Leitura subjetiva e ensino de literatura

Leitura subjetiva e ensino de literatura Annie Rouxel...




Resenhas - Leitura subjetiva e ensino de literatura


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fran.sousa.1217 01/12/2017

Leitura subjetiva e ensino de literatura
Leitura subjetiva e ensino de literatura
Todos sabemos que os professores de literatura adotam métodos de ensino baseados na leitura obrigatória de obras clássicas. E, por conta disso afasta ainda mais a criança ou jovem da leitura literária. Muitos professores ainda ensinam literatura nos moldes do século XIX, ou seja, o leitor não tem nenhuma importância a obra ou o autor é que são importantes para eles.
Nesse cenário, Leitura subjetiva e ensino de literatura apresenta uma importante contribuição para a educação básica e também para os cursos superiores voltados para formação de professores. O livro contém 11 artigos que foram apresentados no Colóquio “Sujeitos leitores e ensino de literatura” que aconteceu na cidade de Rennes, na França, em 2004 e traduzido para o português por um grupo de pesquisadores. Foram selecionados oito artigos para a edição brasileira que os organizadores julgaram importantes para os nossos educadores, além de mais três ensaios inéditos de Annie Rouxel.
Os estudos predominam pelo rigor teórico e pelas experiências e propostas didáticas sobre a leitura literária e ensino de literatura. A proposta do livro é de estudar o leitor real, aquele que abre um livro para ler. E por meio disso caracterizar modos efetivos de apropriação da obra pelo leitor. Tudo isso foi analisado por meio de produção de materiais dos alunos, tais como; diários pessoais, autobiografias e outros tipos de textos. Didaticamente, é na sala de aula que deve reunir as condições favoráveis para a construção dos leitores, lugar esse que o professor deixa de figurar como autoridade detentora de um saber a ser transmitido e passa a atuar como mediador da elaboração coletiva dos sentidos de uma obra literária.
As análises feitas no livro demostram que a leitura não consiste em experiências livres, em que os textos servem para expressar qualquer dimensão subjetiva dos leitores. A relação do dos direitos dos leitores e os direitos do texto também são levadas em consideração. Em consequência disso o sujeito leitor ao se apossar do texto lido, ele torna-se efetivamente um autor, ou seja, ao dar sentido ao que é lido, faz reviver o texto através da leitura e da fala para que outras pessoas venham tomar conhecimento dessa leitura.
Leitura subjetiva e ensino de literatura aborda a didática da literatura do maternal à universidade, o que o torna interessante à professores de todos níveis de ensino. Mas será mais útil aos professores dos cursos universitários de formação de professores da educação básica. Nesse livro está reunido várias reflexões sobre as diversas motivações para se ler no mundo contemporâneo, abordando também como as escolhas e formas de leitura podem ajudar na reformulação dos conteúdos programáticos dos cursos, que ainda trabalhem com um modelo de leitura literária distante da realidade dos alunos.
É claro que não se trata de abandonar a leitura dos cânones da literatura, mas sim de aceitar a subjetividade do leitor, que é muito discutida no livro, para que através disso possa haver um diálogo com ele em sala de aula. Tanto a subjetividade acidental (feita pelo leitor), quanto a subjetividade necessária (programada pelo texto) pode ser uma grande aliada no ensino de literatura. Sempre deixando claro, que não é necessário abandonar os clássicos, mas sim respeitando a identidade do sujeito leitor e seus gostos literários.
As análises feitas dos textos produzidos pelos alunos foram de grande valia para essas pesquisas, pois esclarecem o que significa, por exemplo, “utilizar” um texto literário. Que pelos métodos tradicionais de análise é considerado como uma interferência subjetiva no processo de leitura, e que na verdade é a forma mais autentica de se compreender a própria experiência de leitura.
Enfim, recomendo que leiam Leitura subjetiva e ensino de literatura pois o livro proporciona, uma série de contribuição tanto teórica quanto prática, e te leva a um verdadeiro deleite intelectual, seja você um leitor experiente, estudante ou, em especial, um professor de literatura. Ao apresentar uma grande contribuição de aspectos práticos da leitura, o livro nos permite andar através do processo de criação e da aceitação literária, fazendo com que seu interesse e admiração pela literatura só venha aumentar. E, isso pode ser de grande interesse para o professor que está disposto a reciclar seu modo de pensar e ensinar literatura.
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Monique B. 01/12/2017

As relações dos sujeitos com a leitura
Analisar os problemas escolares sempre é um grande desafio pela quantidade de elementos que influenciam no resultado. Em Leitura subjetiva e ensino da literatura, os autores dos artigos buscam analisar as interações do jogo literário, quem são os jogadores e como atuam nas partidas. Os textos apresentam uma visão que privilegia as ideias da teoria da estética da recepção, os seja, compreendem que o sujeito leitor não é um elemento externo da análise literária, mas é importante para a construção do sentido do texto. Abordagem que difere de muitas práticas pedagógicas que sufocam a subjetividade do aluno em prol da exaltação do cânone escolar e da sacralização da análise do professor, vista como a única adequada para as leituras em sala.
Apesar das diferenças culturais e temporais é possível traçar paralelos com situações atuais no Brasil, onde muitas vezes o aluno não consegue se identificar com as propostas escolares. Esta obra francesa de 2004 consegue se atualizar quando um aluno em 2017 diz que odeia ler apesar de carregar em sua mochila um livro de um Youtuber (o livro usa o exemplo de best sellers que carregam um certo estigma em comparação à leitura escolar). É necessário repensar as práticas escolares brasileiras refletindo sobre os sujeitos envolvidos, seus gostos pessoais, sua capacidade de interpretação e a seu repertório de leituras. Para isso é necessário considerar quem são estes sujeitos, suas relações com as leituras pessoais e obrigatórias além dos objetivos destas. Estes tópicos, dentre outros, são levantadas pela obra com reflexões de teóricos literários e estudo de casos apresentados pelo grupo de pesquisa dos autores, o grande destaque da obra é coletar dados de diferentes fontes que resulta em uma análise extremamente rica.
Outro ponto interessante da obra é trazer para a reflexão a identidade literária do professor e do aluno de Licenciatura. Além de convidar os professores e graduandos de licenciatura a refletir sobre suas abordagens pedagógicas também aborda como o professor, ou aluno da graduação, lida pessoalmente com a literatura. O livro propõe que todos os indivíduos envolvidos reflitam sobre suas ações literárias afinal como coloca Neide Luzia de Rezende "Construir autonomia e visão crítica, tendo a leitura como a maior aliada, supõe que o professor tenha ele próprio vivenciado esse tipo de formação e que o currículo escolar reserve tempo e espaço para isso..." (P.11). O grande diferencial desta obra é não apontar culpados para a situação atual da educação literária, mas busca refletir as diferentes relações com a literatura assim como os diferentes sujeitos que fazem parte destas relações.
O livro foca no individuo leitor as relações que influenciam para a sua formação, como por exemplo praticas pedagógicas, a sociedade, a relação com os livros, autores e principalmente sua própria subjetividade. Ou seja, propõe que o leitor seja respeitado como individuo humano social, validando suas escolhas e opiniões. Entretanto também estabelece que o texto tem suas próprias exigências e que o profissional da educação deve saber delimitar os direitos do leitor e os direitos do texto. O professor deve deixar a figura de autoridade para assumir a postura de mediador de diálogos entre o aluno, o texto e a comunidade literária que o leitor pertence, no caso a escola, a leitura não deve apenas divagar sobre as possibilidades de infinitas de interpretação do texto literário. A imaginação e os traços pessoais de cada leitor produzem inúmeras leituras, mas a literatura não deve ser um exercício exclusivo para a divagação sem rumo e aqui o professor possui o papel de aprofundar as discussões literárias analisando argumentos embasados no texto lido.
Para uma experiência significativa das discussões literárias o leitor deve dialogar com o texto, sem se apropriar do texto de forma indevida. Os direitos do leitor estão delimitados pelo direito do texto e suas interpretações pessoais devem ser consideradas, entretanto, do ponto de vista crítico o aluno deve sustentar seu argumento com ideias presentes no texto. O professor deve se atentar para estes pontos em sala de aula sem desautorizar a leitura do aluno, demonstrar que pertinência de uma leitura é diferente de preferência. O leitor pode preferir uma leitura que fale com as suas preferências íntimas (leitura afetiva), mas em um
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Letícia 01/12/2017

O leitor como instância crucial da literatura
O presente livro "Leitura subjetiva e ensino de literatura" é uma compilação de oito ensaios que foram apresentados no colóquio "Sujeitos leitores e ensino da literatura", ocorrido em 2004 na cidade francesa de Rennes, além de três ensaios inéditos de Annie Rouxel. A autora, além de revelar-se no livro como uma notável pesquisadora sobre o ensino e a recepção da leitura literária, também participou da seleção dos textos deste, com Gérard Langlade, professor e pesquisador sobre o ensino da literatura, com foco nas experiências de leitura subjetiva, que também pode ser visto no seu único ensaio publicado na obra. A coordenação da edição brasileira ficou por conta de Neide Luzia de Resende, professora da USP e pesquisadora voltada para a literatura e o ensino no âmbito da pós-graduação.
Li o livro para uma apresentação de seminário que fiz na faculdade. Apesar dessas indicações de leitura para apresentações terem uma carga diferente, mais pesada, já que, para tais, acabamos ativando uma leitura (ou tentativa de leitura) mais técnica, atenta aos pontos principais do livro, o que passei, durante seu estudo, foi bem mais adiante que isso. Ler artigos que pensam (enfim!) a experiência do leitor com a leitura e as possíveis formas desse leitor interpretar e se apropriar do texto, com fortes bases teóricas e considerações históricas, foi gratificante, porque consegui sanar muitos questionamentos que a Letícia leitora tinha e consegui, também, chegar a algumas respostas mais concretas (nunca definitivas) sobre como tratar meus futuros alunos leitores como instâncias da literatura.
Eu gostaria de frisar como o livro reflete os limites da interpretação de um texto, ponto abordado em quase todos os artigos, sob diversos pontos de vista, mas sempre com uma questão em comum, a consideração da subjetividade do leitor. Como licencianda em Letras, isso me interessa muito, por ser importante que estejamos atentos à abordagem dos textos literários em sala de aula, mas também por possibilitar que se reconheça diversos pontos que são importantes para os professores enquanto leitores. Por isso, esse livro se destaca ao tratar do ensino de literatura na escola (ensino fundamental e médio) bem como na universidade, traçando as diferenças entre as leituras literárias feitas em variadas esferas de ensino.
Parece legítimo dizer que a temática essencial do livro é sobre a dimensão subjetiva da leitura, considerando a complexidade do sujeito leitor, que seria, de acordo com Rouxel e Langlade na apresentação do livro, uma "identidade "plural", móvel, feita de eus diferentes que surgem segundo momentos do texto, as circunstâncias de leitura e as finalidades que lhe são designadas". Visto que a proposta não é simples, há uma forte discussão em torno dos procedimentos de leitura utilizados historicamente nas escolas da França. São tratadas, em especial, as técnicas de leitura estruturalistas e "de admiração" - conceito abordado por Violaine Houdart-Mérot em "Da crítica de admiração à leitura "scriptível""-, em que o papel do leitor é admirar "da maneira correta" a obra, tanto no plano estético quanto no moral. Pelo fato do livro refletir, hoje, no quão nocivas, para a autonomia do aluno, podem ser algumas táticas de abordagem da literatura, me faz pensar que o texto não é contemporâneo só por tratar de questões que são discutidas atualmente, mas por "manter o olhar fixo no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro", como considera Agamben, em 2009, em seu ensaio "O que é o contemporâneo?".
Apesar de acreditar que a ordenação dos artigos conta muito para a compreensão da obra como um todo, recomendo o artigo "Direitos do texto e direitos dos jovens leitores: um equilíbrio instável", de Catherine Tauveron, para quem ainda está hesitante em manter a leitura do livro após começá-la, pois acredito que nele, através dos exemplos, ficam mais fáceis e esclarecidos as questões em torno da subjetividade e os conflitos que temos em mente quando pensamos no alcance de equilíbrio entre os direitos do texto, do leitor e, incluo ainda, do professor diante do texto e de sua interpretação.
Julgo haver dois desafios em torno da leitura do livro: a adequação à realidade brasileira de alguns exemplos comentados sobre a lógica de ensino francesa para sustentação de certas teorias elaboradas nos artigos e, também, a tradução, que trouxe algumas dificuldades para a compreensão de alguns trechos em que a coordenação de algumas (bem poucas) frases não pareciam tão claras. O reconhecimento desses desafios surgiu em debate com duas colegas que também leram o livro. Mas, nenhum deles é suficiente para impedir a compreensão da obra. Talvez tenhamos chegado a eles por falta de conhecimento ou hábito, não sei. Não deixo de considerar que a obra apresenta teóricos ilustres e complexos, como Umberto Eco, Roland Barthes e P. Bayard, que merecem mais atenção na leitura.
Indico a leitura de "Leitura subjetiva e ensino de literatura" para todos que se interessam por questões em torno do ensino de literatura, sem deixar de lado a importância do texto e do leitor, e, ainda, para todos que buscam compreender seu lugar como leitor no mundo, em meio a tantas imposições e pressões sobre a literatura. Sem dúvidas, o leitor desse livro encontrará grande aporte científico e didático em torno dos processos de leitura e criação literária, que são fundamentais para a compreensão do "leitor real", aquele que traz sua subjetividade na interpretação.
Deixo, por fim, uma citação de Antoine Compagnon em "O demônio da teoria", que foi usada como epígrafe de um dos meus artigos favoritos do livro, "O advento dos leitores reais" da Annie Rouxel:
"A experiência da leitura, como toda experiência humana, é sempre uma experiência dupla, ambígua, dividida: entre compreender e amar, entre a filologia e a alegoria, entre a liberdade e a restrição, entre a atenção para com o outro e o cuidado consigo".
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Anderson Alves 07/12/2017

Como encarar o desafio de mediar uma leitura não tradicional nos dias de hoje?
O livro “Leitura subjetiva e ensino de literatura é uma coletânea de onze artigos franceses oriundos de um colóquio chamado “Sujeitos leitores e ensino de literatura” realizado em Rennes na França em 2004. Os participantes refletiram sobre os problemas no ensino de literatura e formação do leitor. Os textos foram organizados por Annie Rouxel, professora emérita em Língua e Literatura Francesas na Universidade Bordeaux, e Gerard Langlade, professor da faculdade de Toulouse e teve a coordenação da tradução por Neide Luzia de Rezende, professora da faculdade de educação da USP, a qual elegeu os textos que mais interessam face ao panorama da educação brasileira.
Em sua introdução, Rezende aborda os desafios enfrentados no ensino de literatura e formação de leitores como o preconceito de uma leitura mais particular de jovens e crianças na escola tradicional brasileira e também da contradição que existe entre a descoberta da importância da leitura, que consta, inclusive, na LDB 1996, e a ausência de sua aplicação na prática da maioria das escolas tupiniquins. A autora criticará ainda a má formação de professores nos institutos superiores particulares que não podem propiciar aos alunos a experiência da leitura sem tê-la, eles mesmos, experimentado. Inclusive no ensino superior, fato facilmente comprovado em universidades públicas brasileiras.
A autora ainda acrescentará o relato de algumas alunas de uma escola que adotara o livro “Dom Casmurro” como leitura obrigatória e a experiência não foi muito boa. Alunos deixando de ler o livro por considerar a linguagem difícil e dando preferência a Best-Sellers de leitura “mais fácil”. Atualmente os professores também se encontram frente ao dilema da tecnologia, em que precisam disputar a atenção dos alunos e a autora sugere aliar-se aos suportes eletrônicos como complementadores de atividades. No caminho que vai a educação atual, os jovens estão seguindo para um lado e a escola tradicional para outro.
Eu seu artigo, O SUJEITO LEITOR, AUTOR DA SINGULARIDADE DA OBRA, Gérard Langlade confrontará a ideia de que “reações pessoais restritas” devem ser superadas para a construção da interpretação. Ora, se qualquer reação pessoal restrita é desencorajada, resta ao leitor o papel de paciente que, apenas aguarda a figura do detentor do saber derramar a narrativa canônica de forma mais objetiva.
O sujeito leitor é constituído de experiências pessoais concretas e constrói a leitura através do texto de forma particular. A verdade é que o texto, enquanto grafemas impressos numa superfície de um material representa somente isto, texto. O encontro entre o leitor e o texto é que provoca a literatura.
Está claro que a atividade subjetiva de cada leitor pessoalmente se faz imprescindível. Então a literatura se vê reduzida a um aglomerado de abstrações produzidas pelo complexo sistema neural de um sujeito? Esta pergunta será respondida noutro artigo mais à frente. Efetivamente, os artigos dialogam entre si de forma quase que unânime, mas se pode observar esta conexão feita entre este artigo e o artigo de Catherine Tauveron, DIREITOS DO TEXTO E DIREITO DOS JOVENS LEITORES: UM EQUILÍBRIO INSTÁVEL, de forma bastante evidente.
Tauveron atenta para práticas do leitor não-experiente que são nocivas ao texto e ao próprio leitor, como uma antecipação mal formulada que toma o lugar do texto real. Humberto Eco formula: “(...) é possível dizer muitas coisas do texto, muitas vezes um número potencialmente infinito de coisas, mas é impossível, ao menos de um ponto de vista crítico, fazê-lo dizer o que ele não diz”. Neste cenário, é extremamente delicado proteger ambos os direitos do leitor, muitas vezes confundido com o direito do professor, e do texto. A pedagogia da literatura, no fundamental, deve compreender uma ambientação que proporcione diálogo entre o leitor e o texto, de modo que ambos sejam minimamente respeitados.
Então estamos perdidos e todo o sistema educacional deve ser jogado abaixo? Como sobreviver a este desafio de formar leitores com um cenário tão inóspito? O artigo de Vicent Jouve, A LEITURA COMO RETORNO A SI: SOBRE O INTERESSE PEDAGÓGICO DAS LEITURAS SUBJETIVAS, vem como uma resposta à esta pergunta.

Jouve apresentará uma proposta metodológica de mediação bastante interessante baseada em três etapas. A primeira parte da relação pessoal com o texto. Os alunos são chamados a descrever os personagens, também seu psicológico, cenários, se identificar com personagens. Na segunda etapa há um confronto entre o texto e as reações dos alunos, em que o mediador deve proteger ambos os direitos e na última, deve-se questionar as subjetividades do aluno, de onde vem cada reação, julgamento, valor, de modo que fique claro a oportunidade de aprender mais sobre si, embora a leitura proporcione também o conhecer o mundo.
Este livro é altamente recomendado para alunos de letras, em especial de literaturas, visto que abordam várias questões sobre a literatura de forma universal. Apesar de terem sido discutidas na França, facilmente se pode perceber que a nacionalidade da discussão não é mera coincidência. Este livro também pode ser útil a quem se interessar em aprofundar seu conhecimento a respeito do sujeito leitor, quais são os seus direitos e quais os do texto e de que modo este conhecimento pode ser aplicado, se não numa sala de aula, num local mais doméstico como um clube do livro, por exemplo.
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Fernando Lúcio 11/12/2017

NUNCA JULGUE UM LIVRO PELA CAPA…
A capa e o título chamam a atenção de quem tem gosta de “viajar” no mundo da leitura, especialmente da leitura de livros de/sobre literaturas, o conteúdo, sinceramente, nem tanto. Minha avaliação seca vem de uma expectativa (criada em mim pela capa) que não foi totalmente atendida: eu esperava que o livro oferecesse ferramentas práticas e farta exemplificação sobre como utilizar em sala de aula as diversas leituras que os alunos (re)criam a partir da literatura a que têm acesso.
O livro é uma coletânea de artigos e ensaios sobre o ensino da literatura, publicada no francês em 2004, cuja primeira edição em português foi lançada em 2013, pela editora Alameda, organizada por Annie Rouxel (Professora Emérita – titulação máxima – da Universidade de Bordeaux), Gerard Langlade (Professor da Universidade de Toulouse, na França) e Neide Luzia de Rezende (esta foi quem teve a iniciativa de tornar a obra acessível ao público brasileiro). A coletânea surgiu na França como resultado das discussões promovidas no âmbito do colóquio “Sujeitos leitores e ensino de literatura”, ocorrido na cidade de Rennes, como desdobramento das discussões promovidas por Annie em seu artigo “Mutações epistemológicas e o ensino de literatura.: o advento do sujeito leitor”, de 2004. As 210 páginas do livro são bastante densas em termos de teoria, com muita influência da Análise do Discurso de linha francesa e da Escola de Frankfurt, um enorme hipertexto com dúzias de referências sobre outros autores, a exemplo de Sigmund Freud, Roland Barthes, Gustave Flaubert, Marcel Proust, Pierre Bayard, Michel Certau, Pierre Dumayet, Marthe Robert (estes dois referenciados várias vezes), entre tantos outros.
Nos textos, os autores problematizam, sob variados pontos de vista, o ensino de literatura no mundo contemporâneo. Se uma aproximação entre a subjetividade do leitor e a leitura já teria sido realizada em outras áreas, a exemplo da Educação, por que o ensino de literatura não poderia fazer o mesmo? Partindo de questões como essa, implícitas nas críticas feitas ao longo da obra, o livro apresenta a situação do ensino e das práticas de leitura (ou a ausência/ineficiência delas) no cenário da Educação Brasileira, na visão de Neide Luzia de Rezende, com críticas à não aplicação de diretrizes já válidas desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9394 de 1996), a má formação dos profissionais e o consequente ensino de literatura distanciado da leitura e da inserção das experiências particulares de leitura experimentadas pelos jovens hoje. Ela pontua, ainda, o previsível trabalho com clássicos da literatura, como o Dom Casmurro, sem conexão com as novas tendências e anseios dos leitores, algo que acaba por afastá-los dos clássicos e impulsioná-los em direção a livros de linguagem mais simples e acessível, como os best-sellers dos últimos anos. Rouxel e Langlade trazem à tona questões discutidas no já referido Colóquio de Rennes, tais como o ensino e a leitura focados no leitor (influência da Teoria da Recepção, algo que permeia/conduz toda a obra), a produção de sentidos e o papel do leitor nesse processo, entre outros tópicos relevantes.
A partir de então, como sugeri inicialmente, a leitura se torna monótona, arrastada, cíclica, repleta de termos sinônimos de outros termos, chata mesmo. O único ponto positivo que destaco são os exemplos retirados de outros autores (como Dumayet e Robert), de experiências de subjetividade durante a leitura de algum texto, que nos dão uma dimensão prática, imagética do que os autores estão querendo dizer. Por exemplo, no capítulo “O Sujeito Leitor, Autor da Singularidade da Obra”, Langlade fala como Dumayet associava o andar de Madame Bovary e o deslizar da fita de sua roupa no chão, com os movimentos de uma serpente que viu quando era criança. Adiante, são confrontados, no capítulo assinado por Catherine Tauveron, os “direitos do texto” (o que o texto diz de fato e o que não diz) e os “direitos do leitor” (como ele recebe o texto, suas interpretações pessoais, sua subjetividade). Outro momento importante do livro é o capítulo de Annie Rouxel, “A tensão entre utilizar e interpretar na recepção de obras literárias em sala de aula: reflexão sobre uma inversão de valores ao longo da escolaridade”, muito baseado em Umberto Eco. A interpretação está relacionada aos “direitos do texto”, pressupõe uma comunidade de leitores, um acordo tácito, pactuado e é valida nesse contexto a literatura discutida na comunidade, pelo professor. A utilização relaciona-se com os “direitos do leitor”, é pessoal, subjetiva, ou seja, para cada leitor, o texto diz algo diferente (ou não diz nada).
Como disse, uma profusão de termos surge. Fala-se que o leitor produz um “texto singular”, preenche “espaços em branco”, “interstícios”, demonstra uma “iniciativa interpretativa”, um “ponto de vista subjetivo”, uma “produção silenciosa”, “significação induzida”, “astúcia do prazer”, “invenção da memória”, o leitor realiza uma “caça furtiva” em relação à “presa” que é o texto, apoderando-se dele secretamente e desrespeitando (ainda que em silêncio, quase de modo inconsciente) as regras tradicionais que direcionam a leitura, digamos, linear ou tradicional do texto literário. Ao fazer isso, o leitor pratica “atividades de complemento” por meio de uma “adesão viva” e um sem-número de outros termos. Tudo isso para dizer, a meu ver, que a leitura de textos literários é um processo tão vivo e rico como a escrita, com a participação ativa do leitor, e que suas possibilidades de exploração vão além do uso utilitário e rígido da interpretação textual baseada em gabaritos previamente fechados pela interpretação de alguém julgado um leitor hábil.
Sem dúvida que a problematização é boa e os textos foram cuidadosamente escolhidos por professores da USP, como a própria Neide Luzia de Rezende, que assina a organização. E daí? O único vislumbre do que poderia ser feito na prática para dar foco maior à utilização do texto e não de sua interpretação me veio quando li o capítulo sobre interpretar x utilizar. No mais, reafirmo: muita teoria, muitos termos bonitinhos emprestados do francês e pouca aplicabilidade. A maior crítica que se pode fazer a esse livro é que, após lê-lo, você continua com a sensação de que aprendeu muita coisa, mas não tem ideia de como relacionar todo esse volume de informações ao dia a dia de uma escola. Quer dizer, é uma leitura que critica, mas, ela mesma não considera a “iniciativa interpretativa” do leitor. Se vale a pena ler o livro? Depende. Quer enriquecer seu vocabulário crítico, vá em frente. Agora, se quiser ensinar literatura, talvez seja melhor não ir tão longe (até a França) e ficar no Brasil mesmo.

REFERÊNCIAS

ROUXEL, Annie; LANGLADE, Gèrard & REZENDE, Neide Luzia (org) Leitura subjetiva e ensino de literatura. São Paulo: Alameda, 2013.

ROUXEL, Annie. Mutações epistemológicas e o ensino de literatura.: o advento do sujeito leitor. Tradução de Samira Murad. Revista Criação e Crítica, n.9, pp.13-24, nov.2012. Disponível em . Acesso em 11 de dezembro de 2017.
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