Jow 14/08/2012O impulso como ação."Triste é viver só de solidão
Pena de quem nunca esteve aqui
Pra ver fazer dormir a noite
Passará depois em cada despedida
Nos romances os mistérios dessa clareira
Que há de luz iluminar"
A Noite - Marcelo Camelo
Muitas pessoas vivem da noite e são vítimas dos seus mais incríveis encantos: podem entregar-se a disfarces, ser outro em si mesmo, contar vantagens ao largar os ternos e as preocupações – os terrores diurnos de uma vida citadina. Em muitas noites tudo pode ser uma rotina, mas existem algumas noites, “aquela noite”, em que dizemos “será inesquecível”. E essa noite memorável está nas páginas de “Após o Anoitecer” de Haruki Murakami! Uma obra cheia de personagens com suas próprias histórias – que podem se cruzar ou não – numa madrugada quase ordinária nas ruas de Tóquio, onde pessoas podem morrer, viver e/ou amar.
Mari Asai é uma jovem que fugiu de casa para passar a noite fora, lendo livros, tomando café ou chá e tentando esquecer os seus problemas familiares. Acontece que ela é a irmã mais nova de Eri Asai, uma jovem de beleza imaculada – que desde muito cedo estampa revistas de moda e comportamento – que um dia decidiu dormir e nunca mais acordou. Ela não está em coma e muito menos morta. Apenas dorme! No meio da noite, Mari encontra Takahashi, um jovem músico de jazz que ela conheceu há tempos durante uma viagem e que representará muito durante suas aventuras nas “poucas” horas da madrugada.
Murakami trabalha seus personagens de várias maneiras, enquanto em muitos momentos ele explora o óbvio de um relacionamento entre irmãs, que aparentemente não se relacionam bem, até criar mistérios e um plano de fundo totalmente tocante para um jovem falador que quer mudar de vida – isso gera quase uma superficialidade na exploração dos sentimentos, um dos traços mais envolventes do escritor, contudo creio que nessa obra veio a calhar o risível ao invés de uma imensidão. Entre os encontros casuais, o leitor será empurrado para uma trama paralela envolvendo a máfia chinesa e a prostituição em Tóquio, um misógino de meia idade e uma ex-lutadora de luta livre que cuida de um motel. Todas podem as histórias podem se cruzar, todas podem dar errado e muitas delas são tristes, ou até mesmo, engraçadas. E cada uma representando um personagem da noite, aqueles que usam máscaras, aqueles que só são vistos à noite e muitos que nunca são vistos, mas que sempre estão em quase toda parte.
Parece pouco? Experimente seguir as trilhas que o autor sugere em cada capítulo, quando diz que num determinado bar estava tocando tal música, de tal álbum, de tal ano. É quase mágico ouvir “Five Spot After Dark” e ler os diálogos entre Mari e Takahashi. E imaginar um homem malhando ao som de Bach às 3 horas da manhã ganham outro significado. A cultura pop pulsa como as descrições de neon e das noites frias da cidade – o talento de Murakami de escrever sobre coisas simples de maneira simples e que são irrepreensíveis.
Do que parecia ser um simples encontro que resultaria em um possível amor, o leitor é sugado para um thriller de comportamento e humanidade. E vou mais além, Murakami nos incita a buscarmos por respostas naquilo que somos como humanos.
Mas, grande questão a ser respondida pelo homem, não é “Quem sou?” Mas, “O que desejo?” Nós somos definidos pelos nossos desejos, pelas escolhas que fazemos influenciados por eles. Mas por que os seres humanos costumam fazer coisas que não querem ou que não sabem que querem? Por que costumamos ser tão cegos aos nossos próprios desejos? Essas são as perguntas que nem Freud nem qualquer estudioso da mente humana jamais conseguirá responder com perfeição. Porque além do nosso grande desconhecimento sobre nós mesmos somos confrontados com o acaso ou algum acidente o tempo todo... Mas ainda assim, perdidos em meio ao caos de uma teia de coincidências, os seres humanos conseguem ter momentos plenos de felicidade e sentido, e é neles que conquistamos a impermanência.
“Após o Anoitecer” é considerado por muitos o livro mais fraco do autor. Eu discordo, eu o considero diferente, a ovelha negra que tem muito do estilo de Murakami – a cultura pop, as músicas, o pulsar dos anos 80 – e que mesmo que muitos digam que é o menor, ele já é maior do que muito do que vemos por aí.