Renata CCS 29/06/2016Porque a infância nunca vai embora..
"Na infância... Bastava sol lá fora e o resto se resolvia." (Fabrício Carpinejar)
Capas de livros sempre me chamam a atenção. Com NU, DE BOTAS, de Antônio Prata não foi diferente. O rádio da capa é nostálgico, e nos remete de imediato ao passado. E parece te convidar para ouvir... ouvir boas histórias. E é exatamente disso que o livro fala: de memórias de infância, com a bagagem de um adulto e olhar de uma criança.
À medida que avançava na leitura, o livro foi me conquistando. Cada nova lembrança de Prata fez com que revisitasse minhas próprias memórias. São crônicas divertidíssimas, fascinantes, emocionantes. Minha família me pegou rindo alto em várias passagens. Quando ele narra todas aquelas lembranças e tenta colocar no adulto de hoje os questionamentos e ideias da criança que ainda via o mundo como uma aventura por vir, Prata permite que o fedelho que existe dentro de todos nós venha à tona e se divirta conosco. Por isso o livro foi uma deliciosa leitura, pois as crônicas que o compõem fazem a gente se lembrar com um imenso carinho e saudade da própria infância.
Eu fui dessas crianças que brincava na rua, jogava bola, esconde-esconde, tanque de areia, bicicleta... às vezes nem voltava para casa para usar o banheiro (é sério! A amiga que morava no andar térreo vivia abrindo a porta para todas que precisassem fazer xixi, mas não queriam perder muito tempo subindo vários andares). Mas não vivia só de rua: também gostava de ficar em casa assistindo desenhos, montando quebra-cabeças e lendo gibis da Turma da Mônica. Aluna aplicada, sempre levei os estudos a sério, mas, às vezes, acordava pensando numa desculpa para não ir à escola, assim como Prata. Quem nunca fez isso? Tocar campainha e sair correndo? Perdi as contas de tantas vezes. Passeios de finais de semana na kombi do vizinho. Cinto de segurança? Pra quê? Enfim, uma infância normal e feliz, uma parte deliciosa de nossas vidas que o livro de Antônio Prata nos faz recordar com tanta nostalgia.
Agora voltando à infância do autor, ou melhor, às histórias que ele conta de sua infância, algumas das crônicas são extremamente hilárias, e Prata descreve com um bom humor gigantesco a inocência do garoto que não tinha nenhuma responsabilidade ou preocupação com o futuro. Sua narrativa é tão real que desperta aquela sensação boa, nostálgica, gostosa de lembrar do que foi ser criança. Um livro que te desarma, você baixa a guarda e fica indefeso. E como isso é bom na vida que a gente leva.
Leia NU, DE BOTAS, vale muito a pena! E não é só pelo humor e o tom nostálgico do livro, mas nos mostra que, no fim das contas, a infância nunca foi embora. Um livro que enche nosso coração de alegria. E já sinto saudades.
Alguns trechos para inspirar a leitura:
“Nada me causou mais estranhamento, na infância ou depois, do que visitar as casas dos meus vizinhos – primeiro e definitivo contato com a alteridade. As plantas dos sobrados eram idênticas, mas a ocupação variava: na casa do Henrique, por exemplo, a televisão estava onde deveria ficar a mesa de jantar, a mesa de jantar onde deveria estar o sofá, o quarto dele era onde, lá em casa, ficava o quarto dos meus pais e vice-versa. Sem falar na casa do Rodrigo, onde os pratos eram azuis. Como poderiam não saber que pratos são brancos? Tinha pena dos outros, hereges, vivendo errado.”
"Durante meus primeiros anos de vida, a função das cuecas foi um enigma. Pra que usar uma sunga de algodão por baixo da calça, a apertar-nos o pinto, o saco e a bunda, se todas essas partes do corpo era tão agradável o toque macio do moletom? O mistério arrastou-se até o dia em que meu pai, ouvindo-me reclamar da etiqueta de uma bermuda, a me pinicar as costas, sugeriu que eu vestisse uma cueca. Das trevas fez-se a luz. Então era isso, claro: elas existiam para nos proteger das etiquetas!
Como eram engenhosos os adultos: para cada doença um remédio, para cada problema uma solução, cada coisa no mundo tinha uma função. (...)
“Pra começo de conversa, você nem tem certeza de que todos fazem cocô ou se aquele é só um defeito seu e de mais meia dúzia de infelizes, (...) Minhas irmãs eu sabia que faziam cocô. Meu pai, também. Mas o que dizer sobre minha mãe? Minha professora? O Super-Homem? O Bozo? Eles faziam cocô?”