Rapudo 14/08/2021
Inicialmente, tive impressão de que seria um livro com forte caráter alegórico, e fiquei bastante ansioso na tentativa de relacionar as eventuais alegorias apresentadas na abertura do livro com fatos históricos. Como não conheço muito da história de Moçambique, já viu né, foi um fracasso total!! Não recomendo esta abordagem. Na real, reconheço que entrei numas. O desejo inicial era ler o terra Sonâmbula, do Mia Couto. A Ju Wallauer, do Mamilos Podcast, comentou num dia desses que o livro do Mia era duríssimo, e recomendou este livro da Chiziane como um contraponto poético. Por paradoxal que fosse, seria um ótimo complemento. Resolvi acatar a sugestão. Mas antes, encaixei o Caderno de Memórias Coloniais, da Isabela Figueiredo, que tem mais ou menos a mesma temática.
Foi e está sendo um aprendizado. Porque ao relacionar este livro com a história de Moçambique, criei a expectava de uma sequência de fatos lineares, uma série de nomes, datas e eventos.
E não é exatamente por aí que a autora constrói o livro.
Quando se diz que deve-se apropriar-se da própria história, através de uma epistemologia que não seja a do colonizador?
Este livro é isso e sobre isso.
Ela nos fala sobre a história de Moçambique, mas pela perspectiva do povo, seus conflitos internos e externo. Suas manifestações, cosmogonias, culturas e resistências.
E mesmo assim, também nos entrega marcadores cronológicos e caracteriza eventos como a política salazarista, a independência e elementos da guerra civil.
É um lindo livro. Alegórico, metafórico, poético, sensível e brutal ao mesmo tempo. Tenho inveja de quem leu em conjunto com outras pessoas, porque eu certamente não consegui atingir todas suas camadas.
A abordagem é crítica à violência de gênero, de raça, e indica o quanto estas são constitutivas da experiência colonial.
Vi muita gente reclamando do final do livro, por diferentes motivos.
Achei coerente com a ideia de construção do país, aponta para um futuro nas mãos dos moçambicanos, e, pelo que entendi do estilo, bem afeito às narrativas orais que permeiam e constituem o livro.
E tive a impressão de que romance todo o traz o leitor a um poema curto, de seis versos, que encerra o livro, como se para dar o sentido mais amplo para ele.