Fernanda Pompermayer 30/05/2015
No dia 31 deste mês Octavio Paz completaria cem anos. O escritor mexicano, falecido em 1998, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990 e O labirinto da solidão é considerado a sua obra-prima, dentre as dezenas de livros que escreveu, de vários gêneros. Não faltam motivos para que seja considerado um dos maiores escritores do século 20 e um dos grandes poetas hispânicos da história.
O labirinto da solidão não é um livro recente. Foi publicado pela primeira vez em 1950; em 1969 o autor acrescentou um extenso pós-escrito. Mas é uma daquelas obras que, pela profundidade e acuidade da análise, tornam-se atemporais: sempre terão muito a dizer aos homens de todos os tempos.
Nesse livro Octavio Paz mergulha na alma do povo mexicano, do “ser” mexicano, analisando todas as suas singularidades. Tudo isso se dá no espaço e no tempo, mas desde épocas muito remotas, tão antigas quanto as civilizações pré-colombianas que habitaram o que hoje é o México e cujo legado constitui imensa riqueza. A conquista espanhola, a presença da Igreja (com a Reforma e a Contrarreforma), a independência, as revoluções políticas, a contestação de 1968 – que no México sofreu repressão sangrenta –, deixaram suas marcas, efeitos esses que Paz esmiúça e revela em atitudes e comportamentos do povo que subsistem. Segundo os editores, “trata-se, talvez, da mais importante tentativa de situar o homem latino-americano no contexto histórico mundial, levando-se em consideração seu universo mental e a realidade local. Há nos mexicanos, homens e mulheres, um universo de imagens, desejos e impulsos sepultados; há um mexicano enterrado, porém vivo”.
Apesar da especificidade do tema, O labirinto da solidão é universal ao caracterizar o ser humano. “O homem não é apenas fruto da história e das forças que a movimentam (...); nem a história é o resultado apenas da vontade humana. O homem, parece-me, não está na história: é história” (p. 27).
Paz é profético ao interpretar a relação América Latina – Europa, assumindo também o pensamento do historiador mexicano Edmundo O’Gorman: “O problema que preocupa O’Gorman é saber que tipo de ser histórico é o que chamamos América. Não é uma região geográfica, também não é um passado e, talvez, nem sequer um presente. É uma ideia, uma invenção do espírito europeu. A América é uma utopia, isto é, é o momento em que o espírito europeu se universaliza, desprende-se de suas particularidades históricas e concebe-se a si mesmo como uma ideia universal que, quase milagrosamente, encarna e se fixa numa terra e num tempo preciso: o futuro” (p. 151).
Na esteira dessa atemporalidade, Paz aborda temas que nos questionam e para os quais a filosofia, a sociologia, a psicologia, as ciências da religião buscam respostas. Já na epígrafe, ao citar o poeta espanhol Antonio Machado, ele provoca: “O outro não existe: esta é a fé racional, a crença incurável da razão humana. Identidade = realidade, como se, afinal de contas, tudo tivesse de ser, absoluta e necessariamente, um e o mesmo. Mas o outro não se deixa eliminar; subsiste, persiste; é o osso duro de roer onde a razão perde os dentes. Abel Martín [heterônimo de Machado], com fé poética, não menos humana que a fé racional, acreditava no outro, na ‘essencial heterogeneidade do ser’, como se disséssemos na incurável outridade que o um padece”.
Como afirma Octavio Paz, com muita sabedoria, “o nosso labirinto é o de todos os homens”.
site: Resenha publicada por mim na revista Cidade Nova, março 2014 (www.cidadenova.org.br)