Gabi 09/06/2014
O réu que debochou da eficácia da Justiça
A história econômica do Brasil ficou um pouco mais manchada depois de Daniel Dantas. O banqueiro, com poderes extraordinários e aterrorizadores, misturou as palavras poder e impunidade deixando um gosto amargo para o povo brasileiro e muitos funcionários que trabalham pela justiça no país. O livro Operação banqueiro, do repórter investigativo Rubens Valente, impacta. A noção de como a sujeira pode ser varrida para baixo do tapete por governantes e beneficiados assusta todo leitor que decidir deliciar-se nesta leitura afoita de 462 páginas. Nelas, a história do baiano Daniel Dantas, o poderoso empresário que chegou a ameaçar Fernando Henrique Cardoso, o presidente da época, e seu candidato à continuidade no governo, José Serra. Esquemas e teias de relações entre políticos, homens de negócios e juízes são expostos para indignação de quem lê, pois o final não é feliz. De fato, a palavra que pode resumir a obra é impunidade.
São pelo menos quatro operações policiais que Dantas está envolvido: CPI do Banestado, no início dos anos 2000, onde o banqueiro é acusado de lavar dinheiro fora do país; Chacal, em 2003, quando o Opportunity, seu banco, pagou 26 milhões à Kroll, uma agência de espionagem, para obter informações – por vezes de maneira ilegal – no intuito de privilegiar-se e atacar inimigos; a CPI dos Correios (2005), que investigou o Mensalão, em uma narração da ligação entre Marcos Valério e o Opportunity; e, mais recentemente, em 2008, a Satiagraha, quando o banqueiro foi protagonista da história e safou-se debochadamente. Nesta investigação, que é tratada exaustivamente no livro, expõe-se todo o esquema de “internação” de dinheiro corrupto no exterior para disfarçar a origem, a influência de Dantas no governo, o controle detido pelo Opportunity de várias estatais privatizadas e como o valor pago foi muito pouco para o porte das empresas em favorecimento da elite. Como diz uma música: “O rico cada vez fica mais rico”. E o pobre, ou seja, os relés mortais que trabalham pela vida, é quem perde.
A parte mais interessante do livro é a divulgação exclusiva de e-mails até então sigilosos entre o lobista Roberto Amaral (contratado do banco Opportunity) e contatos do presidente FHC, onde começa-se a compreender porque a justiça não funciona da mesma forma para todos: Dantas, “o grande credor”, intimida o governo ao sinalizar a divulgação de podres das privatizações e ameaça dizendo que muitos nomes podem ser escrachados. Mesmo com muitos indícios, como uma oferta de propina de 500 mil dólares, o histórico de consórcios manipulados (o controle do Opportunity sobre uma estatal privatizada quando os fundos de pensão tinham dado a maior parte do capital para a compra, por exemplo) e ação de espionagem ilegal contra adversários, as nebulosas conspirações entre o exército de advogados do Opportunity e membros poderosos dos poderes Executivos e Judiciário fizeram com que o banqueiro recebesse dois habeas corpus do Supremo Tribunal Federal em menos de 48 horas. Condenado a dez anos de prisão, Daniel Dantas nunca mais pôs os pés em uma cela e não demonstra-se qualquer expectativa de que isso chegue a acontecer.
A situação não foi suficientemente esdrúxula. Em uma reviravolta incrível, os tigres de papel que confrontaram todo poderoso Dantas foram os afetados, principalmente os dois nomes cruciais para o desenrolar do processo negativo ao banqueiro. Protógenes Queiroz, delegado responsável pela Operação Satiagraha, foi afastado do caso e investigado por várias ações (um grampo mirabolante nunca comprovado do ministro do STF Gilmar Mendes, por exemplo). É necessário informar que o delegado cometeu erros de ocultar informações sobre a operação aos superiores, mas isso não parece comprometer toda a ação. E Fausto De Sanctis, juiz autor dos mandados de prisão à Dantas, deixou sua vara e assumiu cargo numa área nada a ver com sua especialidade, que é a de crimes financeiros. A mídia, na função social de informar a população, espetacularizou em favorecimento dos acusados e no final a conclusão é de que o réu foi o verdadeiro recriminador.
Dantas sofreu uma sangria brutal em seu império. De acordo com o Banco Central, em junho de 2008, um mês antes da deflagração da Satiagraha, o Opportunity manejava R$16,6 bilhões em recursos de terceiros. Seis meses depois o valor caiu para R$8,5 bilhões, mas é preciso lembrar que a Operação coincidiu com uma grande crise econômica mundial. No final de 2010 o Opportunity já se recuperava, chegando ao valor de R$11,1 bilhões. Dantas mudou os negócios: trocou o império das telecomunicações pelas grandes fazendas no interior do país, com vinte e uma. A mesma atividade de seu bisavô, Cícero Dantas, barão poderoso citado no início do livro. O impune passa bem, obrigado.
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