Renata CCS 30/04/2014A simplicidade de uma vida e de uma escrita.
"Aonde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim."(Sigmund Freud)
UM LIVRO DE HORAS, coletânea de poemas de Emily Dickinson, de seleção, tradução e ilustração de Angela-Lago, em edição bilíngüe, é um belíssimo exemplo de poetisa que soube transcender o que havia de mais forte e intenso dentro de si: o amor pela escrita.
Assim como o chamado livro de horas constituía um gênero medieval com iluminuras e continha orações e salmos para as diversas horas do dia, este livro organizado por Angela-Lago se estrutura a partir de poemas e iluminuras, que mais parecem bordados, pois contornam cada texto, impressos em papel especial e com uma linda encadernação vermelha. Talvez isto seja uma homenagem à Emily, pois ela também utilizada desenhos e bordados para ilustrar seus poemas e as cartas que escrevia aos amigos.
Emily é muito sintética, seus poemas são, em geral, muito breves, e ela é capaz de captar um momento insubstituível de observação com um mínimo de palavras. Achei sua poesia instigante, impregnada dos mais profundos valores humanos, sua poesia recria a vida!
O interessante é que a vida de Dickinson chama a atenção pela monotonia e completa ausência de fatos significativos. Sua biografia mostra uma mulher bastante solitária e por vezes depressiva. Mas ao contrário do que poderia ser uma triste história parece ter sido fundamental na sua obra: somente uma pessoa capaz de estar só e não sentir-se constantemente desconfortável com isso é capaz de observar e extrair maravilhas de coisas tão cotidianas, como um jardim, uma montanha ou uma brisa suave, e de temas universais, como a vida e a renúncia, o amor e a dor.
Muito bem a definiu o poeta Carlos Drummond de Andrade, quando afirmou ser ela uma "mulher ultra-sensível e fechada em si mesma como uma rosa que desabrochasse para dentro, cuja floração se revelasse por deslumbrante transparência".
UM LIVRO DE HORAS pode não conter o mais representativo da obra dessa poetisa, mas é, sem dúvida, um belo convite a conhecer mais da escrita de Emily Dickinson!
Vem devagar, Jardim!
A boca desacostumada,
Ruborizada, bebe jasmim
Feito abelha embriagada,
Que a flor alcança tarde,
ao redor do quarto arde,
Néctar, néctar — roga.
Entra, e em bálsamo se afoga.