Che 12/04/2019
CONCLUSÃO TRUNCADA
Imagino que os leitores de "Jazz Branco" - o livro de encerramento do quarteto de Los Angeles, realizado pelo brilhante escritor noir James Ellroy - podem ser divididos em dois grupos, sendo muito distinta a experiência que terão lendo a partir disso. O primeiro grupo é de quem chegou neste livro por alguma obra do acaso ou quis começar a conhecer o autor por ele, sem nenhum 'background' prévio sobre os personagens ou a prosa ellroyniana. O segundo, no qual me incluo, é quem vem da leitura (e fica ainda mais grave se for leitura recente) dos outros três volumes do quarteto, gerando uma inevitável comparação direta com a experiência que vínhamos tendo até ali.
Já tendo me deliciado com os anteriores, em especial "Dália Negra" que claramente é um livro passional e pessoal do autor para exorcizar seus próprios fantasmas, fica difícil não ver na narrativa de um livro que era pra ser bem maior que os anteriores em extensão ser mutilado artificialmente por meio de algumas traquinagens de Ellroy pra não ter que enxugar as (sub)tramas dos muitos personagens que dão as caras ali, entre eles novamente velhos conhecidos como Dudley Smith e Ed Exley, novamente numa 'guerra fria' entre eles como víamos desde o final de "Los Angeles - Cidade Proibida".
Em parte é e em parte não é culpa do próprio Ellroy a decisão e o ônus que esses cortes todos, exigidos pela editora para redução de páginas. Essa sanha mercadológica de mutilar o livro para supostamente "vender mais fácil" veio de cima pra baixo e de fato pressionou o autor a contragosto. Mas fica a dúvida se não seria de fato melhor simplesmente, já que a decisão foi tomada, tirar algumas subtramas menos relevantes e manter a prosa esteticamente coerente com os três anteriores. O que não me deixa a menor dúvida é que esse negócio de ficar abreviando nomes toda hora, usando e abusando de pontos e vírgula, travessões e etc pra deixar as orações mais curtas, não foi de jeito nenhum uma transformação "genial" de uma imposição comercial para um "outro estilo". Ficou estranho e invasivo e notavelmente veio de modo artificial, se lido no todo do quarteto.
Os problemas de "Jazz Branco" não param só nessa seara da truncagem forçada da prosa. É sem dúvidas o enredo menos contundente e com o protagonista (novamente em narração de primeira pessoa, como no "Dália Negra") menos interessante dos quatro volumes. Dave Klein chega prometendo em seus primeiros capítulos que o fato de ser ex-advogado e a relação ambígua com a irmã terão desenvolvimentos acachapantes no decorrer da história. Mas que nada, ambas essas facetas dele tem relevância quase nula e se nem tivessem sido mencionadas, daria na mesma e pelo menos não fariam a gente ficar esfregando as mãos na expectativa de ver, por exemplo, ele usar mais os conhecimentos em Direito para confrontar outros tiras tão corruptos quanto ele em interesse próprio, versando sobre o uso seletivo e subjetivo da lei na Los Angeles de 1958.
Apesar de todos esses e mais alguns problemas sérios, que fazem com que "Jazz Branco" seja sem a menor sombra de dúvidas o pior volume do L. A. Quartet, o fato é que a obra ainda entretém e a gente acaba tendo grande curiosidade no desdobramento da treta Dudley versus Exley, inclusive lamentando que eles (principalmente o facínora irlandês) não apareçam mais. Dudley é pela terceira vez na bibliografia de Ellroy o retrato da impunidade (ainda que aqui ele passe mais apertos que antes) do aparelho repressor estadunidense, um sujeito racista que anda de mãos dadas com a máfia e sempre parte não da dúvida, mas da certeza absoluta que vai escapar impune apesar das suas (muitas) atividades cabulosas. E Exley novamente é o sujeito implacável e calculista do livro anterior, com a questão do fato de ser filhinho de papai menos acentuada, lembrando mais o personagem (que eu adoro!) do filme de Curtis Hanson. Fica a dúvida se Dudley e Exley voltam em algum outro livro do mesmo autor, já que restou a curiosidade sobre o destino especialmente do segundo.
Ellroy ainda tem coragem de retratar seus personagens, o protagonista incluído, como homicidas deliberados pra os quais a Constituição é letra morta toda vez que convém. Apesar do curioso glamour que que há no gênero noir (em cinema e literatura), é o extremo-oposto da glorificação do 'homem ideal' dos westerns, sem nenhuma ilusão acerca de uma suposta inocência de "bons tempos morais" que nunca nem chegaram perto de existir no país do Tio Sam. "Jazz Branco" acrescenta mais algumas peças nesse tabuleiro que ajudam a retratar a podridão curiosamente hipnótica do cenário sem lei nem ordem desenvolvido em quatro livros (e continuados depois) por seu autor, que mesmo nos momentos menores ainda cativa - pena que aqui, sem dúvidas, com quase tantos contras quanto prós.