otxjunior 04/10/2020Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, Rubem FonsecaJá é difícil gravar nomes em romance russo! Mas quando o protagonista, este inominado, é obcecado por um escritor soviético e pretende adaptar sua obra para o cinema, acompanhar trechos de seu primeiro esboço do roteiro torna-se um desafio. Ou para citar o livro, “puta que pariu, como diria Vitiagaichenko”!
Esse humor erudito percorre vasta e imperfeitamente o livro em toda sua extensão. Rubem Fonseca, prova que é um autor lido, aqui no sentido de que lê, muito, com suas referências de arte e história nesta falsa trama policial que envolve literatura russa, política soviética, tráfico internacional de pedras preciosas, desfiles de carnaval carioca, religião, cinema e sexo, não necessariamente nesta ordem.
O narrador, quase que de cinema noir, apesar da imagem do forasteiro sem nome que chega a cavalo numa cidade onde ninguém o conhece clássica do cinema de western, é assombrado por sonhos, ironicamente não imagéticos, que justificam o poético título. A narrativa chega a ser absurda a ponto de questionarmos o que é sonho e o que é realidade a todo momento, ou se tudo é fantasia. Afinal são muitos os personagens, em sua maioria mulheres, que cruzam o caminho do cineasta cujas histórias dão um filme. O conjunto delas, no entanto, é infilmável. Como Fonseca destaca, são reservadas apenas a literatura as possibilidades infinitas e de baixo custo de expressar o maior épico.
E Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos tem escala épica. Alternando do Rio a Berlim ainda murada e o interior mineiro, a busca por um raro manuscrito faz refletir sobre o valor do homem e da obra. Separar este daquele não parece politicamente correto em 2020, mas Fonseca parece indicar sua opinião nas palavras de seu herói, “não me importava saber que Gauguin era pedófilo, meu interesse era descobrir como conseguia a luz e a cor das suas telas”. Por outro lado, o romance parece contemporâneo ao trazer cineastas trabalhando para TV, por exemplo, ou ao abordar canais de comunicação e a força política da bancada evangélica no Brasil.
Se nada mais, vai dar vontade de ler Isaac Bábel.