Amanda Azevedo 10/02/2014
A Invenção das Asas — Sue Monk Kidd
A Invenção das Asas foi o meu primeiro contato com a autora Sue Monk Kidd, mas seu nome não era estranho para mim, pois já tinha ouvido falar — muito bem — de outro livro de sua autoria, A Vida Secreta das Abelhas. A minha primeira experiência com a autora foi maravilhosa, seu lançamento de 2014 traz uma história comovente e, baseada em fatos e personagens reais.
O livro é narrado, em primeira pessoa, sob o ponto de vista de duas personagens: Hetty — ou Encrenca — e Sarah. Os capítulos vão se alternando entre a narrativa das duas e, através deles vamos acompanhar a trajetória dessas mulheres ao longo de 35 anos. O fato de o livro ser em primeira pessoa enriquece a história, pois com isso é possível que o leitor se sinta mais íntimo das personagens. O vínculo criado entre leitor-personagem-história fica mais intenso.
Sarah Grimké é filha de um aristocrata, um juiz de grande renome e proprietário de escravos. Hetty é uma das escravas na propriedade da família Grimké, em Charleston, Carolina do Sul. A princípio, elas podem parecer bem distintas, mas existe algo em comum dentro delas: uma inquietação, uma insatisfação, e isso fará toda a diferença.
A história tem início em novembro do ano de 1803 com o aniversário de 11 anos de Sarah e o seu presente é uma escrava, a Encrenca, que tinha apenas 10. Desde o primeiro momento, Sarah tem repudio a essa ideia de ganhar uma pessoa de presente. Desde muito nova ela demonstrava ter ideias abolicionistas. Mas além de muito jovem, ela era mulher. Então, até certo tempo, suas vontades e seus pensamentos, eram quase que completamente ignorados. E, muitas vezes, quando ela tentava mudar, um pouco, a realidade ao seu redor, ela era punida por isso.
‘“Mamãe, por favor, deixe... deixe-me devolver Hetty pra você.” Devolver Hetty. Como se ela fosse minha. Como se ter pessoas fosse tão natural quanto respirar. Apesar de toda a minha resistência em relação à escravidão, eu respirava aquele ar doente também.’ — Página 21
No livro, a autora resolveu dar voz a Sarah Grimké, mas ela não travou essa batalha sozinha. Juntamente com sua irmã mais nova, Angelina, elas se tornaram uma das maiores abolicionistas dos Estados Unidos. A diferença de idade entre Sarah e Angelina — ou Nina — é grande — treze anos —, então a Angelina demora um pouco para aparecer na história, mas nem por isso sua presença deixa de ser marcante.
Na infância e início da adolescência, o desagrado da Sarah em relação à escravidão é forte. Mas, por volta dos seus dezessete anos, percebemos que, por mais que esse fato ainda a incomode bastante, as suas tentativas de alterar algo dessa realidade, ameniza um pouco. Mas como sua irmã, Angelina, nutre os mesmos anseios de mudança, elas acabam reunindo forças e descobrindo a coragem e potencial que possuem, e assim elas se unem ainda mais e abraçam a causa juntas.
É inevitável que a narrativa se torne triste em alguns momentos. E isso acontece por vários motivos: as punições que os escravos sofrem; a tristeza que os assola quando um deles é vendido, pois eles criam laços, mas em um dia qualquer um deles pode ser levado para outro lugar e nunca mais terão notícias uns dos outros; e a situação de desalento que as irmãs Grimké se encontram algumas vezes, como elas abriam mão das coisas para continuar seguindo o que elas tinham como objetivo maior em suas vidas.
“Escolhi o arrependimento com o qual poderia viver melhor, só isso. Escolhi a vida à qual pertencia.” — Página 256
Por mais que a narrativa seja triste em alguns momentos, o livro nos apresenta uma história bonita. E digo isso pelo fato das personagens continuarem acreditando mesmo diante das dificuldades. Vez ou outra a crença que elas depositavam na mudança vacilava, e isso é normal. Quando queremos que algo aconteça, mas o resultado demora aparecer, ficamos desiludidos, às vezes. Mas mesmo com os obstáculos elas não deixaram seus desejos morrerem, mesmo que o desânimo as assombrasse em alguns momentos, elas continuaram tentando. Talvez o grande segredo esteja justamente nessa palavra: tentar. A mudança pode não acontecer nem no momento, nem do jeito que você espera, mas da sua coragem, da sua vontade, vai resultar algo.
Sinto que poderia escrever sobre esse livro e seus personagens durante horas a fio. Porque a partir das escolhas que fizeram, é possível absorver uma infinidade de coisas. É a história de duas mulheres lutando não somente contra a escravidão, mas lutando também pela igualdade racial e pelos direitos das mulheres. É a história de duas escravas incapazes de aceitarem a situação que se encontravam. É uma história intensa escrita por pessoas de coragem.
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