Helder 06/10/2010Grata surpresa a ser descobertaVi este livro numa livraria em sua época de lançamento e fui atraído pela capa, orelha, titulo, e a historia pessoal da autora, porém estava muito caro, principalmente por ser um livro grande de 600 paginas. Mas fiquei com aquilo na cabeça, até o dia que recebi uma promoção de um site oferecendo-o por R$9,90. Seria um sinal?
Acredito que sim, pois assim pude encontrar um dos melhores livros que li nos últimos tempos.
Quando leio listas de Best-sellers de revistas, tenho a impressão que hoje a literatura brasileira se restringe a Paulo Coelho, livros de auto ajuda ou livros de contos.
Ao lermos o titulo, o Cangaceiro e a Costureira, achamos que é um livro nacional, e isso já fica interessante, pois hoje em nossa literatura não temos casos de romances épicos como os americanos, que contam estórias de famílias, misturando romance com realidade, ficção com história. É muito difícil encontrar um autor que tenha coragem de se embrenhar no gênero romance, contando uma estória com começo, meio e fim e conflitos, que te façam entrar na estória e se transpor para os tempos e locais descritos nos mesmos.
E folheando o livro encontramos palavras ou situações que nos lembram livros antigos de Jorge Amado ou Graciliano Ramos, autores que escreviam romances realmente, com começo, meio e fim.
Mas ao ler a orelha do livro descobrimos que o mesmo foi escrito por uma brasileira, porém em inglês, pois ela mora nos EUA desde seus 5 anos, e não se sente a vontade em escrever em Português. Será que valerá a pena se embrenhar em 600 paginas com uma estória sobre o nordeste escrita sob o ponto de vista de uma gringa?
Não tenha dúvida sobre isso: Vale muito a pena se entregar a este livro, e após as primeiras 30 paginas vc estará capturado pela estória das duas irmãs costureiras nascidas no interior de Pernambuco. Luzia e Emilia são duas irmãs criadas pela tia , que lhes ensina o oficio de costureira, sempre comparando este oficio com os fatos da vida.
Emilia, a mais bonita sonha em ir para a cidade grande e se vestir igual as moças da revista Fon Fon. Luzia, sua irmã mais nova, sofreu um acidente quando pequena que lhe deixou com o braço defeituoso. Não tem grandes sonhos, pois acredita que devido a seu problema físico, não terá nenhum futuro brilhante. Ambas vivem em paz em Taquaritinga, até que a cidade é invadida pelo bando do cangaceiro Falcão, que se interessa por Luzia e a leva junto com o bando.
O tempo todo a autora vai nos mostrando a evolução da vida das duas. Emilia indo para a cidade grande e vendo que a vida não é igual à revista e Luzia, sobrevivendo e se impondo a vida no cangaço. Ambas em caminhos sem volta, que você fica torcendo para que se encontrem.
Tudo isso, cercado pela descrição dos costumes da época (Carros, roupas, atitudes, preconceitos), historia do Brasil e do mundo (Crack da bolsa, pouso do Dirigível em Recife, Campanha política de Vargas, campos de refugiados da seca, história do Recife) e incríveis descrições da vida na Caatinga (como encontrar água, plantas medicinais, como encontrar comida, os sinais da natureza e as crenças populares). Difícil acreditar que a autora não viveu por aqui ou cresceu numa caatinga. O livro foi extremamente pesquisado, mas não é nada chato, está tudo no contexto para que a estória possa fluir. E assim vão surgindo cenas poéticas e cheias de ação, como o encontro do Cangaceiro com as costureiras, a matança dos jagunços, a chegada do Dirigível, a tocaia dos Cangaceiros a policia, a viúva , o encontro com Expedito, a emboscada final, “nunca confie na fita de outra pessoa”. E a trama perfeitamente criada. Mesmo em mundos distantes, a autora arrumou uma maneira completamente plausível para que ambas acompanhem os fatos da vida da outra a distância.
E não são somente as duas que são bem descritas. Todos os personagens secundários são perfeitos, e nos envolvem em seus problemas.
Incrível também a tradução, que em muitos momentos traz até uma linguagem poética ao livro. Fica até a duvida se o livro em inglês é tão bom também, pois como atingir estrangeiros falando de alpercatas, cajás, teiú, beijus, mandacarus e etc. Só lendo para saber.
Por ter personagens femininas tão fortes, pode parecer que é um livro para mulheres, mas não se deixe enganar. É um livro para quem gosta de romance, com uma ótima estória que te envolve e te transporta. Difícil de largar. E é também um livro extremamente brasileiro.
Terminei a leitura ontem e me sinto vazio. Saudades de Emilia e Luzia e sua triste estória.
E que inveja de Frances Peebles. Além de ser talentosa, teve o tempo e o apoio necessário para escrever uma estória incrível. Que consiga fazer muitas outras.
Não sei como a Globo ainda não descobriu este livro para fazer uma minissérie ou no mínimo um filme.
Perfeito. Leia, delicie-se e recomende.
Livro nota 6.