Sâmella Raissa 26/12/2015Resenha exclusiva para o blog SammySacional
É início do século XVIII e a jovem Moira Black permanece submersa em meio a histórias fantásticas e intensas de piratas como Arabella Snow, aumentando ainda mais o fascínio da garota por aventuras. Sua realidade, porém, passa longe da adrenalina encontrada nos livros, uma vez estando no meio de nobres e demais frivolidades da sociedade que particularmente fazem de sua vida uma verdadeira monotonia. Durante um reencontro inesperado em um baile, certa noite, no entanto, todas as suas convicções de vida caem por terra quando sua cidade é alvo de ataques de piratas. Mais ainda, ela se vê confrontada diante de um segredo recém revelado sobre seu passado e sua ligação para com uma antiga lenda de um tesouro que possui como pista o seu relicário de rubi, deixado por sua mãe antes que esta viesse a falecer quando ainda era pequena. Aparentemente, ela não apenas corre o perigo comum entre os piratas como, também, é parte importante para desvendar a lenda, e após ter seu pai levado pelo temido capitão Blackburn, ela fará de tudo para salvá-lo, tendo, com isso, que adentrar à pirataria e correr contra o tempo e os inimigos.
É meio engraçada a forma como Rubi de Sangue chegou a meu conhecimento. Antes dele, eu já tinha conhecimento da série principal da autora, Os Mistérios de Warthia, os quais possuo desde os contos aos livros um e dois em meu Kindle, mas que ainda não tive a chance de ler. Em contrapartida, há poucos meses Rubi de Sangue começou a ser anunciado pela autora e, tratando-se, então, de um livro único e tendo a sinopse me chamado a atenção tanto quanto a série anterior, decidi aventurar-me pelos livros de Denise Flaibam a partir dele. Pela sinopse intrigante, eu já esperava uma história cheia de aventura e emoção, mas eu fui simplesmente surpreendida pelo enredo e seus personagens, além das expectativas que eu já tinha.
“— [...] Há muito em meu passado que até eu desejo esquecer.
— Você já foi um pirata?
— Você nunca deixa de ser um pirata.”
Para começo de conversa, os personagens por si só já são intensos e marcantes sem precisar de maiores esforços. Cada qual a seu modo possui um passado conturbado ou difícil que acabou por contribuir com uma postura mais firme e por vezes mais agressiva perante determinadas situações no presente. Entre os piratas, principalmente, essa característica é ainda mais forte, culminando na então imagem negativa tida por toda a sociedade para com eles, por mais que, no fim das contas, a autora tenha sido firme ao retratá-los não simplesmente como os piratas que são, mas envolvendo-os em uma postura simplesmente tão humana, de erros e acertos, medos e anseios, que foi mesmo impossível não apegar-se, ao menos um pouco, a alguns deles. Foi o caso de Sebastian Stark, caçado pela coroa inglesa há anos, conhecido como um dos piratas mais ousados, obstinados e influentes dos sete mares da época; um personagem que, à princípio, levou-me a muitos questionamentos e desconfianças, mas certamente foi também um dos que mais me surpreenderam pela sua coragem e força apresentados ao longo da jornada de Moira à bordo do Espírito de Gelo.
“Não que fossem bandidos sanguinários. Podiam ser salafrários, podiam roubar e aproveitar a vida à margem da lei, mas, com o passar dos dias, Moira aprendera que muitos ali foram vítimas das circunstâncias.”
Da mesma forma, porém, os personagens do plano de fundo da sociedade comum também surpreendem bastante. Moira é, sem dúvida, uma das protagonistas mais fortes, irreverentes, corajosas e íntegras que já tive o prazer de conhecer na literatura, e muito me apeguei à personagem e torci por seu triunfo. Ainda que perdida e confusa nos primeiros capítulos após descobrir a verdade sobre seu relicário e toda sua ligação com o tesouro, à medida que vai adentrando à pirataria é visível a evolução de suas habilidades e mudança dos conceitos tidos até então, e mesmo seu amadurecimento acontece de forma gradual, culminando em uma personagem que definitivamente surpreende e cativa o leitor. Foi, assim como Stark, uma das surpresas mais positivas da leitura. Além deles, porém, os demais personagens secundários da narrativa também são muito bem construídos e apresentados, evoluindo da mesma forma gradual e firme ao longo da história, ou simplesmente ganhando ainda mais destaque e reconhecimento por parte do leitor do que tinha até o início do livro.
“— Todos temos os nossos medos, afinal.
— Não achei que você se incluía nisso. — Moira viu-se murmurando bobamente. Tamina ergueu as sobrancelhas em surpresa. — Quero dizer... — encabulada, a menina coçou a nuca. — Você é forte, certo? Destemida, poderosa. Uma pirata.
— Mas ainda uma mulher. — Tamina crispou os lábios. — E o mundo é cruel com as mulheres, senhorita Black. Só aprendi a ser cruel de volta.”
O romance, de uma forma geral, também está presente, mas não foi o foco por vários momentos, uma vez que há muito sobre o que conhecer e desvendar à respeito da lenda que rodeia os personagens como um todo, mas nem por isso significa que foi mal desenvolvido, muito pelo contrário. Ele começa tão sutil e clichê, mas aos poucos vai tomando proporções que, mesmo em meio a um triângulo amoroso, coisa que eu particularmente não costumo gostar muito em livros, ainda assim me cativou e convenceu-me de tal modo que, como raramente costuma acontecer, fiquei dividida entre os personagens. Stark não é o que se possa chamar de mocinho como um todo, mas muito menos chega a ser um vilão; é um ser humano com acertos e falhas como qualquer um, movido, no entanto, por uma vingança particular contra o temido capitão Blackburn, mas que aos poucos mostra-se tão acessível e encantador, a seu modo. Armand, por outro lado, é a calmaria na vida da protagonista, uma espécie de primeiro amor, após terem se conhecido ao acaso ainda crianças mas terem sido separados pouco depois, reencontrando-se só agora no presente da narrativa. Por ser filho do comodoro, Armand tem grandes responsabilidades por cumprir e seguir rigidamente, mas seu amor por Moira é tão grande e puro que mesmo sem querer, seu caminho irá cruzar com o Espírito de Gelo, obrigando-o a integrar à jornada rumo ao desvendar do tesouro.
“— Só espero que essa ideia dê certo.
— Ideias com um toque de insanidade sempre acabam mal, Moira. Mas são as melhores no ramo da pirataria.”
Todos esses aspectos presentes até então já eram suficientes para eu admirar tamanha construção dada por Denise à eles, mas no fim das contas, o desenvolvimento do enredo como um todo chegou para fechar com chave de ouro essa história que me ganhou aos poucos e provou-se muito mais do que a sinopse dava a entender. Afinal, não apenas para com a lenda do tesouro em si, mas cada um dos personagens está ligado de uma forma única com os demais, de forma distinta ou inesperada, e com o passar dos capítulos, as coisas vão tomando forma e ficando cada vez mais chocantes e inusitadas. É uma construção tamanha que, ao fim da leitura, eu ainda estava em choque com tantos acontecimentos e reviravoltas que definitivamente passaram longe do previsível, mas não menos críveis e convincentes como um todo.
O resultado foi uma leitura que me impactou do início ao fim, e surpreendeu-me das mais diversas formas, nos mais diversos momentos, com os personagens mais inesperados e rumos mais imprevisíveis possíveis. Ao encontro da última página, foi impossível não pegar-me relembrando rapidamente tudo o que havia se passado até ali, e mesmo agora, ao escrever esta resenha já um bom tempo depois de tê-lo lido no início desse mês, ainda estou boba com a forma como Denise resolveu concluir a história, de uma forma realmente diferenciada, que aparenta ser algo mas não é, e que nem por isso deixou de me agradar muitíssimo e sendo totalmente coerente com todo o contexto de piratas e o plano de fundo histórico. Uma leitura certamente imperdível para os admiradores, não apenas de uma boa história de piratas e grandes aventuras nos sete mares, mas, também, de personagens incríveis e um enredo inesquecível.
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