PorEssasPáginas 24/05/2014
Em outras palavras: 47 Ronins - Por Essas Páginas
Na coluna Em outras palavras temos a presença de convidados – ou de você, aí, leitor do blog – para falar de livros, quadrinhos ou mangás. Na edição de hoje, o Felipe, que já fez algumas resenhas por aqui, retorna com a resenha de 47 Ronins, que saiu aqui no Brasil pela Editora Novo Século e foi adaptado para o filme homônimo. ‘Bora lá saber o que ele achou do livro e, de quebra, do filme?
Uma história de contrastes, uma crítica social atemporal; em 47 Ronins, somos apresentados a um Japão socialmente decadente. Os samurais e seu código de honra estão sendo trocados pela corte e toda sua ostentação e pompa. A morte do Lorde Asano pelo corrupto Kira, servirá de estopim para uma vingança que será tanto um grito dos ronins, quanto de uma sociedade assolada.
Lorde Asano, senhor das terras de Ako, assim como demais lordes, são requisitados a comparecer na corte perante o xogum. Isso implica em Asano, um homem bruto e desacostumado com serenidades, a ter de controlar seu temperamento e submeter-se a uma série de ensinamentos sobre modos e gestos na corte, todos ministrados pelo ambicioso Kira, que não somente quer humilhar os lordes, mas também obter vantagem sobre eles. Somos apresentados ao personagem principal da história Oishi – fiel comandante das tropas de Lorde Asano. É um homem antiquado, firme nos caminhos dos samurai e que não se conforma com o estado atual de seu país. É ele quem terá a visão e determinação para levar a vingança de seu mestre à cabo.
“Nenhum homem deve viver sob o mesmo céu que o assassino de seu mestre.”
Asano e seus homens são um constraste a este Japão afetado e corrupto, ao mesmo tempo também representa aqueles que são incapazes de se adaptar aos tempos modernos e aceitar o progresso. Estes são homens determinados a seguir seus ideais até as últimas consequências, mesmos que esses ideais estejam ultrapassados.
Alguns dos pontos fortes do livro infelizmente também são algumas de suas falhas. É notável e perceptível o conhecimento/pesquisa do autor sobre o tema, porém a quantidade de detalhes é extensa e pode ser cansativa para alguns leitores. Creio que várias cenas menores poderiam sim ter sido resumidas e ou cortadas, porém, para mim, elas tiveram gosto de cenas extras em um filme muito bom. Nunca é demais.
É sempre um sentimento muito bom, quando terminamos uma leitura e saímos melhores dela, sentimos que o livro nos passou um ensinamento, não necessariamente a moral da história, mas uma lição nas entrelinhas. Pude dizer com felicidade que este livro proporciona esse sentimento. Oishi é o grande professor da história, ensinando seus primos de forma indireta a comprometer-se totalmente a uma causa sabendo das consequências, lembrando as pessoas do que realmente importa (tanto à sociedade quanto aos próprios ronins), a corrigir seus erros, a manter a calma em situações desesperadoras, entre outras pequenas gemas de sabedoria. Para aqueles que tiverem paciência – e esse é um dos maiores ensinamentos desse livro – a vingança dos 47 inicia no capítulo dezesseis e termina somente no dezenove – penúltimo capítulo do livro. Sim, grande parte do livro é dedicada ao fato de os ronins estarem de mãos atadas, e vão pacientemente avançando seu objetivo em pequenos passos. E esses pequenos passos são todos dados por nosso protagonista.
Claro que nem todos os personagens obedecem a essas regras, muito menos ao seu líder Oishi, o que dinamiza e não torna o livro monótono. Recomendo para fãs do gênero e para amantes da cultura oriental (principalmente se você é fã de ‘Vagabond’ como eu).
Mas aí você me pergunta: E o filme é bom? É fiel ao livro? Resposta curta: Não. Bem pouco. Resposta longa: Vale notar que no prefácio do livro, o próprio autor explica que a história contida ali é uma interpretação de um fato muito antigo, que por sua vez tem inúmeras representações no teatro Kabuki, literatura e filmes antigos. Logo, o filme não deixa de ser uma interpretação também. Acredito que esta seja a melhor forma de encarar o filme, não como uma representação fiel, ou quase fiel de seu livro, mas como uma interpretação de uma história contada ali. No entanto, o filme troca uma história de crítica social e rica em ensinamentos por uma história fantasiosa e cheia de ação. Achei interessante a adição desses elementos fantasiosos, a personagem da Feiticeira e os monges Tengu, no entanto outros elementos são completamente esdrúxulos como o personagem do Keanu Reeves, a cena da caçada, os samurais gigantes do Kira e principalmente o Oishi e os ronins sendo renegados a coadjuvantes da história. Compreendo que uma tradução direta do livro seria longa e até entediante para alguns, porém faltou ponderação. Desnecessário dizer que este filme já foi feito de forma superior por atores japoneses. Mesmo assim, apesar dos elementos únicos do filme, ele apenas entretém. Keanu Reeves sendo Neo mais uma vez, personagens rasos, CGI e muita ação. Apenas mais um na lista de entretenimento rápido e descerebrado. Pelo lado positivo, se não tivéssemos o filme, muito provavelmente não teríamos acesso ao livro aqui no Brasil. Mas a capa meu Deus, a capa…
"Conhecemos o caminho da obrigação e o seguimos, sem questionar."
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