wdlmlra 13/10/2023
.a relevância contemporânea da ficção científica clássica.
.concebido no ano de 1968, ?androides sonham com ovelhas elétricas?? é um clássico da ficção científica escrito por philip k. dick, um grande símbolo da contracultura do gênero nas décadas de 60 e 70. é uma releitura, então sou suspeita para falar sobre essa obra que tanto aprecio. inicialmente, tive dificuldades em compreender a proposta do universo, já que era meu primeiro contato direto com um livro desse gênero. no entanto, à medida que me aprofundei e explorei diferentes perspectivas, consegui me envolver com a história, e desde então busco ler obras similares.
com pouco mais de 200 páginas e uma narrativa concisa, o livro nos traz a essência de um realismo distópico que retrata o ano de 2019/2021 (não me recordo exatamente o ano e às vezes o confundo com o do filme) em uma atmosfera cataclísmica. é surreal ler essa obra na contemporaneidade, considerando que 2019 ou 21 foram recentes, enquanto em 1968 as pessoas temiam que esse futuro distante fosse marcado por um apocalipse devido a guerras nucleares. esse medo, não ironicamente, ressoa com a nossa realidade atual.
recapitulando, nesse cenário apontado, a terra estava praticamente sem recursos naturais, tornando-se um deserto decadente com o ar contaminado por uma poeira radioativa, prejudicando a saúde de seres humanos, plantas e animais. sob esse viés, rick deckard, nosso protagonista, vive a sua jornada do herói sendo um policial e caçador de recompensas em los angeles. ele vê uma oportunidade de ouro quando um caçador mais experiente é ferido na perseguição de uma série de androides conhecidos como replicantes. esses replicantes, da geração nexus-6, são descritos como virtualmente idênticos aos humanos, tornando difícil distingui-los mesmo com testes meticulosos, o que os torna ilegais. rick é encarregado de ?aposentá-los? ? um eufemismo para matá-los, e à medida que a história se desenrola em apenas um dia, ele começa a humanizar os androides, o que nos leva a uma reflexão existencialista: o que nos torna humanos? a empatia é realmente suficiente para distinguir um humano de um androide? até que ponto os humanos são empáticos? e se os androides podem copiar os humanos com perfeição, a ponto de acreditarem serem humanos, enquanto os próprios humanos duvidam de sua humanidade, que destinos lhe resta? numa análise fria, com o rompimento do homem com a natureza que o cerca, o que resta é migrar para as colônias afora ? para os que obtém recursos ?, ou conviver no mundo ínfimo. esses dilemas, enfrentados tanto pelo protagonista quanto pelos leitores, são ainda mais relevantes quando percebe-se que isso também pode vir a nos caber no futuro com o avanço contínuo da inteligência artificial. não apenas por isso, mas beira o absurdo a perspicácia do philip k. dick em ter conceituado uma tecnologia tão à frente de seu tempo em sua época.
outro tópico relevante é a motivação de rick para aposentar os replicantes: substituir sua ovelha elétrica por um animal de verdade, algo que só seria possível com a recompensa de mil dólares por cabeça. é bastante interessante como a escassez de animais vivos, devido à poeira radioativa, criou uma indústria em torno da obsessão das pessoas por animais. ter um animal de verdade tornou-se um símbolo de status, e aqueles que não podiam pagar por um recorriam aos animais artificiais, mesmo que ter um bicho elétrico no telhado fosse motivo de vergonha.
apesar de os personagens secundários terem sido superficialmente desenvolvidos, todos tem suas características cativantes. é impossível não mencionar j. r. isidore aqui, apelidado de cabeça de galinha. ele é um dos humanos afetados pela poeira radioativa da guerra e deixado para trás na emigração para marte. a história de j. r. isidore é marcada por sua relação com os nexus-6 procurados, pelos quais ele sente empatia. com sua limitada inteligência, ele anseia por uma sensação de pertencimento. sua existência ganha significado quando irmgard, pris e roy buscam refúgio no prédio abandonado onde ele vive, pois ele finalmente pode ser útil para algo. isso me lembra de um estudo de caso que analisei sobre como a religião pode ser uma necessidade para as pessoas, pois serve como um elemento de integração social e uma válvula de escape. existir por si só pode ser cruel e doloroso. quando não nos ancoramos a algo, perdemos nosso rumo. isso é evidente no caso de rick, que trabalha em busca de mais dinheiro para adquirir um animal vivo, e em sua esposa, iran, que é dependente da caixa de empatia, um dispositivo que induz emoções. quando se tornam conscientes, onde eles iriam em busca de apoio?
também é importante mencionar personagens alegóricos como rachel, buster gente fina e wilbur mercer. fica aqui uma menção honrosa a eles.
para concluir, a complexidade do livro é fascinante, e, embora o filme seja cinema em sua forma mais pura, prefiro a profundidade do livro mesmo. no entanto, reconheço que o filme tem elementos indiscutivelmente melhores, como a cena final de luta entre rick e roy e o monólogo das lágrimas na chuva. em termos gerais, a adaptação complementa de forma habilidosa o livro, estimulando o público a refletir sobre questões morais e éticas, como humanismo, capitalismo e apocalipse ambiental, e a questionar o que é certo ou errado em momentos decisivos. além disso, claro, nos faz contemplar se rick deckard é uma máquina ou um humano.