Leila 01/01/2024O Corpo em que Nasci da autora mexicana Guadalupe Nettel oferece uma jornada poética e introspectiva através das memórias de infância e adolescência da escritora, proporcionando uma experiência literária envolvente. Esta obra, que marca a estreia da autora no Brasil pela Coleção Otra Língua, revela-se uma narrativa autobiográfica única e rica, repleta de nuances e reflexões que exploram a complexidade da identidade e as influências do ambiente sociopolítico das décadas de 1970 e 80 na América Latina.
Nettel, oferece ao leitor uma imersão profunda em suas vivências marcadas por um problema no olho direito e por um persistente sentimento de inadequação. O livro é uma celebração da individualidade, explorando como as experiências singulares moldam a percepção de si mesmo e do mundo ao redor. As convivências familiares, a separação dos pais, a prisão do pai, a mudança da mãe para a França por um período e morar com a avó materna trouxeram grandes questôes à autora quando criança e início da adolescência e são esses sentimentos que ela explora nessa obra.
A narrativa, permeada por uma atmosfera nostálgica, resgata não apenas as vivências pessoais da autora, mas também contextualiza suas memórias dentro do cenário sociopolítico da época. Os anos 1970 e 80, marcados por tentativas de quebra de padrões e regimes autoritários em toda a América Latina, servem como pano de fundo para as reflexões de Nettel sobre sua própria formação e o impacto desses eventos em sua identidade.
A fluidez com que a autora transita entre os cenários do México e da França adiciona camadas à narrativa, enriquecendo a compreensão do leitor sobre a multiplicidade de influências que moldaram a autora. A dualidade cultural emerge como um elemento essencial na construção de sua identidade, refletindo a interconexão entre o pessoal e o coletivo.
Comparando esta obra com A Filha Única, que li anteriormente e que gostei demais, fica evidente pra mim que Guadalupe Nettel destaca-se na exploração da intimidade humana. Seu dom para expressar emoções complexas e a capacidade de entrelaçar eventos pessoais com a história coletiva evidenciam sua maestria na narrativa autobiográfica.
Enfim, O Corpo em que Nasci é uma leitura prazerosa e reflexiva, proporcionando uma visão íntima e tocante das experiências de Guadalupe Nettel. Para aqueles que apreciam o gênero de memórias e biografias, este livro é uma delícia e ouso dizer que esse gênero tem se tornado um dos meus preferidos nos últimos tempos, ou seja, começamos o ano bem por aqui. Que assim seja todo 2024! Ouvi um amém?