Mathias Vinícius 09/04/2024
Um comentário sobre: As Cidades Invisíveis
Sabemos o quanto é interessante quando um autor faz o leitor conjecturar as mais improváveis teorias a respeito do enredo. Mas e quando essa situação é transportada para a linguagem visual? Quando ele exige que você acredite nas paisagens mais impossíveis? Quando falamos sobre essas situações que envolvem descrições mirabolantes de cenários fantasiosos, nossa mente se lembra dos grandes escritores de fantasia e ficção científica: J. R. R. Tolkien, Ursula K. Le Guin, Arthur C. Clarke, Brandon Sanderson e outros. Esses autores nos levam a mundos imaginários, desafiando nossas percepções da realidade e nos fazendo sonhar com possibilidades além do nosso próprio tempo e espaço, com longas descrições panorâmicas para integrar o leitor à trama e trazendo-o para situações que nos coloca com as sensações necessárias para cada momento narrado.
O que, de fato, não é diferente do que Italo Calvino faz com o seu leitor nesta obra, As Cidades Invisíveis. O que ele fez comigo? Ele me pegou pela mão e me fez sentar nas grandes almofadas da corte do imperador Kublai Khan, enquanto o navegador Marco Polo contava sobre as suas passagens pelas mais impossíveis cidades já descritas. Ao longo dos diversos diálogos que ocorrem entre os relatos de cada cidade, somos confrontados a todo momento a indagar se as descrições feitas por Polo eram verídicas ou não. Calvino habilmente mistura realidade e fantasia, criando um cenário onde cada cidade representa estados emocionais, memórias e sonhos.
A prosa proposta por Calvino flui com uma suavidade melódica e poética, e sua abordagem literária é singular. As cidades são frequentemente associadas a metáforas e imagens simbólicas, elas representam estados emocionais, memórias e sonhos, indo além da realidade concreta, questionando a própria natureza da narrativa, ou seja: a mente do autor e do leitor, tornam-se lugares onde o real e o imaginário se entrelaçam, até mesmo se questionando se aquelas coisas aconteceram durante o século XIII ou se aconteceram em um tempo futuro em que a sociedade que conhecemos não existe mais. As cidades estão para além dos espaços físicos; elas tornam-se símbolos complexos e inesgotáveis da experiência humana.
"POLO: …Pode ser que os terraços deste jardim só estejam suspensos sobre o lago das nossas mentes…
KUBLAI: …E por mais longe que as nossas atribuladas funções de comandante e de mercador nos levem, ambos tutelamos dentro de nós esta sombra silenciosa, esta conversação pausada, esta tarde sempre idêntica.
POLO: A menos que não se dê a hipótese oposta: que aqueles que se afanam nos acampamentos e nos portos só existem porque nós dois pensamos neles, fechados neste tapume de bambus, sempre imóveis.
KUBLAI: Que não existem o esforço, os gritos, as pragas, o fedor, mas apenas esta azaleia.
POLO: Que os carregadores, os pedreiros, os lixeiros, as cozinheiras que limpam as entranhas dos frangos, as lavadeiras inclinadas sobre a pedra, as mães de família que mexem o arroz aleitando os recém-nascidos, só existem porque pensamos neles.
KUBLAI: Para falar a verdade, jamais penso neles.
POLO: Então não existem.
KUBLAI: Não me parece ser essa uma conjetura que nos convenha. Sem eles, jamais poderíamos continuar balançando encasulados em nossas redes.
POLO: Devemos rejeitar a hipótese, então. Portanto, a hipótese verdadeira é a outra: são eles que existem, não nós.
KUBLAI: Acabamos de demonstrar que, se nós existíssemos não existiríamos.
POLO: Ei-nos aqui, de fato."
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