O homem que amava os cachorros

O homem que amava os cachorros Leonardo Padura




Resenhas - O Homem que Amava os Cachorros


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jota 23/09/2014

E que era amado por eles...
O livro do cubano Leonardo Padura é um thriller histórico sobre a vida e a morte do revolucionário ucraniano Leon Trotski (1879-1940), companheiro de Lenin na revolução russa e que foi assassinado por Ramon Mercader (1914-1978), agente comunista espanhol a serviço da ditadura russa sob o sangrento governo de Joseph Stalin (1879-1953).

A história vem precedida por um extenso prefácio de Gilberto Maringoni que, ao mesmo tempo em que fornece ao leitor diversas informações históricas relevantes, tem também o efeito (ou defeito) de fazê-lo pensar que está diante de um livro aborrecido. O que não é verdade, absolutamente.

O Homem Que Amava os Cachorros é um livro brilhante, interessante e necessariamente extenso. Com quase seiscentas páginas, com capítulos enormes, no entanto é de fácil leitura e mesmo que não se saiba quase nada sobre personagens ou situações reais nele tratados, isso não tem muita importância. Nosso interesse raramente decai durante a leitura da obra.

Especialmente porque certos métodos stalinistas do tempo anterior à Guerra Fria são usados aqui pelo PT, como eram usados pelos russos de então, para combater adversários políticos (ou inimigos, como eram/são encarados aqueles que não rezam pela cartilha vermelha), fazer mentiras parecerem verdades (exemplos: não houve mensalão, não houve petrolão; a compra da refinaria de Pasadena foi um ótimo negócio), produzir documentos falsos e atribuí-los a um adversário (como os famosos dossiês fabricados no Planalto pelos aloprados de Lula) espalhar terror e medo sobre a população (como vai faltar comida na mesa do trabalhador se houver autonomia do BC), atribuir a países, grupos ou instituições atitudes golpistas (se a economia brasileira vai mal é culpa dos EUA; imprensa e oposição brasileiras são golpistas, etc.), elencar inimigos do regime (aqui houve a famosa lista de jornalistas que desagradam ao PT) e muito mais.

Quer dizer: você está lendo sobre a Rússia e sobre um tempo passado, mas também está lendo sobre como as pessoas e os grupos políticos agem quando se tornam poderosos e não querem nem por um segundo abrir mão do poder que acumularam. As contradições e os crimes praticados em nome do socialismo - e outros ismos - estão todos presentes neste romance admirável, desde já uma de minhas melhores leituras neste ano.

Lido entre 03 e 23/09/2014.
Caio.Lima 08/08/2015minha estante
Ainda não li (esgotado em seu formato físico; estou tentando por e-book). Parabéns, Jota, pela excelente sinopse. Especialmente pela alusão com esta desgraça chamada PT que se abateu sobre o nosso país. Felizmente, esta maldição está chegando ao fim com a Operação Lava 'Rato' e a prisão da bandidagem toda, inclusive e principalmente a prisão do ninefingers!


Marcelo.Stefan 14/11/2016minha estante
O livro nos revela movimento pendulares, hodiernamente e não somente no Brasil é facil perceber que em nome de um mundo bem melhor (pergunto para quem?), muitos são enganados e utilizados como peões em um jogo de xadrez. Me admira que a mesma crueldade e o comportamento contraditório (hipocrisia se engancha melhor) são utilizados até a presente data, infelizmente não apredemos com o passado e com isso podemos ter sacrificado o futuro. Penso que sua resenha é válida e suas IDEIAS estão em consonância com a realidade. Obrigado pela resenha.


custodiovitoria 15/10/2020minha estante
O mais curioso de ler sua resenha (em 2020) é perceber que o atual governo brasileiro se encaixa perfeitamente nos pontos que você selecionou.
1. Fazer mentiras parecerem verdades: as estratégias de discurso e o gabinete da fake news.
2. Espalhar terror e medo sobre a população: "o Brasil se tornará uma Venezuela"
3. Atribuir a países, grupos ou instituições atitudes golpistas: programas jornalísticos e televisivos são atacados por seguidores do Governo, especialnente a Globo (que também era altamente criticada pelos seguidores de Lula)
4. Elencar inimigos do regime: nem é preciso elucidar muito, qualquer pessoa que discorde do atual governo se torna, automaticamente, inimigo para os fanáticos.

Acredito que seja uma tendência que se agrava.


Rita Rodrigues 13/03/2021minha estante
Perfeita sua observação custodiovitoria! Lamentavelmente o colega jed foi muito infeliz em suas equivocadas colocações. Deveria ter se limitado à resenhar apenas a bela obra de Padura


jota 13/03/2021minha estante
Em 2014, quando escrevi a resenha, que mantenho plenamente, talvez eu nem tivesse ainda ouvido falar em Bolsonaro, certamente porque, por sua inexpressividade e mediocridade como parlamentar, ele nunca foi notícia relevante. Mas conhecia já a roubalheira praticada pelos petistas e a infinita incompetência do poste de Lula, Dilma, a estocadora de vento. De fato, como aponta custodiavitoria, o atual governo é em muito parecido com o dos petistas no modo de agir, tanto que a expressão bolsopetista já está consagrada entre as pessoas que pensam que o remédio para o Brasil é Lula na cadeia e impeachment de Bolsonaro. Quem quiser se ater apenas ao que está lendo e não estabelecer correlações com a realidade, que o faça. Não acho que o leitor deva se limitar apenas a (sem crase) resenhar ou resumir o que lê, sem emitir opinião pessoal.


IsabellihAraujo 29/01/2023minha estante
Os comunistas atuais brasileiros agem exatamente igual aos comunistas soviéticos do passado. As colocações da resenha não foram nenhum pouco equivocadas. O "colega" não foi nenhum pouco infeliz e muito menos deveria ter se limitado à resenhar somente aquilo que a senhora gostaria de ler. O "colega", pelo contrário, deveria ser livre para resenhar o que bem quisesse, da forma que quisesse, afinal de contas... Pensamento crítico é uma das premissas mais louvadas na educação brasileira. (Exceto se você criticar os vermelhinhos). Kkkkkkkk




Bookster Pedro Pacifico 01/03/2020

O homem que amava os cachorros, Leonardo Padura – 7,5/10
Iván, Trotskie Mercader: o autor consegue entrelaçar, de uma forma muito habilidosa, a história do narrador, um personagem fictício, aspirante a escritor e veterinário na Havana do século XXI, a vida do revolucionário Leon Trotski e a trajetória de seu assassino, o catalão Ramón Mercader. Apesar da alternância entre essas três perspectivas ao longo de todo o livro, o leitor consegue mergulhar afundo na cabeça dos personagens, que, diga-se de passagem, são muito bem construídos. Também achei muito interessante como é abordado o contraste entre a Europa comunista da década de 40 e a Cuba moderna dos anos 2000. Além de uma narrativa extremamente envolvente, com um toque de romance policial ao discorrer acerca dos preparativos que antecederam a morte de Trotski, Padura nos dá uma verdadeira aula de história! Só não dei 10, porque em algumas partes achei o ritmo da leitura um pouco lento. Mas, independentemente disso, a obra é excelente e merece ser lida!

site: https://www.instagram.com/book.ster
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anna v. 15/07/2014

Ótimo passeio pelas utopias do século XX
Não conhecia este autor, mas vários amigos começaram a falar a respeito deste livro, e quando soube da sinopse, me interessei: versão ficcional sobre um fato histórico, o assassinato de Trotski durante seu exílio no México. Como sempre gosto de ler sobre a história do século XX, comprei a edição Kindle, e logo fui fisgada.

O livro é dividido em três narrativas: a história de Leon Trotski a partir de seu exílio na Sibéria, depois de romper definitivamente com Stalin. De lá, é expulso da União Soviética, e o único país a lhe conceder asilo é a Turquia de Ataturk, onde passa cerca de um ano. Depois de passagens breves pela França e Noruega, termina indo para o México, onde é acolhido por Diego Rivera e Frida Kahlo.

A segunda narrativa é a história do espanhol Ramon Mercader. Filho da alta burguesia catalã, Ramón desfruta da vida de privilégios por pouco tempo. Sua mãe, Caridad, logo se envolve com os comunistas espanhóis e passa a levar uma vida de porralouquice junto à classe operária, carregando consigo os quatro filhos, sendo Ramon o mais velho. Ambos se envolvem com a Guerra Civil Espanhola, e travam contato com comunistas soviéticos. Numa dessas, Ramon é designado para a importante missão de assassinar "o renegado" Trotski. A partir de então, passa por uma longa preparação, muda de identidade, e tem seus valores morais apagados, em nome de uma causa maior.

A terceira via narrativa, a única em primeira pessoa, é a história do cubano Iván, que em 1977 conhece um enigmático estrangeiro, dono de dois lindos cães da raça borzói (o galgo russo). O estranho, que diz chamar-se Jaime, conta a Ivan a história de seu amigo Ramón Mercader, com riqueza de detalhe. Ivan, que na juventude quisera ser escritor, mas que na época ganhava a vida como revisor de textos de uma revista de veterinária, não entende bem por que é escolhido como receptor daquela história tão impressionante, mas não consegue deixar de se fascinar por tudo aquilo, ainda mais na Cuba comunista dos anos 1970, ano de fartura com apoio soviético, quando não se sabia muito sobre Trotski (ou sobre qualquer coisa) além do que contavam os livros aprovados pelo Partido.

Padura faz um trabalho impressionante, conciliando toda a confusão partidária de alianças e inimizades dos anos 1930 e 1940 em diversos países, e transformando trechos em verdadeiros thrillers. É digno de mérito que, mesmo sabendo o que vai acontecer (afinal, já se começa o livro ciente que Trotski foi de fato assassinado no México), o leitor fica vidrado a cada página quando se aproxima o grande momento do golpe fatal.

O autor conduz o leitor a se solidarizar com Trotski, a torcer por ele, e a se perguntar o que poderia ter acontecido com o mundo se alguém que não fosse o insano Stalin tivesse ficado no poder na URSS durante tanto tempo. Trotski é pintado como vítima da obsessão assassina de Stalin por causa de suas críticas contundentes à política daquele que designava como "O Coveiro".

"O socialismo cavou a própria cova e pressinto que aí irá apodrecer por muito tempo"

Retrata os sacrifícios de toda espécie cometidos pelos militantes comunistas depois da implantação do estado soviético, para provar que aquela ideologia daria certo, mesmo com todas as evidências apontando para o contrário.

"Maiakovski, obrigando-se a ser um crente, calara-se e por isso acabou quebrado. Faltou-lhe coragem para partir para o exílio quando outros o fizeram; para deixar de escrever quando outros partiram suas penas. Obstinou-se em oferecer sua poseia à participação política e sacrificou sua arte e seu próprio espírito com esse gesto: esforçou-se tanto para ser um militante exemplar que teve de se suicidar para voltar a ser poeta."

A ambientação de Cuba nos anos 70 (fartura) e 90 (penúria) é também muito boa, nos levando a vivenciar um pouco do que significa ser de uma geração fruto de uma experiência utópica. Além disso, ele retrata bem o sentimento de paranoia entre os comunistas, de não poder voltar atrás, e de sempre poder estar sendo vigiado.

"Teve tanto medo que preferiu a certeza da morte ao risco de ter de mostrar coragem para viver o dia a dia."

O livro é bem escrito e informativo, uma excelente leitura que me fazia querer voltar a ela o tempo todo. Recomendo!
Ladyce 30/07/2014minha estante
Boa resenha. Ganhei este livro e estava com relutância de ler. Vou ler, obrigada!


anna v. 04/08/2014minha estante
Legal, Ladyce. Depois quero saber o que vc achou.


Eva Luna 24/08/2014minha estante
Acabei de ler e gostei muito do livro, sua resenha retrata bem o que se passa, mas lembre-se que no final nem o próprio Trotski merece compaixão. O único inocente nessa história é o Ivan, fruto de um sistema utópico no qual o indivíduo nada vale.


Eduardo Ramos 08/01/2015minha estante
Legal! Vou começar a ler e depois faço comentários sobre o livro. Obrigado pela resenha!


Júlio_Cupello 17/02/2016minha estante
Bela resenha!


adriana.gomes.71619533 24/03/2017minha estante
Muito bom, excelente resenha.




Gabi 14/03/2021

Um romance histórico
Reconstruindo as trajetórias do líder soviético Leon Trotski e de seu assassino, o militante espanhol Ramon Mercader, um escritor frustado cubano nos entrelaça nesse romance carregado de história.
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Luis 26/07/2015

As traições humanas e as fidelidades caninas
Há menos de um mês, no dia 5 de julho de 2015, Leonardo Padura, o festejado escritor cubano, encantava o público da Flip com as suas reflexões sobre a realidade da ilha, temperadas por uma visão aguçada, curtida em uma já longa e consolidada carreira na literatura policial.
O criador do detetive Mário Conde, um dos inesquecíveis personagens da galeria do gênero, com assento garantido na mesma mesa de Philip Marlowe e Hercule Poirot, embora já amplamente reconhecido, só viraria unanimidade com a publicação de “O Homem que amava os cachorros” (Boitempo, 2013).
Em quase 600 páginas, Padura envereda pela ficção histórica para reconstituir a trama de um dos crimes políticos mais famosos de todos os tempos : o assassinato de Leon Trotski, o célebre dissidente soviético, ocorrido no México em 1940.
Com a mesma técnica que o tornou popular entre os fãs do noir, o autor recombina os elementos históricos, levantados à custa de exaustiva pesquisa, à sua verve criativa, utilizando três protagonistas, que, mais do que hibernarem o leitor na esfera do crime, expandem o livro para um quase ensaio sobre os caminhos da revolução Russa de 1917 e seus desdobramentos na geopolítica ao longo do último século, culminando na queda do muro de Berlim e na dissolução da própria União Soviética.
Além de Trotski, Padura se debruça sobre Ramon Mercader, o jovem espanhol arregimentado pela trupe Stanilista para eliminar o “renegado”. Recrutado para a missão pela mãe, uma ultra radical militante comunista, o jovem Ramon, um dos voluntários na sangrenta guerra civil espanhola, cenário de ensaio para a Segunda Guerra e para a consequente guerra fria, sofre uma metamorfose que o desidrata de qualquer hesitação ou emoção que o desviem do cumprimento do dever, logicamente o dever entendido dentro da lógica das hostes comandadas pelo “Guia genial dos povos”.
O terceiro protagonista ( o único totalmente fictício) é Ivan Cárdenas Maturell, um velho jornalista que, já muito depois dos acontecimentos que são o cerne do livro, rememora o seu encontro com um misterioso personagem que acaba sendo a chave para descortinar a trama : Um homem sem nome, permanentemente acompanhado por dois cães borzóis, típica raça russa, e um silencioso acompanhante negro, magro e alto, que faz às vezes de motorista para o insólito personagem. É através dessa figura, indissociável de seus amados cachorros russos que sofrem com o calor cubano, que Ivan apura a história de caça e caçador encenada por Trotski e seu algoz. Por sinal, ambos também amantes dos cães.
O sucesso de “O Homem que amava os cachorros” tem suscitado vários debates acerca das supostas teses que o livro defende. Difícil não se solidarizar com a visão imediata de um Império ameaçador empreendendo um verdadeiro massacre contra um dissidente, ainda que influente, mas desprovido de qualquer recurso para reação. Nesse ponto de vista, o livro pode sim ser entendido como Trotskista, mas receio que as coisas não sejam tão simples assim, basta lembrar que, ao comentar a leitura com um amigo, professor de história, com uma trajetória de posições progressistas, o mesmo não disfarçou uma virulenta hostilidade contra o velho Leon, mesmo passados 75 anos de seu desaparecimento. As paixões, sobretudo as políticas, duram gerações e não esmorecem facilmente.
Mesmo com toda a robustez histórica que, em minha opinião faz a grandeza da obra, acredito que “O Homem” tem condições de cativar leitores independentemente do nível de interesse pelo tema ou da coloração política de suas bandeiras. No fundo é a história de homens que ousaram construir uma utopia, ainda que permeada por sangue, traições e, muitas vezes, mentiras, talvez, elementos inerentes à imperfeita condição humana. Só os cães são fiéis.
Nanci 26/07/2015minha estante
ótima resenha. Parabéns! Parece um grande livro.


Luis 29/07/2015minha estante
Obrigado Nanci. Abs.


Bruno T. 12/12/2015minha estante
O livro é mesmo excelente e sua resenha também.
Parabéns.




Celaro 06/02/2022

Um capítulo da história
Fruto de uma profunda pesquisa histórica este romance me transportou para os lugares em que os dois (três) principais personagens, Trotsky e Ramon, viveram enquanto fugitivo e caçador.
Holy 06/02/2022minha estante
Estou por começa-lo ?




09/11/2021

Perfeito.
Pra começar, é literatura latino-americana e não é qualquer uma não, é das melhores! A escrita de Padura é de surpreender qualquer um.

Sobre a história: o livro começa contando três realidades de três pessoas diferentes: a de Trótsky; a de Ramón, o assassino de Trótsky; e a de Iván.

Padura faz com que o livro seja um suspense do início ao fim mesmo a gente já sabendo desde a primeira página o que vai acontecer no final.

O romance se desenvolve de uma maneira linda, triste e trágica. Todas as páginas são necessárias, não tem nada de enrolação.

Foi a primeira vez que li um livro desse tamanho, então, por um lado, foi difícil e demorou, mas, por outro, foi um experiência incrível que valeu muito a pena.

Recomendo pra todo mundo, mas principalmente para quem quer aprender mais sobre União Soviética e sobre a briga de Trótsky e Stalin.
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cid 13/12/2014

A vida é bela
Livro de leitura extremamente agradável, embora a temática difícil. Penso que o autor exagerou nas suas diversas correntes narrativas. Quando o capítulo estava muito bom ele passava a narrativa a outro personagem. O que me chamou a atenção foi a capa onde reconheci Liev Trotski, e me interessei de imediato. Sem essa imagem , com esse título certamente o livro não teria chamado a atenção. Obra de ficção com base histórica, havia muitas lacunas a preencher . Mas, o autor, na minha opinião, manteve-se no que é mais conhecido., e não efetuou muitas divagações. Achei o personagem Ivan, muito sem vida, pouco trabalhado. Mas, de uma maneira geral gostei dos trechos de Trotsky e Ramom Mercader.
Passiei pelo google, pelos lugares onde Trotsky esteve exilado, e assisti alguns documentários . É uma figura muito forte. Guardei algumas de suas palavras:
_(Ao deixar a Noruega) ... Mas, comigo vai também a vida. E por mais derrotado que me julguem, enquanto respirar não estarei vencido.
- (do Testamento de Trotsky ) "A vida é bela, os sentidos celebram a sua festa... Que as gerações futuras limpem a vida de todo mal, de toda opressão e violência, e desfrutem dela com plenitude".
Amém a essas palavras.
Gostei de um trecho em que Mercader conversa com seu mentor russo, e quando esse volta novamente aos fatos que aconteceram e marcaram a vida e Mercader reclama que quer esquecer o passado o russo diz "De que outra coisa a não ser o mar podem falar os náufragos". E eu concordei .
E ao final do livro, temos uma foto de V Lenin. e a observação que ele era um homem que amava os gatos. Percebi um sentido nisso, porque os gatos não são citados no livro. Apenas homem que amavam cachorros. Mas, Lenin, era diferente.
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Caio 08/07/2020

"O som do grito dele é algo de que recordarei por toda a vida"
Quando peguei "O homem que amava os cachorros" para começar a ler, uma dúvida cruel passou pela minha mente: Valia a pena? Mesmo muito bem recomendado, era inevitável pensar.

Seria possível escrever um ótimo romance mesmo que a gente já soubesse qual era o crime, quem matou, quem morreu, quem mandou matar e por quais motivos?
Seria possível que, sabendo onde, quando e como esse crime foi cometido, o autor conseguisse prender a atenção do leitor ao longo das quase 600 páginas?

Leonardo Padura achou que sim e agora vejo que ele tinha razão!

"O Homem que amava os cachorros" é uma obra que se destaca pela bela pesquisa histórica sobre um assassinato, sua preparação, suas motivações e pela sua capacidade de fazer a gente perder o fôlego a cada capítulo.

O livro está basicamente dividido em três histórias que, em determinados momentos, se entrelaçam.
A primeira história é sobre Ivan, um escritor/jornalista cubano que tem sua vida atravessada por um encontro com um misterioso homem e seus cães em uma praia de Cuba.
A segunda, a vida do líder do Exército Vermelho na Revolução Russa, Leon Trotski. A frustração, o exílio, o sofrimento e o sonho permanente de uma sociedade igualitária e libertária...
Na terceira, a vida e a missão do militante catalão Ramón Mercader que entra para História ao executar Leon Trotski. Sua vida, um "sim" e seu destino.

No meio dessas histórias, a preparação de um crime perfeito, uma rica pesquisa sobre esse capítulo da nossa História e a construção de personagens absurdamente cativantes (o que dizer sobre Caridad, mãe de Ramon Mercader?)

Sabe aquele livro que você quer guardar cada frase na memória?
Então... Recomendo muito!
Dhany.Reis 09/07/2020minha estante
Hummm vou colocar na minha lista




Giesteira 17/05/2020

Jornada de uma leitura desafiadora
Para você que gosta de um romance histórico bem amarrado, esse livro é seu. Confesso que tive dificuldade de engrenar. Isso porque percorremos um longo (longo mesmo) caminho com os personagens para um fim desde o começo já sabido. Apesar disso, a metade final compensa o esforço inicial. São muitos personagens, contextos históricos complexos apenas pontuados e nomes russos diferentes para o mesmo personagem (acontece muito, principalmente com os filhos de Liev Davidovitch). Contudo, um enredo como a vida e morte de Leon Trotski já é, por si só, um convite e tanto. Vale a leitura e a reflexão sobre a traição traumática vivida por esse modelo de sociedade que foi capaz de gerar tanta esperança.
@leiolivros 17/05/2020minha estante
amiga cria um instagram de livros eu te imploro!!


Giesteira 19/05/2020minha estante
kkk vai se chamar ?leio livros da Natália?




DaniM 01/10/2020

Quando me indicaram e disseram ‘é sobre o assassinato do Trotsky’ eu não sabia bem o que esperar. Mas nada que eu tivesse imaginado me prepararia pra esse livro. Que trem mais doido. SE eu tivesse lido um livro de ficção, com um terço do que tem nesse livro, eu diria ‘Que livro mentiroso, nem pra ficção serve’. Então, só que aqui é tudo verdade...ou melhor, quase tudo é verdade...é verdade, é história, é envolvente, é maravilhoso, é rico. Que livro, meus caros. Que livro!

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Alexandre Kovacs / Mundo de K 01/11/2014

Leonardo Padura - O homem que amava os cachorros
Boitempo Editorial - Tradução Helena Pitta - Prefácio de Gilberto Maringoni - Lançamento: Dezembro de 2013.

Um romance histórico muito bem construído, onde o cubano Leonardo Padura utilizou ficção e fatos reais para contar o planejamento do assassinato de Leon Trotski (1879 - 1940) pela NKVD, polícia política da antiga União Soviética, sob as ordens de Joseph Stálin (1879 - 1953). Liev Davidovitch Bronstein, ou Leon Trotski como ficou conhecido, foi um dos principais líderes da Revolução Russa de 1917 e organizador do Exército Vermelho. Intelectual de formação marxista, foi afastado do controle do partido e exilado por Stálin. A sua trajetória no exílio, passando pela Turquia, França, Noruega e México é narrada em detalhes no livro, inclusive a fase final no México, onde ficou inicialmente hospedado com a sua esposa na casa de Diego Rivera e Frida Kahlo.

O assassino de Trotski, Ramon Mercader (1913 - 1978), combatente na Guerra Civil Espanhola, foi recrutado pelos assessores soviéticos na Espanha e treinado pelos serviços de inteligência, mudando de identidade e nacionalidade para se transoformar no belga Jacques Monard. Ele foi preso após o crime, mas nunca admitiu ter sido enviado pela União Soviética. Passou vinte anos nas prisões mexicanas e mudou-se para Moscou, vindo a falecer em Cuba nos anos 1970. O trabalho de ficção faz com que possamos entender melhor as contradições de Ramon Mercader e a forma como foi envolvido no processo, devido às suas convicções políticas e revolucionárias, um destino trágico do qual ele não conseguiu escapar.

O elemento de união de toda a trama fica por conta do personagem fictício Iván Cárdenas Maturell, escritor e veterinário amador que fica conhecendo Ramon Mercader em Cuba e detalhes de toda a história. Através deste narrador, Padura conta também as dificuldades econômicas e a influência das mudanças políticas mundiais no cotidiano da ilha. De certa forma é surpreendente que este livro não tenha sido censurado pelo governo cubano. O próprio autor em entrevista à revista Época fala da experiência de ser um escritor em Cuba e da dificuldade de acesso às informações:

"Na universidade que cursei, nos anos 1970, a figura de Trotski não existia. Nas aulas de filosofia e de história, ou quando se falava da Revolução Russa, ele não era mencionado. Exatamente como se fazia na União Sovié­tica. Isso me provocou uma enorme curiosidade. Quando pude, tratei de procurar informações sobre ele. Os livros soviéticos diziam que era um traidor da causa do socialismo e, por isso, morrera no exílio. Em 1989, visitando a Cidade do México, pedi a um amigo que me levasse à casa de Trotski, no bairro de Coyoacan. Quando cheguei ali, senti uma comoção forte ao ver a mesa de Trotski tal como ficou depois do crime. Como, num lugar tão perdido no mundo, chegou a mão de Josef Stálin para matar esse homem? Anos depois, soube que Ramón Mercader, o homem que matara Trotski, morrera em Cuba completamente anônimo. Posso ter cruzado com ele na rua sem saber. Tudo isso formou a base sentimental do romance. Depois, passei dois anos lendo e pesquisando sobre o assunto e três anos escrevendo."

O romance é o resultado de uma extensa pesquisa histórica e também uma bela obra de ficção que simboliza a frustração pela perda do grande sonho do socialismo no século XX e a luta pela igualdade entre os homens. De como a Utopia pode se transformar em Distopia através de regimes totalitários como foi o stalinismo.
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Ludmila 07/01/2023

Perfeito!! Romance histórico com realidade pujante!!
Fabuloso romance histórico sobre o assassinato do Trotsky.

É ficção, mas o contexto histórico narrado é muito concreto, o que nos faz correr atrás de mais livros de não ficção sobre o assunto.

A potência literária da obra é pulsante com três narradores se alternado na construção da narrativa. O primeiro que fica responsável em contar a história e situa-se em Cuba dos anos 2000, trazendo o contexto da Revolução Cubana e seus efeito. O segundo, o espanhol Ramón Mercader encarregado do assassinato, narrando não só sua participação na Guerra Civil espanhola e seu aliciamento posterior a Moscou e Stalin, como também sua descrença e frustração futura da ideologia seguida. E por fim, o próprio Trotsky, e suas lutas e expurgos sofridos pela política de Moscou stalinista.

Livro simplesmente sensasional: tanto pela potência literária qto por seu apelo histórico.
Padura ganhou totalmente meu ?? !
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Francisco340 04/10/2023

Minha experiência
Ao começo da leitura da obra de Leonardo Padura admito que senti certo estranhamento ao estilo de construção da história, que narra 3 óticas diferentes (em questão de personagem e no período temporal). Entretanto, depois que me acostumei com o ritmo, passei a aproveitar mais, e só então pude perceber o quão gostoso é ler esse livro.
Como se a história me envolvesse, senti a "obrigação" de continuar ( e intensificar) cada vez mais a leitura. A descrição dos ambientes, tanto os físicos quanto os psicológicos te imerge quase que totalmente na história. Quanto à importância história da obra, senti que tanta coisa escapava do meu conhecimento ( construído majoritariamente na escola), e agora consigo entender, mesmo que só um pouco mais, a história da nossa realidade.
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Luísa Coquemala 06/03/2021

"Presos no inferno materialista dialético"
A história é conhecida: um dos revolucionários mais importantes de todos os tempos, Liev Davidovitch Trótski, foi assassinado em 1940, no México. Seu assassino, o espanhol Ramón Mercader, golpeou o russo no crânio com uma picareta. Trótski morreu um dia depois do atentado e Ramón foi preso pela polícia mexicana. Depois de vinte anos preso, sem admitir sua verdadeira identidade nem as razões pelas quais cometera o crime, Ramón se mudou para Moscou e foi condecorado com a estrela de heroísmo da União Soviética pelo crime cometido.

Todos esses fatos podem ser facilmente encontrados com uma busca sobre Trótski ou Mercader no Google. É por isso que eu, quando deparei com o romance de Padura, fiz uma cara de quem olha um bom tempo para uma comida antes de decidir se vai comê-la. Valeria a pena enfrentar um calhamaço de mais de 600 páginas para ler uma história que, basicamente, eu já sabia? Depois de muitos anos com o livro me olhando da prateleira (ganhei ele em 2014, mas só o li no final de 2020 ), resolvi dar uma chance e descobri que sim, sem sombra de dúvida, é um livro que vale muito a pena. Mesmo que já conheçamos o desenrolar dos principais fatos do romance. Isso acontece porque, aqui, mais do que quem cometeu o assassinato em si, importam o como e o porquê de tudo ter sido como foi. Em outras palavras: diferentemente de um romance policial tradicional, como em Agatha Christie ou Conan Doyle, onde as principais perguntas que se colocam são ?quem matou?? e ?qual foi o método que essa pessoa usou para matar??, Padura está mais preocupado em entender os caminhos e motivos políticos e sociais que permitiram a concretização de um dos crimes mais famosos da história.

Por conta disso, sabemos que Mercader é o assassino desde o início do romance e o foco da narrativa se alterna entre a história do assassinado (Trótski) e a do assassino (Ramón). De cara, encontramos o ainda jovem Ramón no meio da Guerra Civil Espanhola e o já exilado Trótski na Sibéria, rumo a Turquia. Padura, entretanto, acrescenta um outro elemento ao enredo: no ano de 2004, quem narra tudo é Iván, cubano nascido em 1950 e que, um dia, conhece na praia um misterioso homem ? com seus dois cachorros, sempre importante frisar ? que lhe relata a história do assassinato.

Apesar de o foco narrativo da história se alterar constantemente entre os três personagens, o relato de Iván é fruto de uma espécie de narrativa secundária (o narrador conta uma história que lhe fora anteriormente contada) que passa por traumas e lembranças longínquas não tão afetivas. Eis um ponto importante: a narrativa de Iván não se propõe a ser neutra (e, afinal de contas, existe algo realmente neutro?). Iván está, com razão, puto , revoltado e frustrado. Mais do que um narrador não confiável, Iván é um narrador declaradamente inconformado. Além disso, ele não tem problemas em admitir que escreve a história depois de muito tempo ? o que, claro, pode ter alterado os fatos em sua mente ao longo dos anos e dos traumas. Ele mesmo esclarece: ?o que estão lendo é a reconstrução, de acordo com minhas lembranças e a partir da perspectiva maléfica do tempo, de algumas conversas e pensamentos que só começaria a anotar, em forma de apontamentos, cinco anos depois daqueles encontros na praia, em 1977.?

Quando li essas linhas, confesso que já estava conquistada pelo estilo direto e cínico de Iván, que me fez rir e chorar numa distância de poucos parágrafos. As linhas acima citadas, entretanto, foram as que me fizeram sentir como quando me deparei com os famosos papeis em árabe que narram parte da história de Dom Quixote e Sancho Pança. É como aquela propaganda que eu via na televisão quando era bem nova, em algum canal infantil: ?um amigo de um amigo de um amigo meu me contou...?. Por um lado, se tantos amigos tinham passado a história para frente, era certamente porque ela merecia ser ouvida; por outro lado, ela poderia ter sofrido alterações à medida em que ia sendo passada para frente. Não importava. Eu sempre me acomodava melhor no sofá para ouvir a história que tinha passado por tanta gente e tinha, finalmente, chegado a mim. Tinha um pedaço de experiência de vida ali. Quando Iván faz a declaração acima, o leitor já está suficientemente empolgado com as histórias de Trótski, Ramón e do próprio narrador. Tarde demais para se importar com o que não é neutro. Hora de se acomodar melhor.

Optando por essas escolhas, Padura não se propõe simplesmente a entregar uma história que todos poderiam acessar em um verbete da Wikipédia. Eu diria que ele molha o biscoitinho do enredo de suspense num chá rico em subjetividade e material histórico. A maneira como Iván escreve a narrativa pode incomodar alguns, mas penso que a própria História não é neutra e está sujeita a uma guerra de narrativas e pontos de vista (dou um exemplo: para mim, o que aconteceu no Brasil em 64 foi um golpe; outros, entretanto, o chamam de revolução não por uma atenção especial a nomenclaturas, mas sim porque esse termo é o que sustenta a narrativa política que defendem). Pode ser que todos saibamos sobre o assassinato de Trótski no México por um stalinista fanático, ou dos abusos e atrocidades cometidas por Stalin. O que eu nunca tinha visto, entretanto (e aí está a grande sacada), é essa história sob a ótica de um cubano que cresceu majoritariamente sob o regime de Fidel Castro - apesar de o nome de Fidel não ser citado uma única vez, a parte cubana do romance se passa na Cuba de Fidel, que compartilhava acordos econômicos e laços ideológicos claros com a União Soviética. De cara, me pareceu uma narrativa honesta justamente porque enviesada, porque contada por um homem que, desesperançado, questiona o regime que lhe prometera muito e lhe entregou fome, pobreza e censura. Eu não consigo conceber nada mais próximo da vida real do que a comoção e o desespero das palavras de Iván.

Ademais, como estamos falando de um assassinato essencialmente político e de um cubano reavaliando os frutos que a revolução trouxe ao país, Padura traz uma série de elementos políticos para o enredo, uma miríade de informações pinceladas por um olhar crítico: há a explicação das ideias centrais do marxismo trotskista (um viés mais democrático, a revolução permanente); o relato da censura, formulação de mentiras, campos de concentração e confissões forçadas que ocorriam no regime de Stalin; a ênfase no pacto cínico que o governo soviético fez com o governo de Hitler às vésperas da Segunda Guerra Mundial, permitindo que o nazismo avançasse e ganhasse mais terreno; as contradições do próprio Trótski (como ele ajudou a destruir parte da democracia quando foi comandante do Exército na Rússia pós revolução e o preço altíssimo que sua família e amigos pagaram simplesmente por serem família e amigos); e, claro, as contradições da Rússia pós revolução e da criação de uma classe dirigente privilegiada, que vivia abundantemente enquanto grande parte da população sofria de fome e frio. A maneira como os eventos históricos são retratados levam a reflexões interessantes e desafiadoras, como a seguinte: ?[Trótski] Sabia que, se em março de 1921 os bolcheviques tivessem permitido eleições livres, provavelmente tivessem perdido o poder. A teoria marxista, que Lenin e ele utilizavam para avaliar todas as suas decisões, nunca considerara a circunstâncias de os comunistas, uma vez no poder, perderem o apoio dos trabalhadores.?

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Dostoiévski vai a Cuba

Muitas vezes, ao longo da leitura de O homem que amava os cachorros, me peguei pensando em Dostoiévski. Primeiramente, por uma razão mais óbvia: a maneira peculiar como Dostoiévski trabalha os assassinatos em seus romances. Em Crime e castigo, por exemplo, já conhecemos o assassino Raskólnikov nas primeiras linhas (uma quebra de expectativa para quem espera um romance de suspense tradicional). A questão não é a identidade do assassino, mas quais são suas motivações e como o chefe de polícia chega até Raskólnikov. A resposta, aqui, é política e ideológica: Raskólnikov não se conforma com sua miséria e falta de oportunidades e, tomado por arroubos napoleônicos, se sente no direito de matar uma velha de quem ninguém aparentava gostar. Não por acaso, o chefe de polícia, entre a ausência de evidências, consegue se guiar por meio de um artigo de jornal que só alguém que cometera um crime como aquele poderia ter escrito. Nada de finais com revelações teatrais, dedos apontados para mordomos e palavras de ordem.

Encontramos movimentos semelhantes no romance de Padura. Por se tratar de um crime cujas motivações eram sobretudo ideológicas e políticas, os motivos importam mais que a revelação do assassino. Assim como em Crime e Castigo, as perguntas que se colocam são: quais fatores sociais contribuem para a formação ideológica do culpado? Até que ponto as circunstâncias sociais e pessoais influenciam na tomada de decisão? Assim como as perguntas, as grandes revelações são de outra ordem e giram em torno da reflexão sobre a validade e real necessidade do crime, passando pela reavaliação e pelo arrependimento por parte daqueles que os cometeram. O arrependimento, no entanto, ultrapassa o âmbito pessoal e se configura em forma de questionamento da própria ideologia que levou ao crime. Em O homem que amava os cachorros, onde conhecemos o narrador em primeira mão, o questionamento da ideologia por parte de Ramón leva, naturalmente, ao questionamento do regime político que cerca o narrador Iván. Os diferentes focos narrativos de Trótski e Mercader estão indelevelmente marcados pelo inconformismo de Iván. Por isso, o relato do assassinato de Trótski é a válvula pela qual Iván consegue relatar sua própria tragédia pessoal.
Situando seu narrador na Cuba do começo do século XXI e tratando a história do assassinato com um foco sobretudo político e social, Padura estabelece um fio que conecta os três homens da história. Primeiramente, porque a história do crime está ligada às decepções diante do sonho utópico (para Ramón, o stalinismo; para Trótski, os caminhos imprevistos da Revolução Russa; para Iván, os ideais da revolução cubana). Além disso, o assassinato funciona como constante lembrete de que os acontecimentos históricos não são fatos isolados, mas influenciam o presente. Desse modo, Iván não só conta o assassinato, mas, ao fazê-lo, encontra o fio que passa pelo assassinato e chega à política de seu país, chega à sua própria experiência de vida, escancara como determinadas configurações históricas podem influenciar a vida das pessoas, seja quando elas passam fome, sejam quando se deparam inesperadamente com o amor ? e a maneira como Iván coloca essa questão soa até mesmo como a tragicidade no sentido grego clássico, como um destino inescapável onde a configuração político-social age como um deus bravo.

Há, entretanto, um outro ponto de contato entre os três homens e que me remete a Dostoiévski. Sempre que leio um romance do russo, sinto uma compaixão incômoda por algumas de seus personagens ? geralmente aquelas que desejam cometer atos ruins. Sim, elas são controversas e erram constantemente. Contudo, elas não conseguem ser tão ruins como gostariam de ser. Raskólnikov planeja matar a velha usurária e Dmitri gostaria muito que seu pai morresse, mas nenhum deles estava contando com sua consciência. Isso não faz deles fracos. Sua contradição, penso, é o que dá a eles sua humanidade e revela sentimentos com os quais todos nos conectamos.

Através das palavras de Iván, senti essa mesma compaixão por Ramón e Trótski. Acredito que ambos pensavam ser mais frios do que realmente eram ? aliás, o título de mau do romance fica com Stalin, que não aparece nenhum momento em cena e não tem sua subjetividade representada. Ramón acreditava ser um revolucionário impiedoso, sem sentimentos. Trótski acreditava que seria capaz de colocar seus ideais revolucionários acima de qualquer outra coisa, sem titubear. Assim, Ramón assassina Trótski e manipula Sylvia; Trótski manda matar muitas pessoas quando comandante do Exército Vermelho e arrasta sua família para o sofrimento que a perseguição política engendra. Mas nenhum deles é impassível diante da dor dos outros.

Poderíamos ir além e dizer que a causa primeira de todos seus atos não é outra senão o amor. Em primeira instância, Ramón topa participar de qualquer negócio para impressionar África , por quem é apaixonado. Trótski, apesar de todas as controvérsias, tem um amor honesto pela causa e pelas pessoas que a representam, mesmo que sejam seguidoras de seu algoz. É a í que acaba a paz de Iván. Ele escuta o misterioso homem da praia, pesquisa os cantos mais obscuros do assassinato e, quando menos espera, está sentindo compaixão pela vítima e o algoz. Até mesmo Ramón se vê comovido diante de Trótski, forçando-se a sentir um ódio que futuramente daria lugar ao arrependimento: ?Ramón recusou-se a ouvir, tentando se concentrar em seu ódio e na nuca do velho, mas admirou-se ao descobrir que o rondava um sentimento ambíguo de compreensão?.

Compaixão, o mote do livro, a palavra que fecha o romance. Lembro exatamente o dia que entendi Iván. Estava sentada no degrau do quintal, no sol fresco das 8 da manhã enquanto tomava meu café, e me peguei pensando em Ramón e Trótski, em tudo que sofreram. Eu estava realmente triste por eles, genuinamente chateada ao pensar em pessoas que eu poderia tão facilmente odiar. Mas, como podia eu estar penalizada por homens como aqueles? E então eu entendi a revolta de Iván ao notar que compartilhávamos da mesma compaixão indignada. E é o tipo de sentimento que, quanto mais desconfortável, mais humano. Raskólnikov sorri de sua cela.

Ao humanizar essas figuras, Padura nos alerta que pessoas comuns podem ser levadas a cometer atos horríveis por simplesmente acreditarem que esse é seu dever. A compaixão de Iván é a compreensão de que o algoz e a vítima são homens comuns como ele, não grandes gênios do mal. Sobre Ramón, por exemplo, ele mesmo deduz: ?Mercader foi vítima e carrasco, tal como a maioria. (...) Ele não andava por aí matando pessoas... Foi um soldado que cumpriu ordens. Fez o que lhe mandaram por conveniência e convicção.? É uma percepção difícil, e implica entender que o mal pode vir dos lugares mais elementares.

A peça-chave neste livro é entender que o grande X da questão é saber, afinal de contas, quem é o homem que amava os cachorros anunciado no título. Teoricamente, seria o homem misterioso que caminha na praia com seus dois borzóis e relata tudo a Iván. Teoricamente. Contudo, Iván, Trótski e Ramón têm uma coisa em comum: todos amam cachorros, e cachorros são o grande elemento que faz com que criem laços sinceros com outras pessoas. Nessa história, não existe apenas um homem que ama cachorros, não há um grande culpado. Aí está o enigma da compaixão revoltante que Iván sente, acho que é isso que ele entende depois de ouvir a história toda: o homem que ama os cachorros é o homem da praia, é Ramón, é Trótski, é Orwell... é Iván. Podemos ir além: na verdade, talvez sequer importe quem é o homem que ama os cachorros quando qualquer um pode ser o homem que ama os cachorros, quando basta estar vivo para poder amar um cachorro.

E amar um cachorro, como afirmou Breton a Trótski, pode ser atribuir sentimentos e percepções humanas aos animais. Diz mais sobre nós do que sobre eles. Logo, os três homens deste romance, tão controversos e errantes, talvez amem tanto os cachorros porque sabem que se trata de um ser que consegue dar um amor genuíno, independentemente do tipo de erro que seus donos cometeram no passado e da ideologia que carregam. É mais ou menos por aí a ideia de compaixão que implica em amar e se deixar amar por um cachorro: o amor de um cachorro é a compaixão inevitável que eu sinto quando consigo enxergar o outro como ser humano. É essa compaixão que o governo desumano de Stalin negava, essa compaixão que o desejo de fé cega pela ideologia nega. E, a partir do momento em que eu sinto um pouco de compaixão, também consigo reconhecer que, de certa forma, me conecto com suas histórias e suas dores e que estamos todos ligados, ?como astros cujas órbitas estão destinadas a se cruzar e provocar uma explosão.?
Jovem Ulrich 07/03/2021minha estante
Tenho o meu autografado. Adoro o Padura. Grande romancista.




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