Dida 04/03/2024
Esse livro é uma confusão. Vi algumas poucas resenhas antes de começa-lo e fiquei curiosa para lê-lo, principalmente ao saber a forma que estava escrito. O que eu não esperava é que fosse tão intenso o fluxo de pensamento, a mudança de narradores, a constante mudança de lembranças, tudo de uma só vez. É um texto intenso, mas, apesar de poder ser confuso em alguns momentos, é bonito, é tocante, tem reflexões, têm críticas, e muito sofrimento. A senhora D (esse D representando derrelição, mas também desamparo, um Deus que existe? não existe? Está presente? é pai? cadê esse Deus?) É chamada assim por seu marido, que faleceu. Agora Hillé (a senhora D) está sozinha, e decide morar no vão da escada. Tida como louca pela vizinhança, ela expõe máscaras assustadoras na janela para dar sustos nas pessoas, ?cuida? de peixes de papel no aquário que se desfazem em suas mãos. A senhora D questiona tudo, sente tudo, presta atenção no que outras pessoas não veem, inventa palavras, significados, procura Deus. Esse livro, em minha visão é acima de tudo, sobre o luto e suas fases. Ela relembra momentos, fala com Ehud, fala com o pai, ambos mortos, revive a infância, grita, xinga, reflete. Ela sofre sozinha o tempo todo e sob os ataques da vizinhança. Os diálogos da senhora D com o pai, quando sabemos que o próprio pai da autora sofreu com a esquizofrenia, se torna ainda mais significativo: ?a vida foi, Hillé, como se eu tocasse sozinho um instrumento, qualquer um, baixo, flautim, pistão, oboé, como se eu tocasse sozinho apenas um momento da partitura, mas o concerto todo onde está??
O livro é obsceno porque nos arrasta como uma enchente, parece uma torrente de palavras, cenas, questionamentos, reflexões, sentimentos, tudo ao mesmo tempo. A senhora D é obscena porque não se adequa ao que é esperado. Ela busca sempre mais, ela quer saber, quer entender, quer descobrir. Vi uma entrevista de Hilda que ela falava que as pessoas não pensam em português, que era uma coisa horrível, que as pessoas precisavam ser acordadas. Concordo com a Tatiana Feltrin quando ela diz que se não entendemos a escrita de Hilda, é problema nosso como leitores. Isso se complementa com o que Hilda disse na entrevista. Às vezes a gente tá adormecido pra certas coisas e certas escritas. É hora de acordar.
?porisso trabalho com as palavras, também para me exorcizar, quebram-se os duros dos abismos, um nascível irrompe nessa molhadura de fonemas, sílabas, um nascível de luz, ausente de angústia.?