yasminalbu
20/09/2017É muito comum, quando a leitura vem em forma de obrigação, que ela não seja tão prazerosa quanto se apresentasse de forma natural. No caso de Inferno, quarto livro da autora brasileira premiada Patrícia Melo, eu não sei muito bem até que ponto a obrigação se sobrepôs à toda a história enquanto problema.
Escrito na virada do século, publicado no ano de 2000, Inferno pode ser considerada uma obra atemporal. Talvez pelos temas abordados pela autora: tráfico de drogas, violência urbana e doméstica, gravidez na adolescência, corrupção policial, relacionamentos abusivos, vícios, descaso do poder público, o impacto da religião na sociedade (ainda que de forma bem leve) e até mesmo machismo. Todos eles centrados na figura de Reizinho, morador de uma favela da cidade do Rio que começa a história com onze anos.
Um dos problemas que tive com Inferno é que a autora pegou todos os estereótipos desses temas e escreveu um livro com eles. Mas vamos por partes, a começar pela narração.
O livro é todo narrado em terceira pessoa e, inicialmente, a narração segue um estilo minimalista, com o qual tive certo problema e que, quando finalmente acostumei, foi abandonado. Assim mesmo, de repente. As mudanças de ponto de vista na narração também não são muito demarcadas, tendo alterações de uma frase pra outra, o que em alguns momentos me deixou pensando sob influência de quem eu estava ao ler.
A questão dos clichês, eu até entendo. O livro foi escrito em São Paulo e mesmo com muita pesquisa, talvez fosse arriscado para a autora fugir muito das informações a que ela tinha acesso. Mas achei meio demais.
O menino pobre que se envolve com drogas desde novinho e ninguém na família percebe porque tá todo mundo afundado demais nos próprios problemas, que incluem: um trabalho com patrões abusivos, um relacionamento clandestino que culmina em uma gravidez indesejada ou simplesmente a velhice. Tudo isso na minha opinião é relevante de ser abordado. Eu só não acho que a forma com que isso aconteceu foi ideal.
Em certo ponto, eu que sempre tento ser razoável quando o tema é delicado, achei que ela romantizou um bocado a questão do tráfico, de uma forma que o Felipe Pena, por exemplo, não fez.
A questão sobre como aquele núcleo encara a religião e a figura de Deus também é muito interessante, mesmo que não seja aprofundada. De forma geral os personagens usam a igreja como apaziguador para os seus "pecados" ou a ignoram com o discurso de que sua influência não é real, nem profunda.
Agora o que mais me incomodou é que todas as mulheres retratadas na história são burras. Todas, todas, todas. A irmã do personagem, que engravida três vezes de três caras diferentes que sempre a compram com promessas vazias, as duas namoradas dele, a mãe, a avó, a patroa da mãe... Todas! E isso, tendo sido escrito por uma mulher, me deixa bem chateada. A questão do machismo no meio do tráfico não me surpreende, agora um total de zero personagens femininas fortes e relevantes... Não curti. E alguém pode justificar com o período em que o livro foi escrito, que não tinha essa demanda social, mas pra mim o ponto é justamente esse: assim com o tema do livro, essa demanda é atemporal.
Resumindo minha impressão: não é uma história nova, mas que deve ser contada de muitas formas até cansar, porque ela foi socialmente relevante quando lançada, é socialmente relevante agora e, infelizmente, não sei quando deixará de ser. Só não acho que essa tenha sido a melhor maneira.