Antiterapias

Antiterapias Jacques Fux




Resenhas - Antiterapias


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jota 29/11/2016

Autoficção photoshopada...
O grande vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2013 foi, merecidamente, Daniel Galera com seu excelente Barba Ensopada de Sangue. Paula Fábrio ganhou, com Desnorteio, o prêmio para estreantes com mais de quarenta anos e este Antiterapias, de Jacques Fux, levou o prêmio para estreantes com menos de quarenta anos (ele nasceu em Belo Horizonte em 1977).

O júri final destacou então que "Fux é uma grande revelação com sua prosa dilacerante. Ele recebeu o prêmio pela intensidade dramática, pelo olhar arguto e pela prosa poética com que arregimenta sua narrativa." Verdade, e a editora Scriptum se lembrou de dizer mais, através de Márcio Seligman-Silva, que JF "surpreende os leitores com sua prosa cheia de ironia e referências à história da literatura." Surpreende mesmo!

Com muitas citações e trechos retirados de obras de diversos monstros sagrados da literatura (estrangeiros e brasileiros), de filmes e canções populares, e sobretudo por suas inúmeras menções a diversos aspectos da cultura judaica (ao nazismo igualmente). Muitas vezes plenas de humor corrosivo (que pode muito bem lembrar o humor de Woody Allen, por exemplo), elas fazem com que Antiterapias seja um livro bastante diferente de tudo o que estamos acostumados a ler normalmente (eu, pelo menos).

Pois o livro de Fux é autoficção, são memórias inventadas, ou lembranças falseadas, ou outra coisa, em que a realidade (história) recebe tratamento de "(...) photoshop, ficção e testemunho", conforme aponta Seligman-Silva. Assim, pense em Philip Roth, Isaac Bashevis Singer, Primo Levi ou Sigmund Freud e outras famosas e cultas personalidades judaicas, mas pense também na literatura de Jorge Luis Borges, Georges Perec, Ray Bradbury, Raymond Queneau e outros mais, tudo junto e misturado, e isso talvez possa dar uma ideia do que é possível encontrar nessas páginas. E quando você for ler vai ver que é tudo completamente diferente do que havia imaginado antes. Ou não: depende da cachola de cada qual, certo?

Nem sempre o livro é divertido ou interessante como nos capítulos iniciais, embora seja sempre surpreendente e aqui e ali tenha uma passagem risível, uma anedota, algo engraçado, espirituoso. Surpreende muito a erudição de Fux (ou sua inteligência, ou ambas) em Humanidades, já que ele estudou Matemática e Ciências da Computação. Mas também fez doutorado em Literatura no Brasil e na França, daí que pode mencionar Riobaldo e Diadorim, do mestre Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas), num trecho e em seguida, ou noutro capítulo, emendar suas ideias com O Sumiço (Autêntica, 2015), a obra que Georges Perec escreveu sem usar a letra "e" em momento algum.

Fux nos conta, a seu modo, a história de sua vida até mais ou menos 2012 (ano do lançamento da primeira edição de Antiterapias). Querendo desde pequeno ser várias coisas, desejando ter diversas profissões ou atividades no futuro (astrofísico, arqueólogo, falsário, cabeleireiro, médico, geneticista, professor e outras mais), fazer sexo com o maior número possível de mulheres etc., aos trinta e poucos anos ele reconhece que encontrou na literatura tudo o que buscou na vida que imita a arte. Sim, de acordo com sua citação de Borges, "que a história tivesse copiado a história já era suficientemente assombroso; que a história copiasse a literatura era inconcebível" , mas não impossível para o escritor mineiro, que é o que é demonstrado em Antiterapias.

A obra não deve ser encarada apenas como autoficção ou algo semelhante. Conforme destaca a editora Scriptum o livro também pode ser visto "(...) como uma sessão de psicanálise em que o personagem principal tenta se desvencilhar das amarras e máscaras judaicas." Nisso, Jacques Fux se mostra (guardadas certas proporções) quase à altura de um Philip Roth ou Woody Allen: acho que posso afirmar isso sem receio de me enganar muito. Recentemente, pela José Olympio, ele lançou Meshugá: Um Romance Sobre a Loucura, que não é uma continuação ou retomada de Antiterapias, mas que tem muito a ver com este livro por analisar conhecidas personalidades judaicas sob a seguinte questão: seriam gênios, seriam loucos, seriam ambas as coisas? A verificar.

Lido entre 24 e 28/11/2016. Minha avaliação: 4,3.
Roberto 03/12/2016minha estante
Ótima resenha.


jota 03/12/2016minha estante
Obrigado, Roberto. É que o livro é tão bom que meu comentário não poderia mesmo sair ruim.




Rafael.Montoito 05/05/2020

Literatura, confissões e um pouco de matemática
Acabei de ler "Antiterapias" e não o consigo comentar em pormenores... e acho que isso é bom. O livro de Jacques Fux é uma autobiografia romanceada (ou uma autobiografia ficcional, ou uma ficção autobiográfica, ou um diário de ilusões ou memórias, nem sei) que narra, de forma não cronológica (mas também não linear, não cíclica... talvez na forma da faixa de Möbius?), sua vida, constituição, aventuras, sonhos, angústias, amores, preferências artísticas e literárias, dentre tantos outros temas, envelopados pela sua origem judaica.
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Os capítulos, nos quais o leitor não consegue jamais identificar quanto de sonho, verdade ou delírio há neles, são cheios de referências e reapropriações literárias, culturais e artísticas, como um labirinto mitológico repleto de surpresas. É impossível, ao final da leitura, dizer que se conheceu o autor, que sua autobiografia é testemunhal, mas é possível afeiçoar-se a ele, tomar-lhe como amigo e confidente de tantas vivências semelhantes, rir com ele e dele em vários pontos.
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Sem querer ofender o autor, a quem pouco conheço mas muito respeito, confesso ter-me identificado bastante com suas buscas e com seus (des)caminhos profissionais, já que também sou graduado em Matemática e amante da literatura. Alguns leitores poderão não submergir tão profundamente nestas páginas por desconhecerem a maioria das referências literárias e matemáticas das quais o autor se utiliza, mas isso é uma limitação do leitor e não dele.
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"Antiterapias", que pode ser lido num final de semana, não poderá ser digerido em pouco tempo: mesmo sem o ter conseguido classificar em um gênero específico, sinto seu eco como se fosse soprado pelas dobras da garrafa de Klein.
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