Autobiography

Autobiography Morrissey




Resenhas - Autobiography


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Daniel 19/11/2013

This Charming Man
Antes de qualquer coisa, sou um grande fã do Morrissey. Não há nenhum outro artista que eu acompanhe há tanto tempo e que eu conheça tanto; tenho praticamente tudo que foi lançado por ele e sobre ele; são do Morrissey e dos Smiths os meus discos favoritos, e gosto tanto destes discos hoje em dia quanto no dia que os ouvi pela primeira vez; nenhum outro artista tem uma postura tão coerente ao longo de todos esses anos, mesmo sendo alguém dono de uma personalidade tão contraditória. Posto isso, minha opinião sobre sua Autobiografia dificilmente será imparcial.

A "Autobiografia" do Morrissey, como quase tudo que se refere ao "maior inglês vivo" (segundo votação dos leitores do jornal The Guardian), gerou polêmica. Neste caso, antes mesmo de sua publicação. Isso por que a editora responsável foi a Penguin Classics, que normalmente só publica obras consagradas de escritores já falecidos. Como Morrissey conseguiu esta honraria é o que seus detratores não conseguem explicar. O fato é que o livro é um grande sucesso editorial.

Minha expectativa era imensa sobre este autobiografia, e felizmente cheguei ao final bastante satisfeito, mas com algumas ressalvas. A narração, que não é dividida em capítulos, segue mais ou menos uma ordem cronológica (mas as vezes volta ou salta no tempo): começa pela infância, passando pela adolescência, e assim por diante. Chamou minha atenção o fato de Morrissey às vezes se deter em assuntos ou descrições que a princípio podem não parecer muito importantes ao leitor, mas que revelam muito de sua personalidade. Ele conta detalhes sobre a vida na decadente Manchester dos anos 60 e 70, sobre sua insuportável vida escolar, sobre a influência da música pop, do cinema e da TV sobre seu cotidiano, sobre seus ídolos, suas aspirações e, é claro, muitas decepções.

Acho que esta Autobiografia é, acima de tudo UM GRANDE ACERTO DE CONTAS. Morrissey é bastante fiel aos seus amigos, como Linder Sterling, Chrissie Hynde, Kristy Maccoll, Angie Marr. E é impiedoso com seus inimigos, ou com aqueles que quiseram o prejudicar, ou que o desapontaram de alguma forma: seu pai (pouco amoroso, pouco incentivador, crítico), o dono da gravadora Rough Trade Geoff Travis, seus antigos professores, Siouxsie Sioux, David Bowie, Bryan Ferry, Sandie Shaw.... e o pior de todos, o crápula Mike Joyce, ex baterista dos Smiths, que enterrou de vez qualquer possibilidade de reunião do grupo quando resolveu processar seus ex parceiros por causa de dinheiro que não merecia.

Durante a leitura, achei que muitos fatos de grande interesse para os fãs são contados rápido demais, ou simplesmente omitidos. Um exemplo: em poucas páginas Morrissey conta que conheceu Johnny Marr, ambos formaram o grupo e logo já estavam gravando o primeiro single e o primeiro disco... Mas muito pouco é contado sobre o processo de composição das músicas pela dupla (pouquíssimas músicas são citadas no texto); quase nada é dito sobre a produção e gravação dos discos, sobre seu dia a dia com Johnny Marr e o resto do grupo; não há comentários sobre a calorosa recepção da crítica, nem sobre os devotados fãs que lotavam os shows desde o começo... Outro exemplo: Morrissey não esclarece nem faz conjecturas sobre o fim dos Smiths, ou sobre os motivos que levaram Johnny Marr a deixar o grupo em 1987. Lembro de ler em entrevistas posteriores nas quais Morrissey admitia o quão devastado ele ficou com o fim do grupo, mas no livro ele evita qualquer tipo de sentimentalidade nesse sentido, e os fatos são contados rapidamente e sem muitos detalhes. Aqui Morrissey simplesmente lamenta o final prematuro do grupo... E há tantas lacunas (por exemplo, por que ele deixou de trabalhar com Stephen Street, seu primeiro parceiro pós Smiths no bem sucedido dico solo Viva Hate; Morrissey nem cita a parceira com Mark Nevin, co autor do Kill Uncle, etc)... Então, para o fã que busca muitas informações, pode ficar frustrado com estas omissões.

Numa célebre entrevista em 1986, Morrissey declarou ironicamente: "Reclamar é tão pouco viril, acho que é por isso que faço isso tão bem!". E ele acaba mesmo reclamando bastante nestas suas memórias. Ele lamenta frequentemente, por exemplo, das posições aquém do esperado dos singles do grupo nas paradas de sucesso. Como bem observou minha amiga Luciana Kaross, "o copo do Morrissey parece SEMPRE meio vazio"... Ou seja, ele sempre olha para o lado ruim da coisa, sempre de maneira pessimista. O que não é uma novidade vinda de alguém famoso por suas letras quase sempre tristes, mas não se pode dizer, por outro lado, que Morrissey não tenha lá suas razões. Toda aquela tristeza e solidão que os fãs conhecem tão bem de suas letras nada mais são que o retrato de sua adolescência solitária e sem perspectivas, como uma baixíssima auto-estima... Morrissey parece não se dar conta que o que ficou para a história do rock não foram as posições nas paradas (uma preocupação neurótica), mas sim o reconhecimento dos Smiths como o grande grupo dos anos 80 (ou de sempre), e não só da Inglaterra, mas do mundo todo; o reconhecimento do grande letrista que ele é, com quase 30 anos de carreira de inegável sucesso de público e crítica, numa posição única no cenário da música. Fica claro também que uma grande parte de suas letras são absolutamente autobiográficas: How soon is now?, The Headmaster ritual, I know its over, Never had no one ever, Late Night Maudlin Street, etc, etc etc.

Morrissey não poupa seus desafetos. Ele deixa claro sua irritação com a incompetência de Geoff Travis, dono da gravadora independente Rough Trade, que no seu entender só atrapalhou a carreira dos Smiths. O julgamento da ação movida pelo baterista dos Smiths, Mike Joyce, contra a Morrissey e Marr - ação esta que jogou uma pá de cal sobre qualquer possibilidade de retorno da banda - o julgamento, este sim, rende várias páginas do livro, e bem embasadas de argumentos. O leitor, mesmo tendo como informação apenas um lado da questão (a versão da vítima, o próprio Morrissey), termina estas muitas páginas com uma certeza: Mike Joyce é um grande mau caráter. As páginas finais são dedicadas aos triunfos mais recentes a partir do disco You are the Quarry: boas posições nas paradas, reconhecimento da crítica, turnes bem sucedidas no mundo todo, fãs fiéis e enlouquecidos por toda parte do mundo.

Reclamações à parte, o que salta aos olhos é como Morrissey escreve bem o que também não é novidade para os fãs, que sabem de cor suas letras tão inspiradas. Como ele é perspicaz na descrição de pessoas (tanto para o bem quanto para o mal), como consegue sintetizar bem passagens interessantes da sua vida fazendo uso econômico e muito certeiro das palavras. Mesmo quando fala de sua vida pessoal, sobre sua família e relações amorosas (com Jake Walters, por exemplo), Morrissey conta e, ao mesmo tempo, não conta muita coisa. Assim, não se desfaz a aura de mistério que o cerca e acho isso é bom.

Sabendo o que vai encontrar pela frente (e principalmente o que não vai encontrar) o leitor que no meu entender, tem que ser pelo menos admirador do Morrissey - tem tudo para achar esta Autobiografia tão envolvente, divertida e poética quanto seus discos favoritos do bardo de Manchester.
Maria Isabel 21/11/2013minha estante
Nossa, eu não devia ter lido sua resenha. (É muito boa e terminei aguçando ainda mais a minha ansiedade.) Mas não me segurei, rs...
Tenho tudo do Morrissey e dos Smiths. Lendo o que você escreveu, não pude deixar de identificar-me. Ando vasculhando todos os dias na web para saber de notícias a respeito da publicação do livro aqui no Brasil. Bem, é isso. Abraços


Flávio 23/01/2014minha estante
Perfeito, Daniel.


ricardo-rodrigues 21/06/2015minha estante
Ja saiu pela editora globo a versão nacional ? tem previsão ?


Daniel 20/07/2015minha estante
Não há previsão, Ricardo. Parece que o Morrissey voltou atrás e não autorizou a publicação em países de língua não inglesa, infelizmente...


3st3r 21/10/2015minha estante
Ótima resenha! Absolutamente NECESSITO conseguir esse livro! :)




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