theusiapixel 29/03/2024
Um papo de bar sobre as virtudes de emoções negativas
2013 foi nada fácil. O primeiro ano após o imenso levante de ansiedade e expectativa a respeito do tão previsto (e aguardado) fim do mundo, o qual teria acontecido em 2012, no Brasil é iniciado com uma das mais marcantes tragédias, ocorrida em uma casa noturna gaúcha; já mais adiante a justiça condena um ex-goleiro e outro ex-advogado, cujos nomes obviamente não são dignos de serem relembrados aqui no texto, pelo feminicídio das suas respectivas ex-companheiras, Eliza Samudio e Mércia Nakashima; por fim, não menos importante, testemunhamos toda a repercussão das jornadas de junho que movimentaram o país como um todo; e para adocicar esse espesso caldo de desventuras, tivemos a ampliação dos direitos das empregadas domésticas. Foi um período pós-pseudoapocalíptico bastante surreal, e lá estava eu, ancorado a alguns dilemas da adolescência e prestes a entrar no ensino médio, comprando este livro numa estreita banquinha antiga da minha humilde cidade.
No geral, O Lado Bom dos Seus Problemas é uma ampla reportagem feita por Maurício Horta, jornalista da Superinteressante, que deslumbra de forma simples e sumária a natureza agridoce de alguns comportamentos e emoções negativas, bem como transtornos possivelmente oriundos delas, buscando ilustrar a profundidade de cada a partir de estudos na área da antropologia, ciência, filosofia, história e psicologia, mas também compartilhando com seu leitor experiências pessoais congêneres aos temas. O resultado disso é uma espécie de ponderação refletida na sua vasta matéria, incabível para ser lançada em algumas páginas da tal revista, e condensada em um gostoso e caloroso papo de bar, sem uso ou abuso de termos ou dialetos intricados ou nichados. É como visitar a sua própria sala de controle, rever traumas ou vivências afins com as respectivas temática, e processar tudo minuciosamente até obter um insight, e obter daquilo algo essencial para a sua própria trajetória.
Em contrapartida, é óbvia a impossibilidade de usar os óculos de Poliana para perceber algo positivo em toda e qualquer ocasião — e diga-se de passagem, o próprio autor faz esse disclaimer em seu prólogo. E isto é uma certa incompreensibilidade latente em alguns dos lançamentos de autoajuda ou de pessoas que abusam de crença ou da perspectiva resiliente para eclipsar oportunidades para compreensão dessas emoções, por quê elas aparecem, agem desta forma, e como dialogar com elas corretamente. E isso em um mundo pós-globalização, mas especificamente num país cujos dados alarmantes apontam uma piora significativa da saúde mental da sua população — a princípio, estudos recentes destacam uma massiva procura por serviços de atendimento psicológico no Brasil pós-pandêmico —, é de total importância a ser discutido para desmistificar várias das leituras errôneas a respeito do dinamismo emocional e comportamental humano.
Anualmente, eu revisito este livro. A Superinteressante tem um formidável legado no jornalismo nacional por sua peculiar maneira de traduzir o hermetismo científico para a linguagem cotidiana, o que aproxima indubitavelmente o leigo, mero apaixonado por essa seara, dos ramos das ciências, com uma boa jogada de humor. E com essa obra isso, não é diferente. O Lado Bom dos Seus Problemas não é exatamente a enciclopédia dos sentimentos ou transtornos, nem é uma versão alternativa do conceito de autoajuda, e muito menos se propõe a nos ensinar algo arrebatador ou revelador. Portanto, apresenta-se aqui um texto jornalístico simples e ilustrativo, o qual ocasionalmente permite-nos conhecer um pouco da vida do autor, além dessas emoções negativas e transtornos dos quais várias pessoas ainda buscam distanciamento, e não o aprofundamento, conforme aguça o nosso interesse pelo debate desses assuntos para a compreensão dos nossos próprios erros e particularidades. É, em termos práticos, como seria dividir uma boa gelada com o seu terapeuta num sábado à noite.
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