Otávio - @vendavaldelivros 07/05/2023
“Afinal, todo policial era inteligente o suficiente para saber para quem ele trabalhava, e nenhum deles trabalhava, em lugar nenhum do mundo, para os que não tinham poder.”
O outro é um território desconhecido. Sempre tive para mim que ninguém é capaz de compreender plenamente o outro, mesmo que passem anos juntos, mesmo que se amem louca e perdidamente. É provavelmente por isso que esse livro me marcou tanto, porque a terra estranha é, na verdade, o outro.
Publicado em 1960, “Terra estranha” do americano James Baldwin tem como base a história de um grupo de amigos, negros e brancos, que vivem em Nova York no fim dos anos 50. É impossível dizer que esse livro é apenas isso. Ele é um tratado sobre as relações sociais entre homens e mulheres da época, e todas as questões raciais, de gênero e orientação sexual que já naquela época se mostravam muito mais complexas do que o conservadorismo tentava esconder.
O livro começa acompanhando Rufus, um baterista negro nascido no Harlem, sua ascensão e queda, seu relacionamento violento com Leona, uma mulher branca do Sul, e sua relação com seus amigos Vivaldo, Cass e Richard. Depois acompanhamos sua irmã Ida e sua relação com esses amigos, além de Eric, um amigo de Rufus que retorna de um tempo vivendo na França.
É o racismo estrutural que sufoca, as dores dos amores, das frustrações em relação ao outro, das frustrações em relação às próprias convicções. Raça, sexo, paixão e isolamento do “eu”, tudo isso junto, em uma potência de escrita gigantesca, imersiva, que muitas vezes é tão densa de sensações que faz com que a gente sinta todo o peso que está ali, mas não queira largar.
A questão racial nesse livro é tratada de maneira tão potente que escancara as feridas que existem ainda hoje na sociedade, uma força que não surpreende quando lembramos quem foi James Baldwin. O outro ser uma ilha, um país estrangeiro que nunca será completamente desvendado, enquanto sofremos na tentativa de buscar um amor pleno que nunca acontecerá, é algo impossível de tirar da cabeça. Somos todos terra estranha para alguém. Livro marcante e inesquecível, facilmente uma das melhores leituras desse e de muitos outros anos.