spoiler visualizarBrujo 18/05/2023
As Crônicas Marcianasl
Lançado como livro em 1950, Crônicas Marcianas foi escrito por Ray Bradbury e, nesta edição que li, conta com 26 contos (dentre eles vinhetas) lançados originalmente entre 1946 e 1951 em diversas revistas Pulp diferentes, sendo que a idéia de reunir os contos foi de um editor da editora Doubleday.
Os contos, por mais que tenham sido lançados separadamente, são unidos por uma cronologia que vai de 1999 a 2026 (na minha edição, parece que em edições posteriores foi adicionado cerca de 30 anos às datas) e uma linha condutora: a exploração humana do planeta Marte. Porém, no universo criado por Bradbury, o planeta vermelho já é habitado por seres com dons telepáticos (usados de forma fantástica na história). Conforme as duas primeiras expedições de humanos se encaminham para Marte, seus habitantes pressentem suas chegadas, absorvendo um pouco das memórias dos tripulantes e prevendo que algo ruim irá acontecer. No segundo conto, por exemplo, chamado "Ylla", a personagem que dá nome ao conto sonha com um ser de pele branca e olhos azuis, que diz que vai levá-la para a Terra e pressente o local de sua chegada. Além disso, em sua mente surge uma canção de língua desconhecida, provavelmente vinda da mente do primeiro explorador. O final acaba sendo trágico, com o marido de Ylla matando o astronauta, o que provoca reações de tristeza na mente da esposa.
Após as primeiras interações entre humanos e marcianos, em uma clara alusão às interações entre colonizadores e índios norteamericanos, os humanos levam a catapora para o planeta, dizimando a maioria dos marcianos. A segunda parte dos contos narra a colonização do planeta e a iminência de uma guerra nuclear na Terra, culminando com a volta da maioria dos colonos por conta da eclosão desta guerra.
Os contos finais situados em 2026 descrevem de forma bastante melancólica os remanescentes humanos em Marte. A sociedade humana na Terra foi destruída, da mesma forma que destruíram a civilização marciana. No fim, os últimos humanos em Marte tornam-se os novos marcianos.
Uma característica que permeia todos os contos é a forma poética com que Bradbury escreve. Ao invés de Marte ser um inferno quente e desértico, o autor pinta o planeta vermelho e seus habitantes de forma quase onírica, há inclusive um tom místico em vários momentos.
Os principais assuntos abordados na verdade são preocupações do próprio autor com a situação dos EUA, talvez até seja por isso que na história somente os americanos colonizam o planeta. Bradbury fala de solidão, do medo da guerra nuclear, de racismo, de fé e muitos outros temas, de forma poética e melancólica.
Eu gostei de praticamente todos os contos e vinhetas aqui contidos, mas é claro que tenho os meus preferidos:
? "Os homens da Terra": com um tom de humor non-sense e um final trágico, conta a história de como os homens da segunda expedição (se não me engano) são tidos pelos habitantes de Marte como loucos e trancados em um manicômio;
? "... E a lua continua tão brilhante": Uma expedição humana chega à Marte mas um de seus tripulantes fica indignado com o desrespeito dos outros com os restos mortais da civilização marciana;
?"Os balões de fogo": Uma expedição missionária é enviada à Marte chefiada pelo Padre Peregrine (uma referência aos peregrinos que deram origem aos EUA?) com o objetivo de "purificar os pecados de Marte". Chegando lá, o Padre fica sabendo da existência de seres que vivem nas montanhas e parte para lá para "catequiza-los", mas ao ter contato com estes seres, bolas de fogo azul sencientes, o Padre percebe que seus conceitos podem estar errados e, ao mesmo tempo, reforça sua fé;
? "Um Caminho no Meio do Ar":
O conto retrata um racista branco chamado Teece, que se enfurece ao ver que todos os pretos da cidade estão se dirigindo à Marte. Ele tenta de todas as formas impedir que o seu empregado, chamado Silly, vá embora, mas no final acaba vendo impotente os foguetes decolarem. No auge de sua arrogância e para tentar salvar o orgulho ferido, diz que Silly "O chamou de senhor até o fim". O título faz referência à uma canção gospel afro-americana chamada "Ezekiel Saw the Wheel";
Como podem ver, eu me empolguei escrevendo sobre este livro. Encerro reforçando a beleza desta obra, que pretendo reler no futuro (talvez comprando outra edição) e recomendando fortemente a sua leitura, mesmo se você não for fã de ficção científica.