Carlos Nunes 22/02/2024
E se....
Nesses quase 80 anos após o fim da II Guerra, muito se especulou sobre o regime nazista, sobre as mentes perversas que criaram e implantaram as suas ideias absurdas, e se algo semelhante poderia surgir novamente. Não faltaram teorias a respeito, algumas aproveitadas pelo cinema e pela literatura, com resultados bem variáveis, e uma das melhores obras sobre esse assunto é esse OS MENINOS DO BRASIL. Um dos grandes figurões do regime nazista que sobreviveu e passou a ser caçado por todo o mundo foi o médico-chefe do campo de extermínio de Auschwitz, Josef Mengele, conhecido como o “Anjo da Morte”, responsável por centenas de mortes cruéis no campo, decorrentes de experiências “médicas”, principalmente com gêmeos. Sabia-se que ele vivia em algum lugar da América do Sul, circulando entre Paraguai, Argentina e Brasil, mas nunca foi pego, e acabou morrendo afogado em uma praia do litoral paulista, em 1979. Mas durante todo esse tempo, o que será que ele ficou fazendo aqui no Brasil? E é especulando em cima desse tema que Ira Levin escreveu esse livro.
E esse é um daqueles livros que merece ser lido sem que se saiba nada a respeito, não que saber sobre a história chegue a prejudicar, mas com certeza não saber nada faz com que a experiência de leitura seja ainda melhor, porque os segredos vão sendo revelados aos poucos, vamos sabendo de tudo junto com os personagens, e esse suspense é um grande atrativo do livro. Em 1974, o caçador de nazistas Yakov Liebermann recebe um telefonema do Brasil, de um jovem repórter que afirma ter acabado de gravar uma reunião secreta de uma célula nazista organizada pelo Dr. Mengele em um restaurante paulista, e que essa reunião aconteceu com o intuito de enviar seis ex-oficiais da SS para vários países do mundo, com a missão de matar 94 homens. Mas essas vítimas têm algumas características em comum: todos são funcionários públicos, têm 65 anos de idade e devem ser mortos em datas específicas, ao longo de vários anos. Mas a conversa é terminada abruptamente, antes que o Liebermann possa ouvir quem são essas vítimas. Então ele nem se anima muito com essa ligação, achando que pode ser uma pegadinha, até que acaba descobrindo que os assassinatos estão realmente ocorrendo. Mas como a morte de todos esses funcionários públicos idosos poderia levar ao surgimento do Quarto Reich e aos ideais de supremacia da raça ariana? E o livro vai criando um suspense aos pouquinhos, a gente vai descobrindo tudo passo-a-passo, juntamente com o Liebermann. Então, até a metade, a ação é meio picotada, com cenas avulsas aqui e ali, aparentemente sem conexão, até meio parado, mas quando o Liebermann finalmente descobre qual é o plano do Mengele, aí não dá mais para largar o livro até chegar ao final, que é excelente!
E da mesma forma que fez em O BEBÊ DE ROSEMARY, o Levin deixou um final especulativo, em que fica a sugestão de que a situação se resolveu, o incêndio foi apagado, mas pode ter restado alguma centelha que, com as condições certas, pode reavivar o fogo. Mas, no final das contas, fica a lição de que, seja a que pretexto for, em nenhuma hipótese há desculpa ou motivo para fazer o que os nazistas fizeram no Holocausto. O livro fez um grande sucesso e pouco depois, em 1978, foi levado para o cinema, numa adaptação estrelada por Laurence Olivier e Gregory Peck, que fez um grande sucesso, concorreu a três Oscars, inclusive para o Laurence Olivier como melhor ator, é um filme que prende a atenção, mas é um filme dos anos 70, então para os padrões de hoje tem alguns problemas. De qualquer forma, vale bastante a pena ser assistido.
E uma curiosidade que tive depois dessa leitura foi como o próprio Mengele recebeu essa obra… Tanto o livro quanto o filme foram grandes sucessos mundiais, e o Mengele, mesmo vivendo escondido e com identidade falsa, não era recluso, participava de eventos sociais e levava uma vida normal, então é quase impossível que ele não tenha tomado conhecimento dessa obra ou até mesmo assistido o filme no cinema…
Essa é uma obra que ainda hoje traz questões importantes, é um suspense de primeira, e que merece ser resgatada do limbo.