Thalya 19/10/2020
Melodia bíblica: intertextualidade com os Cânticos da Bíblia
Como esse é um dos primeiros livros escritos pela autora, com a escrita ainda tão madura (segundo Carlos Drummond de Andrade isso será alcançado com "Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão") não consegui me apegar, afetivamente falando, mas percebo claramente que aqui esteja em voga algo muito mais sensual, aspecto muito presente na obra de Hilda Hilst, como muitos sabem, e também presente no livro dos cânticos da Bíblia.
Existem diversas metáforas interessantes e o uso de cores e objetos torna possível que a leitora ou leitor consiga enxergar a poesia se transformando em vida; a melodia e ritmo relacionados a intimidades do amor e sexo são fáceis de serem enxergados de maneira profunda e móvel. Não que por falar de sentimentos e ações sensuais, Hilda deixe de ir no mais fundo do âmago humano e existencial, pelo contrário, falar sobre isso de maneira melódica assim, traz uma vivacidade para o tema, chegando até a transcendentalizar a união - uma visão também presente na mítica do amor judaico.
Eu até diria que "Cantares" é uma obra muito visual, de sentidos, de sensações e acho que era esse o objetivo da poeta e de suas poesias.
Poema XLVI
"Talvez eu seja
O sonho de mim mesma.
Criatura-ninguém
Espelhismo de outra
Tão em sigilo e extrema
Tão sem medida
Densa e clandestina
Que a bem da vida
A carne se fez sombra.
Talvez eu seja tu mesmo
Tua soberba e afronta.
E o retrato
De muitas inalcançáveis
Coisas mortas.
Talvez não seja.
E ínfima, tangente
Aspire indefinida
Um infinito de sonhos
E de vidas."
(Hilda Hilst; em Cantares de perda e predileção)
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