um instante. Já é outro agora.

O que não vejo não existe? O que mais me emociona é que o que não vejo contudo existe. Porque então tenho aos meus pés todo um mundo desconhecido que existe pleno e cheio de rica saliva.

Mas há perguntas que me fiz em criança e que não foram respondidas, ficaram ecoando plangentes: o mundo se fez sozinho? Mas se fez onde? em que lugar? E se foi através da energia de Deus ? como começou? será que é como agora quando estou sendo e ao mesmo tempo me fazendo? É por esta ausência de resposta que fico tão atrapalhada.

Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre. Nem nunca haverá. Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?

O futuro é o que sempre existiu e o que sempre existirá.

Estou prestes a morrer-me e constituir novas composições.
Estou me exprimindo muito mal e as palavras certas me escapam.

Terei que morrer de novo para de novo nascer? Aceito.
Vou voltar para o desconhecido de mim mesma

Que música belíssima ouço no profundo de mim.

Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante.

Segurar passarinho na concha meio fechada da mão é terrível, é como se tivesse os instantes trêmulos na mão. O passarinho espavorido esbate desordenadamente milhares de asas e de repente se tem na mão semicerrada as asas finas debatendo-se e de repente se torna intolerável e abre-se depressa a mão para libertar a presa leve. Ou se entrega-o depressa ao dono para que ele lhe dê a maior liberdade relativa da gaiola. Pássaros ? eu os quero nas árvores ou voando longe de minhas mãos. Talvez certo dia venha a ficar íntima deles e a gozar-lhes a levíssima presença de instante.

Neste mesmo instante estou pedindo ao Deus que me ajude. Estou precisando.
Precisando mais do que a força humana. Sou forte mas também destrutiva. O Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem.

O girassol é o grande filho do sol. Tanto que sabe virar sua enorme corola para o lado de quem o criou.

Realizo o realizável mas o irrealizável eu vivo (...)

É uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde.
ajsjad 24/07/2022minha estante
Tenho essa mesma sensação quando leio Clarice. Os personagens dela são bizarros no que diz respeito à construção psicológica em si. Alguns contos são pura nóia aos meus olhos de estudante de ensino médio ignorante a amadora. Mas ainda assim é isso que faz a escrita dela mais distinta e singular


Alane.Sthefany 24/07/2022minha estante
Luana,

Sim, por isso que eu amo a escrita dela. É muito única, e você encontrará apenas lendo os livros dela, por isso pretendo ler tudo que ela já escreveu.??

Vi que você também está lendo ela, ainda mais o compilado de todas as suas obras. ?


ajsjad 25/07/2022minha estante
Siim. Na verdade, o compilado só junta os contos dela. Mas de qualquer forma, tem um ÓTIMO custo benefício se vc comparar com o gasto que se teria ao comprar os contos separadamente


Alane.Sthefany 25/07/2022minha estante
Luana, Siiim ???

Imagina pagar por cada livrinho de 70 a 100 pág toda hora ? ?

Espero que esteja gostando, o bom que parece ser na ordem de "publicação".

Amo demais ler algo dessa mulher. Como você disse, ela é muito singular na escrita ??


Mikaely7 27/03/2023minha estante
tô assim mulher, mas Clarice sendo Clarice, eu tenho esse livro como começo agora e sinto como se fosse uma experiência de um momento q foi um momento, mas agora se torna outro momento, os intervalos do momento (não sei se consegui explicar aiakakk


skuser02844 23/05/2023minha estante
Quando não conseguir entender o que ela diz, tente sentir, eu faço isso e dá super certo já li até o conto "O ovo e a Galinha"


Sergio.Gouveia 22/07/2023minha estante
Foi exatamente essa impressão que tive! Me causou grande estranheza no início, mas, depois consegui entender a dinâmica por traz de sua escrita e o que a autora queria transmitir.
Então, é isso!
"Estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais."


Carolina 16/11/2023minha estante
Clarice é sentir


MilenaSales00 25/11/2023minha estante
Quando eu lia Clarice mais jovem, não fazia sentido. Lendo hoje em dia, mais velha, eu sinto e tudo se faz sentido dentro de mim.




Letx 09/05/2009

Um texto pulsante sobre o indizível.
Não existe enredo em Água Viva. A circularidade está presente desde a primeira até a última frase do livro: não há começo, meio ou fim. Trata-se de um texto para ser muito mais vivido do que lido, no qual a sensibilidade aflora constantemente, em um fluir de experiências vivenciadas de forma intensa. Clarice rompe com o sistema, virando-o pelo avesso, revelando o indizível e o proibido. A autora promove a desconstrução e a desautomatização da linguagem, ao decompor e desmontar o próprio sistema de escrita, para tentar se libertar da náusea de viver, através da palavra expressa em neologismos. Clarice tenta promover a exaltação do ser interior,e mostra a passagem da crise psicológica à angústia metafísica. Simplesmente perfeito. Meu livro favorito de Lispector.
Lari 29/07/2011minha estante
Ótima resenha... concordo com cada palavra... Acabei de "viver" o livro e já quero experimentá-lo de novo!


May Brasil ð¿ 03/01/2021minha estante
Meninaaa, que resenha maravilhosa!!




Ma Passos 22/03/2024

Sentimento: Clarice.
Esse livro é uma poesia em prosa, uma eterna metáfora. Acho que a beleza dessa leitura está no compreender o incompreensível, cada leitor tem uma interpretação.

Falei sobre interpretação, mas acho que a palavra certa é "identificação", a experiência individual é o que molda o sentido dos textos.

Um livro com 0 capítulos, mas com transições suaves. Os temas vão se aprofundando cada vez mais, até chegar no ponto de filosofar sobre algo inanimado.

Leia, mas só leia se estiver com o coração aberto. O entendimento depende da conexão.
colosssal 22/03/2024minha estante
esse livro >>>>


Fabio.Filho 22/03/2024minha estante
Se gostou, depois tente "o livro do desassossego" kkk esse tbm tem que ser lido de mente e coração abertos


Orlando.Fidelis 22/03/2024minha estante
Pretendo ler




Arlefe_ 17/11/2022

ÁGUA VIVA
Os livros da Clarice são bem loucos pra mim, eu nunca consigo entender o que ela quer passar para os leitores, ou até mesmo o contexto dos livros. Mas é algo tão bom que realmente, pra mim, é inexplicável.
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MatheusPetris 06/02/2024

Menos para o romance e mais para o ensaio (filosófico, diga-se), Água Viva (1973) “é uma linha reta no espaço” (Clarice Lispector). Sua narradora-protagonista sem nome, escreve para alguém também sem nome: se abre como um livro. Na quarta capa da edição que li, alguém fala que Clarice busca “desvendar as profundezas da alma”, discordo; Clarice ousa tocar os meandros da linguagem, sua pintora está “atrás do que fica atrás do pensamento”.

Para isso, a carta-livro, na verdade, dissimula um intenso fluxo de consciência, um fluxo que só é interrompido por pausas na própria escritura, isto é, a narradora-personagem avisa que parou de escrever, faz questão de frisar a importância do presente para sua própria escrita. Para, contempla, retorna.

Se “este instante é. Você quem me lê é” (Clarice Lispector), o livro então é a captura deste instante tal como uma tela? A narradora passeia pelos objetos, a metáfora e a metonímia são aliadas para que ela se aproxime dos instantes de cada objeto, do relance que eles perpassam ao olhar dela. Apesar da pintora se expressar em um suporte diferente (não a tela, mas o papel), o olhar é o mesmo: o olhar de uma pintura atenta ao presente.

O que é o it, a coisa do que Clarice fala? Para alguns, algo como a essência de tudo. “História não te permito aqui. Mas tem it. Quem suporta?” (Clarice Lispector). Não há enredo, mas há substância, uma seiva que pulsa.

Livro para ser observado como uma tela, ou uma tela para ser lida como um livro? A primeira opção, evidentemente. A pintora faz literatura, estreita o momento, apesar de admitir a mesma finalidade (quando pinta e escreve), cada linguagem guarda sua especificidade, seu trato com a arte.

Livro para ser relido, esquecido e lido de novo, Clarice não ousa um fim, mas exclusivamente o meio.
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Flavia_Lo 21/08/2023

Meu primeiro contato com um livro da Clarice
Abrir esse livro é como abrir o coração da Clarice, é uma enxurrada de sentimentos, de uma sensibilidade tão acolhedora.

Me senti entendida, me identifiquei muito com tantas coisas que ela escreveu, parece que ela é uma amiga que está desabafando comigo.
Esse livro começa e não para mais, ela vai emendando uma linha de raciocínio na outra, criando ligações entre um tema e outro de uma maneira muito fluida, não consigo imaginar alguém fazendo isso com tanta maestria que não seja ela.


A escrita dela junta tudo que eu mais amo: é linda, densa, poética e depressiva (sinto que somos muito parceiras de dodói kkkkkkkkkk)

É tão fácil se identificar com o muito que ela sente, porque os sentimentos transbordam das páginas e chega até você de uma forma leve como um soco. Uma enxurrada de sentimentos.

Enfim, agradeço as pessoas que panfletam muito os livros da rainha, agora quero ler mais, refletir e me identificar com tudo.

Leria até sua lista de compras, Clarice.


obs. Nós, mulheres meio Clarice Lispector, compartilhamos o mesmo nível de humor. ?Seria muito engraçado se um táxi me pegasse, me atropelasse e eu morresse?
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Jorlaíne 24/04/2023

Uma aula de escrita!
Clarice ensina como escrever em fluxo de consciência. Uma escrita extremamente intimista que retrata o existencialismo.
Uma perfeição em forma de livro!
Mas não procure lógica, nem enredo. Aqui o ilogismo impera, assim como em nossa consciência.
Clarice é só A Perfeição??
@aartemesalva 24/04/2023minha estante
Quase comprei o livro de cartas dela ontem. Resisti a tentação. Hahaha


@aartemesalva 24/04/2023minha estante
Mass, ainda quero ler Claricee


Jorlaíne 24/04/2023minha estante
Você realmente tem que ler Clarice ?. Mas não comece por esse?. Os contos dela são melhores pra iniciar e depois vá de A hora da estrela??




3.0.3 13/01/2024

Minha palavra estala no espaço do dia. O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo
“E neste instante-já vejo estátuas brancas espraiadas na perspectiva das distâncias longas do longe – cada vez mais longe no deserto onde me perco com olhar vazio, eu mesma estátua a ser vista de longe, eu que estou sempre me perdendo.”

Água viva (1973), de Clarice Lispector (1920-1977), ressalta e aprofunda traços de uma escrita fragmentada, com poucas descrições e contaminada pela musicalidade – características menos presentes em outros trabalhos da autora. Sem divisões, a obra é uma sequência de pensamentos e sensações que estabelece um profundo diálogo com questões existenciais, sob uma ótica tão singular.

Água viva é uma potência que nos arrebata pelo seu ardor, pela sua chama, pela sua violência e, sobretudo, pela sua vida, cadenciado numa linguagem que se aventura em um emaranhado espesso de palavras. O livro convoca imagens para experienciar o contato com o mundo e com a essência primordial da vida. Água viva, aliás, sugere fluxo contínuo, deslocamento, energia e o pensamento de que tudo está em constante movimento e em profunda mutação.

Na obra, alguém escreve para alguém, mas, como não sabemos quem são os portadores das vozes, cabe-nos supor que é um livro de ninguém para ninguém, ou seja, uma obra endereçada a nós, leitores. Em uma corrente de consciência contínua que nos suspende o fôlego, ressoa a voz que transita em diversos planos, revelando as suas inquietações, as suas buscas, os seus desejos, incorporando aspectos da natureza e movimentos animais. Com um enredo sutil (ou nenhum), é uma obra que não contém os elementos que normalmente estruturam e compõem um romance.

“Em redor da sombra faz calor de suor abundante. Estou viva. Mas sinto que ainda não alcancei os meus limites, fronteiras com o quê? Sem fronteiras, a aventura da liberdade perigosa. Mas arrisco, vivo arriscando.”

Sabe-se agora, neste “instante-já”: nós e a nossa liberdade, prisioneira e angustiante. Água viva é, de forma paradoxal, uma obra que transborda sensações presentes, trançando e transformando, ao mesmo tempo, o estado de inércia das coisas às coisas que são mutáveis. Nesse campo mágico, com água e fogo, rimbomba a voz que sussurra e grita o “instante-já” dentro da noite. No desenrolar de cada segundo que arquiteta o tempo presente – onde as fronteiras do “cá dentro” e do “lá fora” são cada vez mais nebulosas e imperceptíveis –, essa voz que nos atravessa ao longo da narrativa busca compreender, de forma obstinada, a sua solidão e a solidão daqueles que habitam esse tempo-espaço fragmentado de relações.

Assim, Água viva expõe a inquietude metafísica e o declínio psicológico, celebrando o núcleo da natureza mais íntima. E essa frequência narrativa que atravessa todas as instâncias da obra fragmenta e embaralha os parâmetros da escrita, desestabilizando a linguagem, mostrando o seu outro lado, que é o silêncio. Compreende-se, portanto, que não é uma obra feita para ser entendida, mas sentida (como a música), visto que transborda experiências profundas de vida, que solicita a cada frase um olhar atento e sensível. Espiral, Água viva é um livro que nunca termina, porque nunca começa.

“O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na úmida e escura madrugada.”

Nos instantes em que a obra parece soar ilogicidade, prevalece a força da linguagem, sempre intensa e sensorial – aspectos marcantes nas obras da autora. É notável a maneira como essa voz narrativa transita entre assuntos, partindo quase sempre de aspectos triviais. Jogando com as palavras, fundando pensamentos e sensações, sopramos uma leitura que nos faz ultrapassar os limites do corpo e que nos conduz a outras zonas, mais sutis e místicas.

Aqui, trançando as palavras para erigir o tempo, fundimo-nos ao presente, lâmina afiada, e sentimos (não compreendemos) a correnteza que funda a alma e a arrasta. Sim, Água viva é uma correnteza que nos funda a alma, abrindo diálogo com todas as dimensões do tempo que nos lapidou, que nos lapida e que ainda nos lapidará. Para isso, basta mergulhar nessa correnteza, de peito aberto e mão cerrada, sem querer silenciar os fantasmas que espreitam na sombra, sem querer represar as sensações que pulsam na boca.

“Evola-se de minha pintura e destas minhas palavras acotoveladas um silêncio que também é como o substrato dos olhos. Há uma coisa que me escapa o tempo todo. Quando não escapa, ganho uma certeza: a vida é outra. Tem um estilo subjacente.”

Durante a leitura, somos capturados por essa centelha temporal que brilha de quando em quando: o “instante-já”. É uma voz tão íntima do mundo que está se distanciando, partindo, mas que antes nos deixará na garganta o sabor amargo das coisas que tentamos esquecer, revivendo aquilo que tentamos silenciar. Água viva é uma obra que solicita a nossa intervenção.

Se ainda nos é complexo desvendar Clarice Lispector nos dias de hoje, o que nos fica claro aqui é que não há qualquer chave de leitura que nos faculte uma compreensão correta dessa obra enigmática e inquietante. Entre a prosa e a poesia, Água viva é um livro brilhante e desafiador que celebra, com uma alegria intensa, com uma tal aleluia, a existência de tudo o que existe – profundamente.

“Sim, o que te escrevo não é de ninguém.”
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Jeane Tertuliano 20/02/2023

Excepcional!
A escrita de Clarice é visceral, mas em Água Viva, sinto um tom poético tão sublime! A dona Lispector é sem igual! Recomendo a leitura desse livro-poesia!
Andrea340 21/02/2023minha estante
Esse é simplesmente maravilhoso! ?


Jeane Tertuliano 22/02/2023minha estante
Demais! Amei!




Tiago Bessa 16/10/2021

Trechos
Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre. Nem nunca haverá. Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?

Ocorreu-me de repente que não é preciso ter ordem para viver. Não há padrão a seguir e nem há o próprio padrão: nasço.

[...] A coisa vivida me espanta assim como me espanta o futuro. Este, como o já passado, é intangível, mera suposição. [...] Estou nesse instante em um vazio branco esperando o próximo instante, cortar o tempo é apenas hipótese de trabalho. Mas o que existe é perecível e isto obriga a contar o tempo imutável e permanente. Nunca começou e nunca vai acabar. Nunca.

Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida. Tomo conta para não me ultrapassar. Há nisto tudo aqui grande contenção. E então fico triste só para descansar. Chego a chorar manso de tristeza. Depois levanto e de novo recomeço.

[...] Poderia dizer "tudo". Mas "tudo" é quantidade, e quantidade tem limite no seu próprio começo. A verdadeira incomensurabilidade é o nada, que não tem barreiras e é onde uma pessoa pode espraiar sem pensar-sentir.
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Fabio Shiva 13/05/2011

Clarice é irresistível! Bruxa sedutora e poderosa!
Cheguei na metade do livro. E já deu vontade de começar a resenha, pois em tão poucas páginas quantas coisas já me fez pensar!

Ao pesquisar na Internet soube que esse livro inicialmente se chamava “Atrás do pensamento: monólogo com a vida”, e que depois foi renomeado como "Objeto Gritante". Soube também que Cazuza leu “Água Viva” 111 vezes!

Fui pesquisar para saber qual veio depois, se esse ou “A Paixão Segundo G. H.” (e foi “Água Viva” mesmo). Pois a impressão maior é que Clarice continuou trilhando o caminho delineado em “G.H.”, ultrapassando as fronteiras que ela mesma havia expandido, audaciosamente indo onde escritor nenhum jamais esteve...

Ou quase. Sinto uma secreta irmandade entre Clarice Lispector, James Joyce, Hermann Broch, Ferreira Gullar e um ou dois dos heterônimos de Fernando Pessoa (o Alberto Caeiro e o Álvaro de Campos). Irmandade sentida, intuída na poderosa lucidez com que usam as palavras para expressar o que não pode ser dito com palavras...

...é de tirar o fôlego!


Livro Abstrato
Por alguns aspectos, achei “A Paixão Segundo G.H.” superior.

O fiapo de história que conduz essa obra é veículo mais que adequado para as reinações de Clarice. É impressionante o suspense que ela obtém com a repetição da frase no fim e no início de cada capítulo!

Em “Água Viva”, porém, nem esse fiapo existe! Clarice se propõe a escrever um livro como se fosse uma pintura totalmente abstrata, sem nenhuma conexão com algum objeto exterior. Essa proposta é explícita já na abertura do livro:

“Tinha que existir uma pintura totalmente livre da dependência da figura – o objeto – que, como a música, não ilustra coisa alguma, não conta uma história e não lança um mito. Tal pintura contenta-se em evocar os reinos incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna consciência” – Michel Seuphor

Por essa citação mesma percebe-se que Clarice reconhece de partida que a “pintura abstrata” é, na verdade, impossível, uma meta inatingível. Pois a pintura é sempre figurativa, sempre faz uma referência ao objeto.

Imaginem então a ousadia de Clarice – menina travessa!!! – em escrever um livro que é como um quadro impossível de ser pintado!!!


Paixão Viva

Só por essa audácia o livro já vale a pena. Ocorre que a leitura gera uma certa estranheza no início (eu pelo menos senti), e até mesmo um questionamento da validade de prosseguir a leitura (pois seguindo essa proposta o livro poderia ter só 10 páginas, ou 1.000, e estaria expressando da mesma forma seu objetivo), justamente pela falta desse fiapo condutor.

Acho que Clarice mesma sentiu essa necessidade:

“De vez em quando te darei uma leve história – área melódica e cantábile para quebrar este meu quarteto de cordas: um trecho figurativo para abrir uma clareira na minha nutridora selva.”

O que importa é que, vencida a resistência inicial, Clarice opera a sua magia, abrindo aqui e ali vislumbres do intraduzível, que ela captura não sei por qual magia, não só com palavras, talvez com palavras e silêncios, ritmos, mensagens subliminares...

Não sei como Clarice faz isso. Mas há magia nesse livro!


Pérolas

“Quem for capaz de parar de raciocinar – o que é terrivelmente difícil – que me acompanhe.”

“Depois de certo tempo cada um é responsável pela cara que tem.”

“O que vai ser já é.”

Viva Clarice!!!

(e ainda estou na página 38!!!)

(11.05.11)


A alegria do it

Que sincronicidade Clarice falar tanto de it!

Passei a semana passada pensando sobre isso: não temos em português como expressar o que a palavra it expressa em inglês. Já sabia disso, é claro, mas voltei a pensar no assunto ao ver em um filme a mesma frase que li em um livro do Ed McBain, e dita nas mesmas circunstâncias. Está lá o casal, no bem bom do sexo, e lá pelas tantas a mulher diz para o homem:

“Give it to me! Give it to me!”

Não tem como dizer essa frase em português, com todas as suas possibilidades eróticas e escatológicas. O mais próximo disso fica bem longe, seria o nosso familiar: “Goza, benzinho, goza!”

Por incrível que pareça, dediquei algumas horas e sinapses refletindo sobre esse assunto. Pois perceber algo assim é notar como o nosso pensamento é engaiolado pelas palavras, pelo idioma que falamos, e como é preciso expandir nossa capacidade de pensar para além das palavras.

É claro que tomei como uma prova de que não sou um louco, e sim um sábio por pensar nessas coisas, ao ver a insistência com que Clarice bate nessa tecla do it, e aproximadamente pelos mesmos motivos!


Para entender “Água Viva”

A própria Clarice explica, sem mistério:

“Tente entender o que pinto e o que escrevo agora. Vou explicar: na pintura como na escritura procuro ver estritamente no momento em que vejo – e não ver através da memória de ter visto num instante passado. O instante é este. O instante é de uma iminência que me tira o fôlego. O instante é em si mesmo iminente. Ao mesmo tempo que eu o vivo, lanço-me na sua passagem para outro instante.”

Não é o fluxo da consciência o que Clarice persegue (embora sua prosa acabe de certa forma resvalando no fluxo). O que ela busca é o silêncio entre dois pensamentos. Você já parou para pensar nisso? Entre um pensamento e outro, existe uma interrupção, um salto, um solavanco. Perceber isso é se fazer a essencial pergunta: quem será esse “eu” que pensa meus pensamentos? Onde está esse “eu” no intervalo entre dois pensamentos? Refletir sobre isso liberta de muita ilusão.

Esse é o cerne, creio eu, desta obra tão sui generis!


Momento íntimo

Particularmente tocante é o momento em que Clarice torna o leitor/interlocutor em parceiro das agonias e êxtases de seu processo criativo.

Clarice põe-se nua, não uma nudez majestosa de revista Playboy, mas aquela nudez embaraçosa, que revela fraquezas e imperfeições. Ela ter escrito essas confissões com o peito tão aberto não surpreende. Mas sim ter corajosamente deixado esse trecho tão revelador ser editado e impresso, para todo mundo ler. Ninguém pode dizer que essa moça não é corajosa!

Ler esse livro foi uma aventura intelectual única! Experiência que só foi igualada (e, devo dizer, superada) por “A Paixão Segundo G. H.”, que considerei mais perfeito, mas não menos intenso ou autêntico que “Água Viva”.

Vale a pena passar por essa experiência!

Viva Clarice!

(13.05.11)


Comunidade Resenhas Literárias

Aproveito para convidar todos a conhecerem a comunidade Resenhas Literárias no Orkut, um espaço agradável para troca de ideias e experiências sobre livros:
.
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=36063717
Léia Viana 22/05/2011minha estante
A maneira como você descreve a emoção que um livro lhe passa me deixa extasiada!

Clarice é única. Tenho a sensação que ao reler novamente uma de suas obras descobriremos sempre mais, mais de tudo.
Linda resenha, muito bem escrita.


Fabio Shiva 22/05/2011minha estante
Oi querida!
Que bom compartilhar essa leitura tão maravilhosa com você!!!
Valeu pelo carinho e pelas palavras!


Matheus 15/01/2012minha estante
Parabéns pela resenha! Concordo com você em tudo que disse. Esse livro é único!




Tice 22/01/2024

Água Viva
É Clarice Lispector.
E sendo Clarice Lispector não cabe a mim entender, apenas sentir. Portanto, foi o que escolhi (e nem sei se tenho outra alternativa) enquanto lia mais uma obra de Lispector. Em Água Viva a autora nos conduz a um labirinto de sensações, controvérsias e reflexões diversas. O livro é curtinho, um pouco menos de 100 páginas, mas de uma complexidade exigente. Dividi em três momentos distintos, pois precisei de tempo para absorver a trajetória das ideias e pensamentos. Na obra a autora escreve uma carta (poesia em prosa) para alguém que ora entendemos ser amado, ora não há tamanha clareza. Uma narradora que não se identifica, também nos transfere para o lugar de inquietações múltiplas.

Quem gosta dos clássicos, eu indico.
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M.R. 07/04/2023

Para sentir
Clarice Lispector escreve todos os seus livros com a alma; portanto, devemos ler com a alma também. Não é pra entender tudo o que ela fala e sugar significado de tudo, é para sentir, ela mesma diz: "O que estou te escrevendo não é para se ler - é para se ser." SEJAM CLARICES.

Esse livro abordou diversos assuntos que me interessam muito, como por exemplo: a liberdade. Clarice sempre faz referência sobre liberdade em seus livros e acho que é porque ela sempre estava em busca dela; me identifico tanto pois também estou procurando pela tão falada liberdade - e nunca vou parar. No livro, a artista diz que ela não vai se encaixar em nenhum gênero - vai viver o que quer viver, porque o Universo é grande demais e a morte real demais para se importar com coisas supérfluas. Carpe diem.
Confesso não ter uma boa relação com a morte, afinal ninguém sabe o que acontece. Seria o sonho de um sonho de um sonho como a artista pondera ser? Só sei que, como ela, não tenho coragem de me aproximar da morte. Por isso, devemos aproveitar todos os instantes-já. O tempo é relativo, mas é o que nos sobra e o que nos resta.
Além disso, eu adorei a parte em que ela fala sobre as flores. Eu amo flores, e me fez lembrar daquela frase da Anne Frank: "Os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão." Deem flores para os queridos.

Gostei muito desse livro porque fala de tudo o que eu mais gosto: arte, palavras e música. E gosto principalmente da relação criada entre a artista e as palavras. É lindo ver como ela fica tão íntima de se expressar por elas - ficamos íntimas da artista por conta disso.

E por fim, amo como a Clarice fala sobre amar sua própria companhia. Como nunca estamos em solidão porque temos nós mesmas.

Um livro incrível, para ser lido com sensibilidade. Clarice é a minha religião.
Mel Freire 07/04/2023minha estante
Esse livro tá na minha lista de leituras desse ano. Também sou suspeita sobre Clarice. Adorei seus comentários, me motivaram ainda mais a fazer a leitura em breve.


M.R. 07/04/2023minha estante
Fico muito feliz de ouvir isso???




Martony.Demes 16/06/2023

Um livro bem complexo e ao mesmo tempo com muita informação precípua sobre a escritora! Praticamente, pelo que entendi, ela escreve tudo sobre o momento que está passando! Seria tipo eu escrever tudo que passa em minha cabeça mas organizando as ideias e sem parar.

Posso tentar fazer essa atividade e ver o que dá! Claro, estamos falando de uma das maiores escritoras do Brasil e que tem um repertório gigante!

Prometo ler ou ouvir novamente o livro e pegar e anotar diversas ideias especificas e anotá-las!
Ana Carol 16/06/2023minha estante
Deu vontade de ler!




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