Maitan 18/02/2018
Estado perpétuo de excitação máxima… para sempre
Amazônia, Serra Pelada, San Francisco. Se as desventuras de Claudia Christiani na Europa já eram para lá de extravagantes, pense nessa nova geografia. Depois de três anos do lançamento do segundo volume de Clic, em 1991, Milo Manara surpreende seus fãs com um enredo ao mesmo tempo mais comportado e mais maluco que os anteriores da série.
Digo mais comportado porque cada vez mais se esvai a pecha machista para emergir o fetiche desvairado, distanciando-se mais e mais do sexismo que se via entre um quadro e outro e que deve afastar muitas leitoras da série.
O vilão da vez é Culorva, um pobre minerador que quer enriquecer às custas da visão que um chá de ervas indígena pode gerar na personagem que dá início ao volume: Anna Rita. Para que ela tenha a visão de onde se escondem valiosas pepitas de ouro, ela deve tomar o chá. O problema é que ela tem que tomar o chá por baixo. Sim, é isso que você leu, pelo ânus.
Um exemplo de bom diálogo, já no início da narrativa, mostra o personagem Fausto (sim, ele está de volta e com o controle remoto) respondendo a declaração da personagem que abre o volume, quando ela diz que ele parece ser confiável: “guarde sua confiança para você”.
O segundo vilão é o guru da religião que fica numa ilhota de um rio em meio à floresta amazônica e cuja sede é um edifício em formato de caracol (!). O guru é chamado por seus seguidores de taumaturgo. A religião gira em torno da energia que é liberada no estado pré-orgástico e se dissipa com o gozo. Para o taumaturgo, é preciso manter o estado pré-orgástico para que, com a energia, seja possível se comunicar com as estrelas, os deuses, os ovnis ou coisa que o valha. Para tanto, todos os sacerdotes (homens ou mulheres) passam o tempo inteiro se masturbando e se segurando para não gozar, o que os coloca em um estado perpétuo de excitação máxima... para sempre.
O volume está cheio de frases excelentes (como a que emprestei para o título desta resenha). Algumas máximas como “o mal existe para se chegar ao bem” são inseridas sem muito esforço em meio à narrativa. São muitas, mas muitas cenas bizarras, mas a que pode chamar mais atenção (também pudera) é o estado perpétuo de excitação máxima por que passa o salvador de Claucia Christiani, um ex-sacerdote da religião do Caracol que, ao mesmo tempo em que não consegue manter um pedaço de pano para cobrir sua vergonha, passa o quadrinho inteiro de pau duro.
Há fuga dos religiosos, há fuga dos indígenas, há fuga dos mineradores, dos transeuntes de San Francisco, todo o enredo é uma grande fuga. Tudo isso dá dinâmica aos quadros, combinando mais cenas de exibicionismo do que de sexo propriamente dito. O efeito cômico neste volume é muito mais efetivo que nos anteriores.
Depois de tantas reviravoltas – sim, Milo Manara é mestre nisso – o quadrinho termina numa cena de redenção no meio do que deveria ser o inferno – um enorme buraco de mineração em Serra Pelada. E é uma das cenas mais malucas e incríveis que poderíamos esperar e de que não falarei aqui. Além disso, Manara também nos apresenta seu lado preocupado com problemas ecológicos, o que encerra esse terceiro volume de forma magistral.