PorEssasPáginas 03/04/2014
Resenha: O Ladrão do Tempo - Por Essas Páginas
Pois é, eu ainda não conhecia John Boyne. E então comecei justamente pelo primeiro livro de sua carreira, O Ladrão do Tempo, lançado recentemente pela Companhia das Letras, e devo dizer que… como assim eu ainda não tinha lido esse autor?! Bem, agora quero ler todos os outros livros dele. Com uma escrita envolvente, extremamente habilidosa e encantadora, John Boyne me arrebatou. Se o primeiro livro dele foi uma obra-prima como essa… imagina os demais? E lá vou eu respirar fundo porque vai ser difícil escrever essa resenha: sempre é difícil falar do que amamos.
O Ladrão do Tempo é um livro grande: 568 páginas. No entanto, você não sente o passar dessas páginas; o livro flui de maneira tão natural, tão deliciosa, que quando você se dá conta já leu 100, 150 páginas – e isso em em apenas um dia. Portanto, não se assustem pelo tamanho do livro; ele é tão bom que você não vai parar de ler e certamente vai terminá-lo bem depressa.
O livro narra a história de Matthieu Zéla, que começou sua vida na França do século XVIII, deixando o país em um navio com o meio-irmão Thomas, após o trágico assassinato da mãe pelo marido e padrasto de Matthieu. No navio, encontram uma moça misteriosa, Dominique, que se transforma no primeiro e maior amor de Matthieu – mesmo em seus mais de 250 anos de vida. Isso porque, mais ou menos quando alcança a idade de 250 anos, ele começa a perceber que simplesmente não envelhece mais. Isso não é um problema para Zéla, entretanto; ele se recusa a lamentar sua imortalidade, mesmo com a mórbida consciência de que deixa para trás, ao longo dos anos, todas as pessoas que um dia amou ou foram seus amigos. Ainda assim, aproveita sua oportunidade única para observar e ser, ao mesmo tempo, expectador e atuante em vários eventos históricos no passar dos anos.
“Eu não morro. Apenas fico mais e mais e mais velho. (…) Acredito há muito tempo que a aparência é a mais enganosa das características humanas e fico feliz por ser a prova viva da minha teoria.”
Da Revolução Francesa à virada do milênio, esse personagem riquíssimo e muito bem desenvolvido narra de maneira brilhante fatos históricos – ou não – como a Quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, seu encontro com Charles Chaplin, o nascimento da televisão, entre outros. O livro tem três narrativas que caminham lado a lado através das páginas: a história de Matthieu e Dominique, quando o primeiro ainda era um mero garoto, sem saber o longo futuro que o esperava; os anos atuais, nos quais Matthieu enfrenta problemas na emissora onde trabalha e, ao mesmo tempo, tem que lidar – e tentar salvar – seu mais recente sobrinho, Tommy, um ator decadente viciado em drogas; e, por último, os muitos capítulos que narram os acontecimentos entre essas duas épocas. É difícil escolher uma história preferida; é um livro com várias histórias dentro de uma mesma história, e a narração é tão envolvente que assim que você termina um capítulo, lamenta ter que esperar mais outros dois capítulos para continuar aquela narrativa. Essa sensação, no entanto, não se prolonga, pois quando inicia um novo capítulo, John Boyne logo envolve novamente o leitor em uma nova história, com uma habilidade impressionante.
Um fato curioso que permeia todo o livro: os sobrinhos de Matthieu, descendentes de seu meio-irmão, Thomas, geralmente morrem muito jovens, tragicamente, à beira de se tornarem pais. Todos esses sobrinhos têm como nome alguma variação de Thomas: Tom, Tommy, Tomás etc. E Matthieu se sente impelido a cuidar de todos eles de alguma maneira – mesmo que não consiga salvar nenhum (ou talvez ele simplesmente não tenha tentado o bastante).
“Estendi a mão na direção dela e, conforme o fiz, me senti maduro, um adulto, como se o ato de cumprimentá-la selasse minha independência.”
O Ladrão do Tempo é um livro na realidade muito simples, sem nenhuma trama excepcional, mas ainda assim não deixa de ser grandioso – e não apenas no tamanho. A narrativa do autor é habilidosa, envolvente e viciante; é difícil parar de ler o livro, principalmente no meio dos capítulos. Seus personagens são complexos e vibrantes, e o autor transita com maestria pelos fatos históricos, com tamanha confiança e personalidade que faz o leitor realmente acreditar que seu personagem título esteve no centro de todos esses acontecimentos de alguma maneira. A trama, rica e extremamente pessoal, é conduzida com a competência de um escritor que, logo em seu primeiro romance, já demonstra que tem muito a dizer. Obra de extrema qualidade e recomendadíssima. Certamente lerei mais livros de John Boyne.
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