Luan 24/02/2017
"As mentiras de Locke Lamora" é daqueles livros que você termina e agradece ter insistido na leitura, porque o fim compensa um início chato
Vivi dois sentimentos bem extremos lendo As mentiras de Locke Lamora. O primeiro, frustração. O segundo, satisfação. O livro, que começou ruim, terminou me conquistando e tendo mais um fã para sua extensa lista. Na obra, Scott Lynch apresentou um trabalho de qualidade, me ousado ao tirar o leitor do conforto e trazer um início em que o leitor se sente atirado a uma história sem explicações e localização de espaço. Essa confusão pode afastar muitos leitores, o que quase aconteceu comigo. Felizmente, fui persistente.
É possível fazer um sinopse melhor do que muitas apresentadas. Basta dizemos que Locke Lamora é um dos membro dos Nobres Vigarista, grupo experiente em praticar roubo da nobreza da cidade de Camorr, através de golpes delicadamente planejados e baseados em mentiras. Enquanto o protagonista e seus amigos praticam os roubos, eles também vão precisar com alguns problemas. Além do Capa Barsavi, uma espécie de líder das gangues de Camoor, eles se depararão com alguns novos empecilhos, como é o caso do Rei Cinza, que se tornará, ao poucos, responsável pelos principais fatos da história. O livro tem muita aventura e mistério.
Antes de avançar na resenha, é preciso explicar a dubiedade de sentimentos que tive ao longo do livro. O início é muito chato. Enfadonho, lento. O autor começa a obra já com os fatos acontecendo e deixa de situar e familiarizar o leitor com aquele ambiente ou com aquelas situações. Um golpe do Nobre Vigaristas está em ação e prejudica muito a fluidez da leitura. Perdido, é claro que muitas pessoas vão acabar desistindo. Quase aconteceu comigo. A falta de explicações dos acontecimentos que se desenrolavam, a escrita mais rebuscada que o normal e a lentidão eram motivos para dar um adeus.
O que também atrapalha é que os capítulos são alternados entre presente e futuro e você acaba se sentindo perdido. A certa altura, preferi ler os capítulos do passado do que os do presente. Mas lá depois da página 100, perto da 150, quando o autor passa a clarear os acontecimentos e o leitor se situa, a história tem um grande salto de qualidade e você passa a imergir naquele universo. Depois disso, o ritmo melhora até pelo fato de haver muita ação e acontecimentos surpreendentes.
O grupo de amigos que protagoniza a história ao lado de Locke são muito bem construídos. São ótimos tipos, de grande personalidade e, apesar de andarem à sombra do protagonista, tem razão de estarem na história e o leitor facilmente se apega a eles. Isso se deve muito, claro, à construção que o autor deu a eles, mostrando o passado de todos em alguns capítulos - ou seja, mostrando como entraram no mundo do crime. Isso acontece também com Locke, quando vemos que, aos cinco anos, ele já tem o dom de ser um grande ladrão. Aliás, ele e os outros quatro amigos – Jean, os irmãos Sanza, e Pulga - já nasceram assim, só foram aperfeiçoados sob a tutela do Padre Correntes – que também é outro ótimo personagem. Sobre este ponto, personagens, há vários a se destacar, como a Dona Vorchenza, Capa Barsavi e Rei Cinza.
O universo criado pelo autor também é muito rico e profundo. Lynch nos mostrou muito pouco dele, é claro, mas a gente sente que ele trabalhou muito na construção de mundo e que acertou muito nisso. Apesar de achar que ficou devendo na explicação do universo no primeiro volume, tenho certeza que os próximos volumes vão servir para mostrar mais pontos incríveis dele. A magia que existe, e, sim existe, já que é uma fantasia, foi muito pouco explorada, mas tem um método que parece muito interessante. Além de tudo, tem muita morte e toda a narração delas são muito reais.
Outro ponto que merece destaque é a escrita rebuscada. Muito diferente do texto fácil dos livros de hoje em dia, este, que é destinado para o público adulto, em As mentiras de Locke Lamora este aspecto chama a atenção. O texto é inteligente e os diálogos soam pontuais e naturais para aquele universo que ele criou. Um dos melhores que já li. Inteligente também é a trama. Como disse, apesar do início profundo, o desenvolvimento tem uma série de novas tramas criadas, com a entrada de vários personagens. Com isso, cria-se uma teia de acontecimentos, mas que vai se encaixar perfeitamente na reta final do livro. Foram pouquíssimos clichês encontrados ao longo da obra, principal artifício que os autores usam para sair de situações complicadas. E elas foram muito bem empregadas.
Sim, muitos elogios, eu sei. Me tornei um grande fã do livro e de tudo que o autor criou ali dentro. A inteligência do texto, do mundo, do desenvolvimento, dos personagens. Mas não só isso, a capa é muito bonita, uma das melhores feita pela Editora Arqueiro. A diagramação incomoda um pouco pelo tamanho pequeno das letras e o pouco espaçamento das margens. No entanto, isso é até relevado pela boa divisão de capítulos, que não são curtos, mas também não chegam a ser grandes.
Superados cerca de 40% do livro, me imergi totalmente à história e conseguia devorar as páginas daquele jeito que todo o leitor gosta. As várias batalhas travadas pelos personagens, tão bem descritas, foram muito bem empregadas, especialmente na reta final, já que casaram perfeitamente com o desenrolar da história dos mistérios que iam se revelando, especialmente quando se trata de Locke contra o Rei Cinza. Achei o fechamento dentro do agradável. E ao ler o início do próximo volume, Mares de Sangue, fiquei ainda mais com vontade de ler, porque, caramba, que baita reviravolta teremos. Obrigado, Scott, por me dar a oportunidade de conhecer esse universo que você criou. Ao livro, digo: seja bem-vindo ao seleto grupo dos preferidos. Merece quatro estrelas, e não fosse o início chato e confuso, seria cinco e ainda favoritado.