Carla.Parreira 31/10/2023
A arte de amar (Erich Fromm).
Melhores trechos: "...O caráter masculino pode ser definido como tendo as qualidades de penetração, orientação, atividade, disciplina e aventura; o caráter feminino, pelas qualidades de receptividade produtiva, proteção, realismo, paciência, maternidade. (Deve-se sempre ter em mente que, em cada indivíduo, ambas as características se mesclara, mas com a preponderância das que pertencem ao sexo ?dele? ou ?dela?). Muitas vezes, se os traços do caráter masculino de um homem se enfraquecem porque ele permanece emocionalmente criança, tentará a compensar essa falta pela acentuação exclusiva sobre seu papel masculino no sexo. O resultado é o Dom Juan, que necessita de provar sua potencialidade masculina no sexo, por estar inseguro de sua masculinidade no sentido caracterológico. Quando a paralisia da masculinidade é mais extrema, o sadismo (uso da força) torna-se o substituto principal ? e pervertido ? da masculinidade. Se a sexualidade feminina se enfraquece ou perverte, transforma-se em masoquismo, ou possessividade... Amar alguém não é apenas um sentimento forte: é uma decisão, um julgamento, uma promessa. Se o amor apenas fosse um sentimento, não haveria base para a promessa de amar-se um ao outro para sempre. O sentimento vem e pode ir-se. Como posso julgar que ficará para sempre, se meu ato não envolve julgamento e decisão? Levando essas opiniões em conta, pode-se chegar á posição de que o amor é exclusivamente um ato de vontade e entrega, e portanto, fundamentalmente, não importa quem sejam as duas pessoas. Seja o casamento arranjado por outros, ou resultado de escolha individual, uma vez concluído, o ato da vontade assegurará a continuação do amor...
A condição básica do amor neurótico está no fato de que um dos 'amantes' (ou ambos) permaneceu aferrado a figura de um dos pais e transfere os sentimentos, expectativas e temores que outrora experimentou para com o pai, ou a mãe, para a pessoa amada na vida adulta; as pessoas envolvidas nunca emergiram de um padrão de relação infantil e procuram esse padrão em suas exigências afetivas da vida adulta. Em tais casos, a pessoa permaneceu, afetivamente, uma criança de dois, de cinco, ou de doze anos, ao passo que intelectual e socialmente se acha no nível de sua idade cronológica. Nos casos mais graves, essa imaturidade emocional conduz a perturbações em sua eficiência social, nos menos graves, limita-se o conflito à esfera das relações pessoais íntimas. Referindo-nos à nossa anterior discussão da personalidade centralizada na mãe ? ou pai ? o seguinte exemplo desse tipo de relação de amor neurótico, freqüentemente encontrado hoje, trata de homens que, em seu desenvolvimento emocional, permaneceram fincados num apego infantil à mãe. São homens que, por assim dizer, nunca se 'desmamaram' da mãe. Tais homens ainda sentem como crianças; querem a proteção da mãe, seu amor, calor, cuidado e admiração; querem o amor incondicional da mãe, amor que é dado pela única razão de necessitarem dele, de serem o filho de sua mãe, de serem desamparados. Esses homens freqüentemente são muito afetuosos e encantadores ao tentarem induzir uma mulher a amá-los, e até mesmo depois que o conseguem. Mas suas relações com a mulher (como, de fato, com todas as outras pessoas) permanecem superficiais e irresponsáveis. Existe comumente boa quantidade de vaidade nesse tipo de homens, com idéias grandiosas mais ou menos ocultas. Se encontrassem a mulher certa, sentir-se-iam seguros, na cumeeira do mundo, e poderiam exibir muito afeto e encanto; eis a razão por que esses homens são muitas vezes tão decepcionantes. Mas quando, após algum tempo, a mulher não continua a corresponder a suas fantásticas expectativas, conflitos e ressentimentos começam a desenvolver-se. Se a mulher nem sempre os admira, se reivindica uma vida própria, se também ela deseja ser amada e protegida, e, em casos extremos, se não se mostra disposta a perdoar as questões amorosas deles com outras mulheres (ou mesmo a ter por elas um interesse de admiração), tais homens sentem-se profundamente feridos e decepcionados e habitualmente racionalizam esse sentimento com a idéia de que a mulher 'não os ama, é egoísta, ou é dominadora'. Qualquer falha na atitude de mãe amorosa para com um filho encantador é tomada como prova de falta de amor. Tais homens usualmente confundem sua conduta afetuosa, seu desejo de agradar, com o genuíno amor e chegam, assim, à conclusão de que estão sendo tratados com inteira injustiça; imaginam-se os grandes amorosos e queixam-se amargamente da ingratidão de sua parceira de amor... Forma diferente da patologia neurótica acha-se em casos em que a principal ligação é para com o pai. Caso desses é o do homem cuja mãe seja fria e negligente, ao passo que o pai (em parte como resultado da frieza da esposa) concentra no filho todo o seu afeto e interesse. É um ?bom pai?, mas, ao mesmo tempo, autoritário. Sempre que lhe agrada o comportamento do filho, louva-o, dá-lhe presentes, é afetuoso; sempre que o filho lhe desagrada, retira-se, ou censura-o. O filho, que tem como única afeição a do pai, toma-se ligado ao pai de maneira escravizada. Seu alvo principal na vida é agradar o pai ? e, quando o consegue, sente-se feliz, seguro e satisfeito. Quando, porém, comete um engano, uma falta, ou não consegue agradar ao pai, sente-se deprimido, desalmado, repelido. Na vida posterior, tal homem procurará encontrar uma figura paterna a que se prenda de maneira semelhante. Toda a sua vida se torna uma seqüência de altos e baixos, dependendo de ter ou não conseguido ganhar o louvor do pai. Homens assim muitas vezes têm sucesso em sua carreira social. São conscienciosos, dignos de confiança, prestativos ? contanto que a imagem de pai que escolheram compreenda como tratar com eles. Mas, em suas relações com as mulheres, mantêm-se retraídos e afastados. A mulher não tem significação central para eles; costumeiramente sentem leve desprezo por ela, muitas vezes mascarado de preocupação paternal para com uma mocinha. Podem impressionar inicialmente uma mulher por sua qualidade masculina, mas tornam-se crescentemente decepcionantes, quando a mulher que desposam descobre que está destinada a desempenhar papel secundário, em face da primordial afeição à figura do pai, que é saliente na vida do marido, a qualquer tempo; isto é, a menos que aconteça ter a mulher permanecido ligada ao pai ? sendo assim feliz com um marido que se relaciona com ela como uma criança caprichosa... Outra forma de pseudo-amor é a que pode ser chamada 'amor sentimental' - Sua essência reside no fato de que o amor só é experimentado em fantasia e não nas relações concretas com outra pessoa que é real... Se alguém não alcançou o nível em que tenha um sentido de identidade, de seu Eu, enraizado no desdobramento produtivo de suas próprias forças, tende a ?idolizar? a pessoa amada. Aliena-se de suas próprias forças e projeta-as no ente amado. Como normalmente ninguém pode, a longo prazo, corresponder às expectativas de seu adorador idolatra, a decepção tende a ocorrer e, como remédio, novo ídolo é procurado, ás vezes num círculo infindável...
Outro aspecto do amor sentimental é a abstratificação do amor em termos de tempo. Um casal pode comover-se profundamente com as recordações de seu amor passado, embora, quando esse passado era presente, nenhum amor se experimentasse ? e com as fantasias de seu amor futuro... Outro erro freqüente deve ser mencionado aqui: a ilusão de que amor significa necessariamente ausência de conflito... Amar significa entregar-se sem garantia, dar-se completamente na esperança de que nosso amor produzirá amor na pessoa amada. Amar é um ato de fé, e quem tiver mesquinha fé terá também mesquinho amor..."