spoiler visualizarJúlia 03/08/2021
sem medo de falar ou pensar na Vagina
Esse é um desses livros que demorei um tempão pra ler. Tem vários momentos delicados, que penso que para pessoas que foram diagnosticadas com alguma disfunção sexual (como vaginismo, vulvodínea) ou que passaram por algum abuso, especialmente abuso sexual, são bem difíceis. Mesmo para quem não está satisfeito com sua vida sexual, o incômodo vem, porque para Naomi a sexualidade plena está ligada também com a plena criatividade e saúde física e psicológica de uma mulher.
Apesar dessa dificuldade de digerir o livro que talvez afete uma parcela das mulheres, creio que a leitura pode ser importante para a maioria delas. Em algum momento do livro, a palavra vagina deixou de me incomodar, depois de ir entrando em contato com esse incômodo e vergonha que me parece ser incutido em boa parte das mulheres. A autora também proporciona uma reflexão sobre a sexualidade feminina que talvez nunca antes eu tenha acompanhado, utilizando-se de referenciais como as pesquisas científicas atuais e aquilo que diz o Tantra.
É interessante também acompanhar toda a história da vagina, como ela foi e é vista em diferentes sociedades. Enquanto na concepção do Tantra a vagina é parte essencial de sermos deusas, na época vitoriana ela é um buraco, um portal do inferno. E para nossa sociedade ocidental atual, o que é a vagina? Talvez sua visão dominante seja a da vagina pornográfica, que mereceu um subcapítulo do livro.
A vagina pornográfica é essa que é submetida a um padrão de beleza, assim como todas as outras partes dos nossos corpos. É essa que passa por cirurgias para possuir os lábios das atrizes pornôs, e que não tem pelos. É a que está aos montes por aí, todas iguais, disponíveis aos homens sem que seja necessário esforço, que quando aparece recebe o nome inconveniente de “preliminares”.
Junto com as críticas da autora à imagem que os filmes pornôs vendem da vagina, há uma crítica à pornografia em si e aos efeitos que ela causaria nos cérebros dos homens, principalmente. Há uma crítica um pouco mais superficial ao uso de pornografia pelas mulheres e ao uso de vibradores, que poderia estar ligado a dessensibilização. Essa última parte me pareceu preocupante e, conforme compreendi, não há pesquisas científicas capazes de concluir se isso ocorre realmente ou não. A argumentação de Naomi, nessa parte, envolve mais os relatos de mulheres sobre o tema.
Há uma pequena parte da obra que eu acho essencial: a que Naomi diz, quase no fim do livro, que a dança da deusa, que o Tantra diz ser a melhor forma de nós mulheres chegarmos ao prazer, pode não ser o caminho mais excitante para todas. Esse espaço para a subjetividade de cada uma é essencial, e me fez simpatizar mais com a forma do livro abordar o Tantra, que é desconhecido e misterioso para mim.
Embora o livro seja fortemente calcado em argumentos racionais e se utilize de muitas pesquisas científicas, interpretadas a partir da visão de Naomi, há algo sutil, místico e impalpável na obra. Ela nos remete que a visão mais acertada da vagina seria oriental, muito antiga, e envolveria respeito, admiração, amor a essa parte de nossos corpos. Quando nós mesmas e os homens com quem nos relacionamos tratamos nossas vaginas com reverência, delicadeza, carinho, seja através da linguagem ou do toque, as coisas estão voltando a seu devido lugar.
Isso talvez seja muito diferente do que a maioria das mulheres aprende ou vivencia em nossa época. E aí está a importância de não condenar ou restringir o que parece mais certo ou prazeroso para cada uma, conforme indica o pequeno trecho do livro que comentei anteriormente. Mesmo assim, vale a pena entrar em contato com essa possibilidade escondida de muitas de nós, para ter um maior leque de possibilidades na hora de se relacionar com o próprio corpo.